Aumentam as mortes violentas na Amazônia: onde está a cobertura dos crimes ambientais?

Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil

Por Ângela Camana*

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública publicizou na semana passada seu relatório anual, no qual estão compilados os principais dados sobre a violência no Brasil registrada em 2022. O Anuário Brasileiro da Segurança Pública há mais de 15 anos reúne informações oriundas de órgãos oficiais de todos os estados da federação, como as polícias e as secretarias. Os maiores veículos de comunicação enfatizaram as mudanças no panorama nacional, produzindo rankings da violência e destacando seus efeitos sobre os mais vulneráveis. O relatório informa que, a exemplo de 2021, o número de mortes violentas na Amazônia segue crescendo, informação que ganhou certo destaque na imprensa; no ano passado, pouco se repercutiu a especificidade da região em sua escalada da violência, como avaliou este Observatório.

O Anuário indica uma intrincada relação entre os conflitos por terra, o desmatamento e o garimpo ilegal nos estados amazônicos, afirmando que as disputas foram intensificadas pela ampliação da presença do narcotráfico na região. Ou seja, grupos criminosos de grande porte ligados ao tráfico de drogas agora se dedicam também a atividades ilegais historicamente violentas, processo do qual resulta uma associação entre os crimes ambientais e a violência letal.

Ainda que a repercussão do Anuário até aqui tenha sido mais atenta às dimensões ambientais da violência, especialmente na Amazônia, esta ainda parece ser uma lacuna nas coberturas empreendidas pela imprensa. Ao longo do ano, as pautas que dão conta desta relação se resumem à publicização de estudos e relatórios. O crescimento do “narcogarimpo”, problema grave a ser encarado pelo país, pode ser uma oportunidade para que o jornalismo faça transbordar o “ambiente” para além de editorias de sustentabilidade.

*Jornalista e socióloga. Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisadora colaboradora no Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental e no grupo de pesquisa TEMAS – Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade. E-mail: angela.camana@hotmail.com.

Depois da boiada, o cardume: novos dados sobre contaminação por mercúrio decorrente do garimpo ilegal devem servir de alerta

Imagem: Captura de tela

Por Ângela Camana*

O Governo Bolsonaro, como as publicações deste Observatório indicam, tem sido de intenso ataque ao ambiente a aos direitos humanos no Brasil. Para além do desmatamento recorde e do desmonte de políticas públicas de conservação promovidos pela atual gestão, a imprensa também nos alerta para o recrudescimento dos conflitos ambientais envolvendo povos indígenas no país. O incentivo ao garimpo ilegal de ouro e os confrontos que dele decorrem não são novidade e já ganharam até linha do tempo em grandes portais. No entanto, nesta semana pudemos acompanhar um novo capítulo nesta escalada de violência e de descaso com a vida: os efeitos do garimpo ilegal já se fazem sentir na água, no solo, no ar e nos corpos da Amazônia.

Estudos estimam que o mercúrio utilizado no garimpo ilegal entre 2019 e 2020 excede as 100 toneladas: destas, 30% vai parar nos rios. Os peixes são a base da alimentação de grande parte dos povos indígenas amazônicos e pesquisas indicam que quatro a cada dez crianças menores de cinco anos nas regiões Yanomami estão contaminadas por altas concentrações do metal – entre os Munduruku, são seis em cada dez. Uma plataforma lançada no dia 20 de julho, o Observatório do Mercúrio, reúne diferentes pesquisas sobre a temática, além de dispor informações georrefenciadas que facilitam a identificação e correlação entre a atividade mineradora e os casos de contaminação humana e de peixes. Ainda que o assunto seja sério e exceda em muito as fronteiras amazônicas, a cobertura da imprensa em grande medida se restringiu à publicação do release produzido pela WWF, uma das instituições responsáveis pela plataforma.

Uma exceção é o bom trabalho publicado no El Pais, que situa o lançamento do Observatório do Mercúrio em uma rede de acontecimentos mais ampla, escutando pesquisadores responsáveis pelas investigações. O texto é competente ao articular o cenário de contaminação ao discurso permissivo do Governo Federal, e alerta para os riscos do PL 490, já aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, que – ao dificultar a demarcação de terras indígenas – abre margem para a ampliação do cenário de mineração. Na semana anterior, a Revista Piauí também já havia pautado a questão do mercúrio em um texto de título sagaz: Desensinando a Pescar. Bem, em um governo no qual um coordenador da FUNAI sugere “meter fogo” em indígenas isolados, recomendar a reeducação alimentar dessas populações já nem nos gera tanto espanto. Oxalá que o bom jornalismo siga se recusando a normalizar este e outros absurdos.

*Jornalista e socióloga. Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisadora colaboradora no Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental e no grupo de pesquisa TEMAS – Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade. E-mail: angela.camana@hotmail.com.