Por Mathias Lengert*
Apesar do aquecimento global ser um consenso científico, campanhas de desinformação disseminam desconfiança e conteúdos imprecisos com êxito. É o que aponta uma sondagem realizada durante a COP26 pelo Institute for Strategic Dialogue (ISD). O monitoramento do think thank britânico verificou que páginas negacionistas do clima no Facebook obtiveram engajamento 12 vezes superior ao de fontes especializadas, como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Além disso, perfis negacionistas foram significativamente mais atuantes na rede social durante o evento. Anteriormente, este observatório já discutiu a responsabilidade editorial de veículos de comunicação ao acolherem, sem constrangimento, colunistas que minimizavam as conclusões do relatório do IPCC. Agora, nos questionamos como o jornalismo pode lidar com episódios de desinformação climática.
Trata-se de um fenômeno mobilizado por diversos atores sociais que operam ativamente, entre outras formas, em duas frentes: nas mídias sociais digitais, realizando disparos de notícias falsas, e a partir do lobby de instituições, financiadoras de um número ínfimo de pesquisadores que defendem a hipótese que nega o impacto antrópico no clima.
A checagem de fatos, em contrapartida à primeira frente, é um procedimento que ratifica a veracidade das informações e adverte suas eventuais inconsistências. Na ocasião da conferência do clima, o Estadão alertou para postagens em redes sociais que disseminavam dúvidas sobre a intervenção humana no aquecimento do planeta e ataques à ativistas ambientais. Ainda que seja uma prática imprescindível, a checagem de fatos é uma medida pontual que deve ser correlata a uma cobertura jornalística contínua e engajada, capaz de promover conexões entre o aquecimento global e o contexto local do público.
Em paralelo às notícias falsas, o lobby de determinados segmentos da sociedade busca descredibilizar as evidências científicas sobre o fenômeno. É o caso de alguns setores do agronegócio e da ala militar reacionária. Esse é um dos destaques da investigação jornalística da BBC Brasil, que noticiou que esses grupos financiaram palestras de dois conhecidos pesquisadores negacionistas, Ricardo Felício e Luiz Carlos Molion, que afirmam, entre outras frases sem embasamento científico, que “o aquecimento global é uma farsa, é um mito” e que a redução de emissões é “inútil”. Esses mesmos adjetivos, coincidentemente, foram amplamente usados por perfis negacionistas do Facebook para descredibilizar a COP26, conforme a sondagem do ISD. O movimento, portanto, repete tais chavões como estratégia de minar os esforços de combate ao aquecimento global e semear dúvidas na sociedade.
O jornalismo, como bem exemplifica a reportagem da BBC, deve desvelar o negacionismo, apurar as fontes de custeio e estimular um debate amplo e crítico quanto aos interesses econômicos destes segmentos ao minimizarem ações de enfrentamento ao fenômeno. Embora a desinformação climática exija uma responsabilidade que excede o jornalismo, cabe registrar que este tema perpassa um esforço cotidiano dos profissionais do campo. Aprimorar o caráter educativo jornalismo, em especial, é fundamental para qualificar a pauta e conscientizar o público contra o negacionismo climático.
*Mathias Lengert é jornalista, mestrando em Comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e integrante do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).