A cobertura que é mais do mesmo: 2025 começa com chuvas acima da média em diversas cidades brasileiras

Imagem: Paulo Pinto/Agência Brasil

Por Clara Aguiar* e Eloisa Beling Loose**

O início de 2025, em diversas regiões do Brasil, foi marcado por uma série de eventos climáticos, que vem causando transtornos significativos e mobilizando esforços de emergência quase simultaneamente. Os primeiros dias do ano mostram que seguimos no ritmo de ebulição de 2024, que superou, pela primeira vez, a temperatura global de 1,5°C, o limiar climático apontado pelos cientistas, o que significa mais intensidade e frequência de eventos extremos.

Diante desse cenário, cabe ao jornalismo denominar o acontecimento de forma a não naturalizar o desastre. No primeiro texto do ano, o Observatório de Jornalismo Ambiental (OJA) analisou, no período de 04 de dezembro a 25 de janeiro, a cobertura do G1, portal de notícias da Globo e líder de audiência no jornalismo digital no país, sobre as chuvas intensas, alagamentos e enchentes que vêm afetando os estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Santa Catarina e São Paulo – janeiro nem encerrou, mas já são muitos os casos reportados no País.

No Rio de Janeiro, Chuva forte provoca alagamentos e bolsões d’água na capital e Região Metropolitana do RJ (04/12/2024). Em Maricá, na rodovia RJ-106, Chuva deixa motoristas ilhados e trânsito congestionado na RJ-106, em Maricá.

No Espírito Santo, Chuva intensa no ES deixa desalojados, desabrigados e interdita rodovia; saiba quais cidades mais atingidas (08/01/2025). Vídeos mostram enchentes que causaram destruição e tiraram moradores de casas no ES (09/01/2025).

Em Minas Gerais, Chuvas deixam 25 mortos e mais de 50 cidades em situação de emergência em Minas Gerais (14/01/2025). Quase 100 cidades mineiras decretam situação de emergência ou calamidade pública por causa de temporais; veja lista (19/01/2025). 

Na Bahia, Temporais deixam moradores ilhados e alagam ruas de cidades em diferentes regiões da BA (15/01/2025).

Em Santa Catarina, o cenário também foi preocupante. Chuvas provocam situação caótica com estragos e desabrigados no litoral de SC; cidades decretam emergência (16/01/2025). Balneário Camboriú recebe em um dia quase todo o volume de chuvas esperado para janeiro; VÍDEOS mostram situação caótica (16/01/2025). 

Já em São Paulo, no dia 24 de janeiro, ocorreu o terceiro maior volume de chuva já registrado desde o início das medições do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), em 1961, conforme aponta a matéria “FOTOS: São Paulo tem 3ª maior chuva da história, segundo Inmet” (25/01/2025). O artista plástico Rodolpho Tamanini Neto, de 73 anos, morreu afogado depois que uma enxurrada atingiu a sua casa, como relatado em “Corpo de artista plástico que morreu após enxurrada invadir sua residência é velado em SP” (25/01/2025). 

É percebido que nas notícias do G1 são atribuídas às chuvas a responsabilidade exclusiva pelos acontecimentos, personificando-as como agentes autônomos que “provocam”, “causam” ou “deixam” danos e vítimas. Essa abordagem, amplamente evidenciada nos títulos destacados, como “Chuva forte provoca alagamentos” e “Chuvas deixam 25 mortos”, contribui para a não responsabilização humana ou questionamento acerca das causas geradoras do problema. Embora a chuva seja o fenômeno imediato, desencadeador do processo, ela não é a única responsável pelos desastres relatados.

Os desastres não são apenas “naturais”, mas também resultados de uma série de fatores como a ocupação desordenada do solo, a falta de planejamento urbano, o desmatamento e a ausência de políticas públicas eficazes para a prevenção e mitigação de riscos – aspectos que criam situações de vulnerabilidade. Quando o jornalismo escolhe por eleger a chuva (ou outro fenômeno da natureza) como responsável por tragédias acaba por ignorar fatores derivados de escolhas humanas, contribuindo com a ideia de que desastres são inevitáveis, o que enfraquece a urgência em adotar medidas preventivas. 

“Ao personificar as forças da natureza e considerá-la um inimigo externo (“o rio invadiu”, “a chuva matou”), podemos desresponsabilizar a ação/inação humana”, afirma trecho do Manual para a Cobertura Jornalística dos Desastres Climáticos, desenvolvido pelo Grupo de Jornalismo Ambiental do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pelo Grupo Estudos de Jornalismo do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

A personificação das “forças da natureza” reforça uma narrativa que posiciona os desastres como algo “fora do nosso alcance”, resultado de uma suposta “força maior” contra a qual os seres humanos não teriam controle ou capacidade de resistência. Essa perspectiva ignora o papel ativo que as ações humanas desempenham na amplificação ou mitigação desses eventos. É preciso que o campo jornalístico desnaturalize os desastres, pois quando se atribui exclusivamente à natureza a origem dos problemas, perde-se a oportunidade de enxergar a conexão entre os fenômenos naturais e as escolhas políticas, econômicas e sociais que agravam seus impactos. O desastre só ocorre onde há processos de vulnerabilização em curso.

Há anos cientistas das Ciências Sociais e Humanas apontam a importância de se nomear de forma adequada os desastres, mas grande parte da comunidade jornalística segue reproduzindo o que é mais visível na eclosão do problema, desconsiderando questões crônicas que são os viabilizadores de desastres. Isso ainda é mais sério quando há nos títulos das notícias a reprodução de autoridades públicas que invocam os fenômenos naturais para justificar a sua inoperância. Quando deixaremos de cobrir os efeitos da crise climática, provocada pela ação humana, como algo desconectado do nosso modo de vida?

*Clara Aguiar é estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: claraaguiar14@hotmail.com.

**Eloisa Beling Loose é jornalista e pesquisadora na área de Comunicação de Riscos e Desastres. Coordenadora do Laboratório de Comunicação Climática (CNPq/UFRGS). E-mail: eloisa.loose@ufrgs.br.

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