Quando o jornalismo ambiental encontra o literário

Captura de tela – Reportagem da edição de agosto da revista Piauí
Por Roberto Villar Belmonte*

Talvez somente nos meses que antecederam a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que aconteceu no Rio de Janeiro entre os dias 3 e 14 de junho de 1992, tenha se falado tanto sobre questões ambientais do Brasil como nesses primeiros meses do Governo Bolsonaro. Os grandes eventos e as catástrofes têm esse efeito nos jornalistas. Eles mobilizam.

O desmonte da governança ambiental planejado no ano passado e colocado em prática no início de 2019 foi descrito detalhadamente em uma reportagem de 11 páginas da revista Piauí assinada por Bernardo Esteves. Na mesma edição de junho, a publicação mensal deu mais 11 páginas para capítulo inédito do livro A Terra inabitável: uma história do futuro, de David Wallace-Wells.

Essa edição tinha ainda um texto de uma página sobre o plantio de milho dos quilombolas do Vale do Ribeira, em São Paulo, e mais cinco páginas sobre uma batalha jurídica para salvar uma árvore amazônica em Copacabana. Essas 28 páginas da Piauí de junho com pautas do campo ambiental poderiam ser atribuídas ao Dia do Meio Ambiente (5 de junho), período em que proliferam juras de amor à sustentabilidade. Mas não é o caso.

A pauta ambiental sempre esteve no radar editorial da publicação de referência criada por João Moreira Salles. Um exemplo é a reconstituição do crime praticado pela Samarco em Mariana (MG) realizada pela repórter Consuelo Dieguez na reportagem A onda publicada na edição de julho de 2016 na Piauí. Esse trabalho entrou para os anais do jornalismo brasileiro e é estudado em sala de aula.

Os recursos do jornalismo literário – imersão do repórter, humanização das personagens, reconstrução de cenas, reprodução de diálogos – ajudam a dar sentido aos dramas e conflitos que envolvem a relação sociedade e natureza. Tais recursos, incentivados na Piauí, são muito produtivos quando a pauta é ambiental devido à complexidade dos temas e as diversas relações necessárias.

A edição de agosto da revista Piauí chegou às bancas com mais uma pauta do campo ambiental: os furtos de abelha no interior de Minas Gerais. A reportagem de quatro páginas do repórter Leonardo Pujol leva o leitor ao mundo dos apicultores, conectando o modo de ver as pautas do jornalismo ambiental aos recursos narrativos do jornalismo literário.

Nesse mundo da criação de abelhas (insetos afetados pela mudança do clima e pelos venenos utilizados nas monoculturas do agronegócio), agora também há ocorrências policiais, como já ocorre há séculos com o gado. Pujol, que contou essa história, faz parte dessa nova geração de jornalistas sensibilizados pelas questões ambientais e, no caso dele, pelo jornalismo literário.

Como salienta o professor Reges Schwaab em um dos capítulos do e-book Jornalismo ambiental: teoria e prática, “o espaço da reportagem ampliada ou em profundidade e o pensamento socioambiental têm, em termos de estrutura de pensamento, um parentesco” (p.71). Prova disso é a revista Piauí, publicação que não apenas abre espaço para temas ambientais, mas também para novos talentos do jornalismo brasileiro.

*Roberto Villar Belmonte é jornalista, professor e pesquisador dedicado à cobertura ambiental. Membro do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).