
Por Roberto Villar Belmonte*
A jornalista Liana John (1958-2021) publicou seu último texto neste sábado, 24 de julho de 2021, um dia depois de perder a luta contra um câncer no pâncreas. Como repórter que sempre foi, ela fez questão de escrever sua própria despedida. “Não queria ir embora sem agradecer a todos”, explicou-se em comovente mensagem.
Em sua homenagem, o Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS) reproduz aqui trechos da palestra que ministrou dia 28 de setembro de 2018 em Porto Alegre (RS) durante o IV Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo Ambiental, realizado na Fabico/UFRGS.
Conheci Liana John nos encontros preparatórios para a cobertura da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92. Sempre foi uma referência profissional. Ela ajudou a consolidar o jornalismo ambiental brasileiro, como pode ser constatado em seu depoimento a seguir, registrado no evento de 2018.
Influências no início da carreira
Nessa lista, um dos meus heróis, as pessoas que eu olhava, no Estadão tinha o Rubens Rodrigues dos Santos, que depois fundou o Jornal Verde, e que era uma pessoa que falava de deslizamento, do problema que se tinha com poluição, começava a ter alguma coisa de Mata Atlântica, ainda não existia a SOS Mata Atlântica. Então o Rubens Rodrigues dos Santos era uma pessoa que no Estadão ele fazia umas matérias bem interessantes.
Tinha a Roseli Tardelli, da Rádio Eldorado, e depois ela parou de fazer jornalismo ambiental e começou a trabalhar com divulgação de AIDS, porque ela teve um irmão que morreu de AIDS, então nos anos 80 ela saiu dessa área.
Tinha a Eliana Lucena que trabalhou muito com a Funai com índios, que era uma pessoa que fazia um material muito interessante.
E eu lia bastante coisa de fora. Tinha algumas reportagens que eu gostava demais. Teve uma que era sobre as tempestades. O repórter tinha embarcado num avião, isso dos Estados Unidos, entrava na tempestade, media o tornado. Eu queria ser uma jornalista dessas. Tipo aquele que vai junto. Teve uma outra reportagem de uma revista especializada de natureza que era uma viagem pelos tepuis, entre o Brasil e a Venezuela você tem vários tepuis, no caso a reportagem era na Venezuela. Era um jornalista que acompanhava os cientistas e ia ver como é que o cara sabe que aquilo é potencialmente uma planta nova, que as pessoas não conhecem. Como é que o cara sabe. Por que o jornalista estava na expedição científica. Eu quero ser esse jornalista aí. O cara que vai lá junto. Que vai lá na Antártica. Minha mãe dizia que eu tinha nascido com rodinhas. Falou em viajar é comigo mesmo. Eu já tô arrumando a mala. A parte melhor é essa.
Meta: jornalismo ambiental
Então o meu ideal nesse início, eu estava lá na TV Tupi fazendo buraco de rua, era ser esse jornalista que vai junto com o cientista e vai descobrir junto. Vai tá lá junto no fim do mundo saber o que tá acontecendo. Eu comecei no jornalismo fazendo outras coisas. Trabalhei em uma revista de supermercados. Trabalhei nas primeiras edições do Meio e Mensagem, um jornal dirigido a publicitários. A minha meta era chegar no jornalismo ambiental.
Cheguei a escrever algumas matérias no jornal Movimento falando de índio de algumas coisas que o Movimento nem tratava. Era uma época em que a tônica econômica era o desenvolvimento. A gente teve um ministro que falou isso. Se for pra passar por cima do meio ambiente não tem importância. O que a gente quer é o desenvolvimento econômico. Estava na época do milagre econômico.
Ser do jornalismo ambiental era uma coisa que dentro das próprias redações era visto como esquisito. Era esse bando de poeta, sei lá, uma pessoa que não tinha crédito nenhum. Nos anos 1980 a gente começa a ter alguns sinais de que realmente esse desenvolvimento a qualquer preço não estava dando muito certo. Estava causando vários efeitos colaterais muito graves.
Em São Paulo, o Vale da Morte que era Cubatão, aquela concentração de indústrias poluindo uma área e tinha toda aquela população que morava ao lado das indústrias e começou a surgir casos de crianças que nasceram sem cérebro. Muito afetados pela poluição. Já não dava para esconder tão facilmente que aquele desenvolvimento a qualquer preço não estava tendo consequências.
Nesse tempo eu fui trabalhar cobrindo férias na IstoÉ, na editoria de Geral, já com o propósito de fazer meio ambiente. Em 1983. Então eu comecei a fazer isso. A primeira batalha era dentro da redação porque os editores achavam aquilo um jornalismo menor. Os jornalistas feras eram os que faziam ou política ou economia. Não era o pessoal de Geral.
Revista Veja (1984-1985)
De lá eu fui pra Veja contratada como jornalista de meio ambiente. Era complicadíssimo. […] A escola que eu tive de passar uma pauta de meio ambiente foi a reunião de pauta da Veja porque eu tinha que argumentar com o Elio Gaspari, com a Dorrit Harazim, pra provar que aquela pauta era pertinente e que deveria sair na revista semanal. Você passa a construir. Você não pode chegar assim eu acho que tem que fazer uma coisa sobre Cubatão. Eu tinha que convencer que eles tinham que me mandar pra Cubatão pra eu fazer as entrevistas, pra eu fazer uma apuração, gastar tempo pra ir lá e ver o que tá acontecendo. E era complicadíssimo porque era uma época em que as empresas não abriam dados de nada, os dados de empresa eram super fechados, os dados de governo pior ainda. Você tinha que arrancar as coisas meio de saca rolha. Eu fui várias vezes a Cubatão entrevistar pessoas da população, da área médica e tentar fazer essa conexão entre a poluição e o que a gente estava vendo de consequências, as doenças nas pessoas. Era uma coisa muito trabalhosa. Eu tenho que ter uma coisa com substância suficiente para que os editores lá concordem em publicar. Era realmente uma escola. Não posso argumentar “eu acho”. Eles tratavam como lixo. Por isso eu fui caminhando pra essa área da investigação.
[…]
Então realmente essa foi uma escola muito interessante, num ambiente interno da redação completamente avesso ao tema ambiental. Consegui emplacar algumas matérias. Trabalhei na Veja em 1984 e 1985. A minha última matéria na Veja foi sobre a primeira vez que a Nasa fez convênio com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais pra fazer um levantamento da atmosfera na Floresta Amazônica. Na época tinha muitas previsões… se a Amazônia fosse toda desmatada ia acontecer isso…. tinha muitas previsões de pessoas que nunca tinham pisado na Amazônia e só falavam abobrinha. Então a gente combinou de fazer uma matéria assim… nós não vamos falar nada sobre o que vai acontecer com a Amazônia se a floresta for desmatada. Vamos lá na Amazônia, fiquei lá 15 dias, e fiz uma série de reportagens pra saber o que já estava acontecendo nas áreas que já haviam sido desmatadas. Tinha o começo do projeto de fragmentos florestais do Thomas Lovejoy.
Eu fui entrevistá-los. Participei dos primeiros levantamentos de atmosfera baixa, abaixo de um quilômetro, na Floresta Amazônica, feitos pela Nasa com o pessoal do INPE. Entrevistei lá várias pessoas da Nasa. Foi muito interessante entrar no avião deles, saber como eles estavam fazendo todas aquelas medições. Fiz amigos, fontes que depois eu passei a entrevistar por telefone para saber que dados eles tinham tido das coletas de dados que tinham sido feitas ali.
Da Veja eu fui para o Guia Rural Abril, que estava sendo criado naquele momento, que era o Anuário. Era um editor fantástico todo voltado para a área do desenvolvimento sustentável, pra agricultura orgânica, então eu fui correr o Brasil nas Embrapas todas procurar as pesquisas que trabalhavam com uma agricultura conservacionista, uma agricultura que não fosse simplesmente botar tudo no chão. Então todo o trabalho de substituição do agrotóxico, como é que você melhora o solo, trabalhei vários anos ali, fizemos muitas coisas interessantes. E de lá eu fui pra Agência Estado. Final dos anos 1980.
Jornalismo ambiental científico
Esse trabalho no Guia Rural e na Veja também acho que aproximou. Não era só eu, tinha outros jornalistas que começaram a trabalhar nessa área, a tentativa de aproximar o jornalismo ambiental do científico. Como é que você vai falar que tal poluente causa o nascimento de crianças com anencefalia. Você tem que se basear em levantamentos e estudos. A gente não tinha internet na época. O fato de falar inglês, por exemplo, me facilitou muito porque todas as viagens que eu fiz pra fora eu trazia material.
[…]
Aos poucos foi com muito custo que a gente conseguiu ir passando do jornalismo bando de hippie, maluco, um jornalismo menor, para um jornalismo que tinha importância. Que podia entrar. Que podia ser uma página de jornal. Que podia dar capa. Que podia ter chamada na capa da Veja. Realmente foi um trabalho que eu considero muito importante, a reportagem e esse embasamento científico.
E também a gente ir falar com as pessoas responsáveis pela poluição. E tive entrevistas muito difíceis com donos de mineração na Amazônia. Com gente que era o inimigo. Você tinha que tá lá. Você tinha que fazer isso. Respeitando a questão de ouvir os dois lados. Porque o cara tá fazendo isso? Qual é a visão de quem está decidindo desmatar, de quem tá decidindo trocar a floresta por uma estrada? Teria que ouvir tanto os cientistas que vão embasar as consequências como aqueles que estão promovendo se não você faz um jornalismo muito parcial. O máximo de parcialidade que a gente admitia nesse jornalismo era bom eu sou a favor do meio ambiente. Isso eu sou. Agora você tem que saber do que você está falando. Você tem que ler sobre as coisas que está falando. Isso foi uma coisa dos anos 1980. Começava a existir mais jornalistas que faziam isso. A Teresa Urban mesmo era uma pessoa que trabalhava muito no Paraná com isso.
Agência Estado (1988-2003)
Do Guia Rural eu fui pra Agência Estado. […] Eu fui convidada pelo Rodrigo Lara Mesquita. Ele tinha sido presidente da SOS Mata Atlântica [criada em 20 de setembro de 1986], um dos fundadores, e na família Mesquita era um hippie verde. Era o meu interlocutor. A Agência Estado já existia dentro da empresa como uma unidade que cuidava dos correspondentes. E o Rodrigo transformou numa agência de notícias de verdade. Passou a funcionar vendendo material pra jornais regionais no Brasil inteiro, mais de 250 jornais que recebiam, e mais tarde, mais pra frente um pouco, o Rodrigo também conseguiu fazer acordos com cinco agências internacionais então o nosso material era distribuído na Reuters, em várias agências internacionais, e também a gente distribuía o material deles no Brasil.
Com isso o alcance daquilo que a gente fazia na Agência Estado foi se ampliando muito. E eu tinha no Rodrigo o meu interlocutor porque ele era uma pessoa que sabia da necessidade de pensar meio ambiente e ele tinha esse veio jornalístico que veio do pai, embora o pai sempre trabalhasse na área política e na área econômica, ele tinha esse sentido de jornalista que é nós temos grandes temas que nós precisamos trabalhar. E na área ambiental eu sentava com ele pra definir quais eram os grandes temas que nós iríamos trabalhar na Agência Estado. Como a gente tinha os correspondentes no Brasil e no exterior trabalhando para a Agência Estado, a gente conseguiu gradualmente montar vários projetos pra fazer essa discussão mobilizando os correspondentes.
Por exemplo, a gente fez uma série, que foi dos mangues do Brasil, que eu mobilizei todos os correspondentes do litoral brasileiro onde tem mangue. Então cada um produziu matérias, a gente foi orientando, a gente quer mostrar isso, que condição que estão esses mangues, quais são os principais problemas, falar da importância do mangue, falar com a área científica porque o mangue não é só um negócio mal cheiroso que a gente precisa eliminar e aterrar, mas ele precisa existir, porque aquele pedaço de mangue precisa ser preservado, precisa ser suficiente pra fazer o papel ali de berçário dos peixes. Então a gente falava da importância daquele ecossistema e falava também em que condição ele estava. Lá no Paraná, em Santa Catarina, no Amapá. Fizemos toda uma cobertura e demos isso em várias sequências. Fizemos uma cobertura de Amazônia.
A Agência Estado começou com o Rodrigo e mais quatro editores no fundo de um corredor com uma mesinha desse tamanho assim. Depois ela virou uma unidade mesmo na empresa dentro do Grupo Estado. Eu comecei nessa época que era no fundo do corredor com quatro pessoas. Mas a gente fazia e a gente foi progredindo. Um dia teve uma visita… Foi uma época que a gente começou a publicar o levantamento do desmatamento da Amazônia feito pelo INPE. Houve uma disputa entre o Estadão e a Folha porque a Folha falou uma coisa o Estadão falava outra. E eu fiquei encarregada de ir no INPE e fazer as reportagens todas.
Amazônia em chamas
Então eu tinha vários pesquisadores que eu conhecia no INPE que trabalhavam com isso e esse pesquisador o Alberto Setzer que trabalhava com as queimadas. Aí teve uma visita, porque a gente foi celebrar lá um acordo para área de meteorologia, previsão do tempo, e eu combinei com o Alberto Setzer de desviar a comitiva dos editores e levar eles pra ver as imagens de satélite que mostravam os pontos de queimadas. E fizemos isso. Vem ver uma coisinha aqui. O Alberto Setzer pôs na tela do computador. Você via ali delimitada a área da Amazônia Legal e dentro da Amazônia Legal aquele monte de pontinho que eram as queimadas. Nesse desvio que a gente fez nasceu a série que nós fizemos que era a Amazônia em Chamas.
Conexão com as fontes
Então tudo isso com o apoio enorme, eu tinha uma conexão muito grande com as fontes. Eram eles que me davam essa possibilidade de ter uma reportagem mais interessante. Eu cheguei a fazer reportagens a partir do que via no satélite ir lá e ver o que estava acontecendo lá no lugar. A gente teve uma área lá do Maranhão que foi feito monitoramento de satélite um ano, em que a cidade era um pontinho, um cruzamento de rodovias, e dez anos depois era uma mancha preta no satélite. Que diabo era essa mancha preta no satélite? Aquela cidade estava na rota do minério de ferro de Carajás pra exportação e criou guzeras, que transforma minério de ferro em ferro guza. E pra fazer isso o que eles estavam fazendo, usando carvão vegetal. Então estavam desmatando. O que a gente enxergava preto era fuligem de carvão. Que cobria a cidade inteira. A investigação… A gente podia olhar e dizer que a imagem de satélite estava meio borrada, mas a gente foi lá e viu o que que era aquele negócio preto.
Gradativamente a gente foi conquistando respeito para a cobertura ambiental. Uma cobertura já não daquele bando de hippie, mas que realmente começou a conquistar respeito.
A Rio 92
Na Rio 92 (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento), a gente sabia dessa importância. Começamos a fazer reuniões com as pessoas. Primeiro a gente começou a produzir vários materiais, um glossário de temas ambientais para os jornalistas que não eram especializados e que seriam deslocados para a cobertura entenderem minimamente o que eles estavam cobrindo. A gente teve que dar preferência pra pessoas que falavam duas línguas. A gente teve jornalista de esporte deslocado pra fazer a Rio 92.
Na primeira reunião que a gente teve da Rio 92, de coordenação, com o Luiz Maranhão, chefe da sucursal do Rio de Janeiro da Agência Estado, no fim de 1990, início de 1991, ele queria deslocar quatro repórteres pra cobrir esse evento. Eu e o Rodrigo perguntamos se ele tinha ideia do que seria o evento. Pra vocês terem uma ideia ele queria por quatro e a Agência Estado levou 50. A gente deslocou todos os correspondentes. O William Wack era correspondente em Berlim. O Rabino (Moisés Rabinovich) era correspondente em Washington. O Paulo Sotero era em Nova Iorque. E o Reali Junior era de Paris. O Reali foi deslocado de Paris não fez nem um dia de cobertura e teve um infarto.
De 4 a gente foi pra 54 jornalistas. A gente fez vários acordos. O governo brasileiro foi transferido para o Riocentro. Além da cobertura da própria conferência a gente tinha a cobertura de Brasília que foi toda deslocada para o Rio de Janeiro. Os ministérios estavam lá. O presidente estava lá. Estava tudo lá. Estava começando o impeachment do Collor. Um acordo que foi interessante foi com a Motorolla. Eles forneceram pra gente pagers com mensagem pra testar. O que existia na época era bip. Você ligava pra uma central pra saber qual era o recado. O pager já dizia qual era a mensagem. “Oh… tá chegando o Fidel Castro, vão lá entrevistar ele”. Você recebia a mensagem em si. Não podia ainda mandar de volta, mas recebia. Eu fiquei na cobertura do evento oficial. O Riocentro é longe pra caramba de tudo. Nossa sucursal era no Flamengo, do lado do Aterro do Flamengo. A gente teve que montar um laboratório de fotos perto do Riocentro porque não tinha nada perto. Alugamos uma suíte no motel Monza com cama redonda e era o nosso laboratório de fotografia porque era perto do Riocentro. Os fotógrafos montaram lá um laboratório na banheira e revelavam os filmes. Tinha telefoto que a gente transmitia.
Outro acordo que a gente fez foi com a RNP, a Rede Nacional de Pesquisas. A sede era em Campinas. A RNP era a responsável pelo backbone da Bitnet, antecedente da Internet. A sede da RNP ficava na rua onde eu morava em Campinas. A gente conhecia o Tadau, que era o chefe da RNP, e ele tava tendo uma demanda do mundo acadêmico porque as pessoas não teriam condições de vir a Rio 92, mas queriam saber notícias. Então fizemos um acordo com a RNP. Eles colocaram uma série de tradutores lá no Instituto de Matemática do Rio de Janeiro e a gente foi repassando todas as notícias mais interessantes da Agência Estado, o pessoal da coordenação fazia uma triagem, para os tradutores que traduziam em tempo real para o inglês e colocavam na bitnet. Era só texto. Nem existia www. Fornecemos então para 180 países em tempo real o noticiário da Agência Estado para a RNP e em troca a RNP instalou no topo do prédio do Estadão lá na Marginal uma antena de micro-ondas voltada para a Fapesp que recebia o material da bitnet e a outra antena na minha casa que apontava para a Unicamp. A minha casa é bem perto da Unicamp e de lá tinha o tráfego pra Fapesp.
PERGUNTAS DO PÚBLICO
Mário Rocha: Cobertura ambiental transversal passando por todas as editorias, cobertura segmentada em cadernos e espaços específicos ou um mistura das duas coisas?
A gente já tinha na Agência e ao longo desses meus anos todos de jornalismo a gente sempre teve essa discussão da editoria especializada versus a transversalidade em todas as editorias ou da mista. Eu diria que é importante que o jornalismo ambiental seja feito por jornalistas especializados porque você precisa entender toda uma série de conceitos que são importantes pra você construir a matéria. Agora a publicação é muito importante que ela seja transversal. A resposta é mista. Eu acho que você tem que ter uma produção de matérias ambientais por jornalistas especializados, mas a publicação em diversas editorias. A gente começou a fazer isso na Agência em várias coberturas, por exemplo, a discussão do prolongamento da Rodovia dos Bandeirantes lá em São Paulo que era um assunto da Editoria de Brasil, no entanto eu trabalhei nessa cobertura na parte que era de avaliação dos impactos ambientais. Aí você vai falar com um público que não é iniciado. Eu acho que esse é um dos problemas do jornalismo ambiental que é você falar para quem já está convertido. A gente precisa das outras editorias para falar para um público não convertido porque meio ambiente é justamente um bem comum. Se você consegue conquistar um dono de empresa poluente para pelo menos mudar algumas práticas é muito mais eficiente do que você conquistar um monte de gente que pode fazer uma manifestação na frente da empresa dele e o cara vai ficar com medo da violência e não vai querer nem ouvir o que as pessoas estão falando. Em termos de eficiência para o resultado que a gente quer que é um meio ambiente mais saudável, um desenvolvimento mais sustentável, alternativas mais interessantes, acho que você tem que falar com um público que não é o seu público fácil que é o seu público já convertido.
Eloisa Loose: O jornalismo ambiental pode ser feito em formato de notícia na cobertura factual?
Uma coisa que eu acho muito importante é essa coisa do jornalista ter agenda própria. Não só as comunicações oficiais de governo ou de empresas procuram dirigir a notícia que vai ser produzida ou a reportagem que vai ser produzida, mas também as das ONGs ambientalistas. Cada um tem sua agenda própria. Cada fonte de informação tem uma agenda própria. Então o jornalista não pode estar nem alinhado com as empresas ou publi-informação, nem alinhado a agenda das ONGs, que não é a mesma agenda do jornalista ambiental. Embora no fundo, no fundo todos queremos defender meio ambiente, existem agendas específicas de ONGs que não é nosso papel reproduzir fielmente. Eu acho que a gente tem que manter o espírito crítico. Quando eu falo reportagem, não é só exclusivamente a reportagem de ir lá no lugar, não é todo tempo que você pode fazer isso, você sendo um jornalista especializado você consegue identificar dentro da notícia aquilo que é um posicionamento de comércio exterior, um posicionamento de barreira ambiental com finalidade de exportação/importação. Tudo isso existe. Nós estamos em um mundo que é cheio de interesses. Então o jornalista tem que ter essa capacidade de diferenciar aquilo que é de fato uso do bem comum daquilo que puxar brasa pra minha sardinha. É importante que o jornalista tenha sua própria agenda. Por isso era extremamente rico esses grandes temas que a gente discutia na Agência Estado, a gente sentava e discutia o que estamos precisando discutir nesse momento. Então como a gente vai trabalhar esses temas. Ai o resultado disso, já respondendo a questão da notícia e da reportagem especial, era uma série de publicações que podiam ser notícia ou não, mas que estavam dentro de um tema que nós havíamos discutido entre nós que era a nossa agenda, da Agência Estado. O que nós queremos, qual a nossa postura pra defender isso. Por que às vezes quando você tem um jornalista especializado cobrindo uma coisa que vai ser a notícia do dia, você pode enriquecer aquela notícia com um conhecimento que não necessariamente você obteve ali na hora. Mas, você pode dar o contexto, pode falar de um acidente como Mariana, mas dar o contexto daquilo, dizendo como aconteceu, estava sem monitoramento a lagoa de contenção dos dejetos, enfim. O contexto faz parte da notícia também.
*Roberto Villar Belmonte é jornalista, professor e pesquisador dedicado à cobertura ambiental. Membro do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).