A destruição das florestas: sem conhecimento, valorização e respeito

*Patrícia Kolling

Fonte: Captura de tela do site El Pais Brasil

“Mas para os povos indígenas uma coisa é clara: quanto menos você sabe sobre algo, menos valor isso tem para você ― e, portanto, mais fácil será de destruir”. 

Esta frase da líder ambiental da comunidade waorani, Nemonte Nenquimo, é um dos apelos por ela escritos na Carta da Amazônia, uma mensagem direcionada aos nove presidentes de países amazônicos, publicada no jornal El Pais, em 12 de outubro, (Vale a pena a leitura na integra). Trata-se de uma carta escrita com conhecimento e sentimento, que clama respeito à floresta e aos povos indígenas. Nemonte Nenquimo destaca os milhares de anos que os povos indígenas levaram para conhecer a floresta Amazônica. “Entender suas formas, seus segredos, aprender a sobreviver e a prosperar com ela”, explica. 

O que Nemonte Nenquino diz se torna ainda mais potente diante das falas dos nossos governantes sobre esse assunto.  Na última terça-feira, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu o aumento de cabeças de gado no Pantanal para que comam o mato que serve de combustível e agrava as queimadas. A exemplo da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ele defendeu a tese do “boi bombeiro” e a expansão da pecuária na região para conter incêndios. Na matéria citada, no entanto, especialistas criticam essa visão, apontando que a criação de gado aumentou no Pantanal nos últimos anos, ao invés de diminuir, rebatendo a ideia de que os bois seriam fundamentais para impedir incêndios. Além disso, um dos focos de incêndio que devastou recentemente uma área de conservação no Pantanal teve início, segundo perícia, justamente numa fazenda de criação de gado nas redondezas.

A leitura destes dois textos nos instiga a refletir sobre a necessidade do jornalismo valorizar a pluralidade de enfoques e vozes. O primeiro deles é uma carta escrita por um povo que vive próximo à terra e, como diz Nemonte, “são os primeiros a escutar seu choro”. Os waorani têm na floresta a sua principal professora: “esta floresta nos ensinou a caminhar com rapidez, e, como a escutamos, como aprendemos com ela e a defendemos, ela nos deu tudo: água, ar limpo, alimentos, remédios, felicidade, espiritualidade”, destaca o documento.  O segundo texto, escrito por um jornalista, reproduz falas de políticos que precisam mostrar preocupação com o desmatamento e as queimadas, diante da ameaça internacional de boicote aos negócios com o Brasil. A pressão para que o governo brasileiro tome medidas para reduzir o desmatamento na Amazônia e o receio de que a imagem de vilão ambiental possa prejudicar a ratificação do acordo Mercosul-União Europeia fazem com que o governo negue o problema e reproduza informações sem bases científica ou estatística, ignorando também conhecimentos tradicionais. O esforço jornalístico está justamente em recusar tais declarações, trazendo à pauta também a perspectiva científica.

Entra aqui a reflexão sobre o papel dos jornalistas e educadores na confrontação de informações. Há necessidade da diversidade de fontes, das fontes cidadãs (ou seja, as não oficiais), das fontes especialistas, das fontes políticas – tal, como fez o jornalista ao confrontar com especialistas as falas do Ministro do Meio Ambiente. É preciso informações contextualizadas, é preciso pesquisa; como na matéria, em que pesquisadores explicam detalhadamente os danos do desmatamento e da degradação, assim como nas citadas pelo colega Matheus Cervo neste Observatório da semana passada. Pois, como diz Nemonte, para valorizar e respeitar é preciso conhecer, saber sobre o tema, vivenciar.

*Patrícia é jornalista, doutoranda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora da Universidade Federal de Mato Grosso.

O que é o observatório?

O Observatório de Jornalismo Ambiental é um projeto de extensão ligado ao Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS), coordenado pela professora Dra. Ilza Maria Tourinho Girardi, que busca dar visibilidade às produções jornalísticas centradas em aspectos do meio ambiente, assim como levantar discussões pertinentes à área. Após mais de 10 anos de experiência em pesquisas sobre Jornalismo Ambiental, a proposta do Grupo agora é popularizar as reflexões e conhecimentos adquiridos, de modo a contribuir com a formação de um pensamento mais crítico acerca das pautas ambientais e sensibilizar jornalistas e consumidores de informação para um olhar mais atento à cobertura de meio ambiente. Em razão dos ainda limitados espaços para a cobertura de meio ambiente no Brasil somados à necessidade e urgência de evitarmos o agravamento da crise ambiental já em curso, este observatório propõe-se a ampliar o debate do Jornalismo Ambiental. O projeto conta com a colaboração permanente de integrantes do Grupo de Pesquisa e tem como objetivos estabelecer um diálogo aberto sobre a cobertura ambiental no País, fomentar a qualificação do trabalho jornalístico nesta área, além de formar e cultivar um público crítico em relação à produção jornalística voltada para o meio ambiente.