A ausência da crise climática na cobertura da exploração do petróleo na foz do Amazonas

Imagem: Uyara Schimittd/Flickr

Por Clara Aguiar* e Eloisa Beling Loose**

No discurso de celebração dos cem dias de governo, realizado no Palácio do Planalto, em 10 de abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que, em sua gestão, a Petrobras iria investir em energias renováveis para acelerar a transição energética no país. O enfrentamento da crise climática assumido pelo governo Lula é um dos pontos-chave para a reconstrução da imagem do Brasil no cenário internacional. 

Acontece que, um mês depois, Lula se contradiz ao se posicionar em defesa do projeto apresentado pela estatal que pretende explorar petróleo na foz do rio Amazonas, na costa do Amapá. A postura do presidente desagradou ambientalistas, ONGs e também a sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, gerando uma série de desdobramentos a respeito dos riscos decorrentes da atividade para o ecossistema e para a população local da região. 

O assunto ganhou visibilidade quando começaram a circular as primeiras notícias sobre a negativa do Ibama ao pedido feito pela Petrobras para realizar a perfuração de um poço exploratório a cerca de 160 km da costa do Oiapoque (AP) e a 500 km da foz do rio Amazonas. Alguns dos motivos que justificam o veto do Ibama são a ausência de garantia à proteção da fauna em casos de derramamento do óleo e as inconsistências quanto à previsão de impactos da atividade em três terras indígenas localizadas no entorno. 

Partindo do entendimento do jornalismo como formador de opinião pública e potencial transformador da consciência ambiental da sociedade, analisamos a cobertura realizada pelo jornal de maior circulação do país, O Globo, sobre a exploração de petróleo na foz do Amazonas. O objetivo foi verificar se o veículo forneceu informação correta e contextualizada acerca das especificidades socioambientais e das disputas que permeiam a pauta: houve um equilíbrio na apresentação das perspectivas ou serviu a interesses específicos?

O filtro de matérias foi realizado na edição on-line do O Globo, utilizando a ferramenta de busca disponível no próprio site por meio das seguintes palavras-chave “foz do Amazonas” e “petróleo”. Também foram incluídas as publicações relacionadas em hiperlinks dentro das matérias filtradas, mas que não apareceram na página de busca do site. 

No total, foram analisadas 15 notícias e cinco textos escritos por colunistas, no período de 14 a 23 de maio de 2023. O enquadramento predominante escolhido pelo jornal para apresentar esse debate foi o econômico, o que fica evidente pela identificação das editorias ou seções: cinco estão distribuídas em  “Economia” e as outras dez em “Economia/Negócios”. Ainda que seja uma pauta transversal às áreas de meio ambiente, política e economia, é o foco nos possíveis lucros que se sobrepõe.

Em relação às fontes consultadas, é perceptível o predomínio daquelas ditas oficiais, como políticos e executivos ligados à indústria petrolífera. Na matéria intitulada “Novos investimentos no setor de petróleo podem ser afetados por negativa do Ibama para exploração na Foz do Amazonas”, por exemplo, O Globo ouviu dois especialistas: o diretor da área de Exploração & Produção da consultoria Wood Mackenzie, Marcelo de Assis, e a ex-diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Magda Chambriard. Ambos favoráveis ao projeto da Petrobras. As fontes ouvidas em off na matéria também pertencem ao setor e não contribuem com contrapontos. 

Em “O que é a Margem Equatorial e como a decisão do Ibama pode afetar os planos da Petrobras”, embora mencione que a foz do Amazonas “abriga unidades de conservação, grande biodiversidade marinha e estar diante de terras indígenas”, não cita sequer um risco real e concreto para a região e trata o impacto ambiental como uma “dificuldade” para a Petrobras. Nesta matéria nenhuma fonte foi consultada, no entanto, se valeu do chamado “jornalismo declaratório” ao trazer os posicionamentos favoráveis ao projeto do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), e do líder do governo no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (AP – hoje sem partido). A matéria cita que a ministra do Meio Ambiente “vê com ressalvas a exploração na região”, mas não explicita de fato quais são essas ressalvas. 

No geral, a maioria dos textos analisados adota uma abordagem que atende aos interesses corporativos, trazendo aspectos positivos da extração do petróleo e a sua influência no crescimento econômico do Brasil. O petróleo é visto unicamente como um recurso ou riqueza que precisa ser explorado para gerar desenvolvimento e até permitir que a Petrobras consiga, a partir de tais lucros, promover uma “transição energética justa e sustentável”, como se não existissem outras maneiras mais coerentes de transformar a matriz energética que não dependesse dos fósseis… 

Não há nesse período nenhuma abertura para apontar o quanto o petróleo, enquanto combustível fóssil, é um agravante para a crise climática já em curso. A emergência climática é apagada do debate, enquanto há visibilidade para o recente “boom econômico” da Guiana, país que aumentou o PIB em razão da liberação para exploração graças a uma política ambiental mais frouxa, com mecanismos de autorregulação, fiscalização e controle.

Dentre os textos analisados há apenas uma matéria que se destaca por ouvir vozes contrárias ao projeto. Em “Ameaça a biodiversidade e crise diplomática: por que ambientalistas defendem veto do Ibama na Foz do Amazonas”, O Globo ouviu três especialistas da área ambiental: a analista de políticas públicas do WWF-Brasil, Daniela Jerez, o porta-voz de Oceanos do Greenpeace Brasil, Marcelo Laterman, e a especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo. Logo na linha de apoio já é possível perceber uma preocupação em contextualizar para o leitor as agressões causadas pela extração do combustível fóssil à biodiversidade marinha, os impactos na vida das populações que vivem na região e até mesmo a possibilidade de conflitos diplomáticos. 

A matéria disponibiliza um mapa da foz do rio Amazonas para que o leitor consiga melhor compreender o local onde seria instalada a plataforma da Petrobras e a sua proximidade com as terras indígenas Uaçá, Juminã e Galibi. A abordagem desta matéria se diferencia por apresentar informações deixadas de fora nas anteriores, como o aumento no fluxo de embarcações que provocaria mudanças na rotina dos peixes e que, consequentemente, impactaria negativamente na atividade pesqueira da região, e o cenário de um eventual vazamento de petróleo. Mesmo assim, a crise climática não é citada – em seu lugar se menciona uma crise diplomática, pois, caso ocorra algum vazamento de petróleo, o óleo chegaria ao país vizinho em menos de dez horas.

As demais matérias, tal como “Lula não descarta exploração de petróleo na Foz do Amazonas e diz que vai avaliar na volta ao Brasil” e “Sem citar impasse entre Ibama e Petrobras, Marina diz considerar ‘ingratidão’ destruir obra do ‘Criador’”, se concentram em atualizar o público sobre o embate de opinião entre Lula e Marina, apresentando apenas o cenário de tensão interna do governo, que é endossada pelos colunistas do jornal.

Nossa breve análise destaca que a repercussão do tema n’O Globo enfatizou a visão pró-exploração e até o embate entre os políticos da base do governo, sobretudo as diferenças entre Lula e Marina, mas pouco contribuiu para explicar para o leitor o valor da biodiversidade e a urgência de nos afastarmos dos combustíveis fósseis. Ainda que os textos apresentassem a razão dos ambientalistas se preocuparem com a possível exploração, entendemos que não houve aprofundamento sobre o papel da proteção da biodiversidade.

O que significa dizer que “a Bacia da foz do Amazonas é considerada uma região de extrema sensibilidade socioambiental por abrigar unidades de conservação, grande biodiversidade marinha e estar diante de terras indígenas”? As pautas ambientais são transversais e não podem ser reduzidas ao enfoque econômico. Quantos dias de cobertura serão necessários para evidenciar posicionamentos alternativos à exploração?

*Estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: claraaguiar14@hotmail.com.

**Jornalista e pesquisadora na área de Comunicação de Riscos e Desastres. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: eloisa.beling@gmail.com.

O Brasil no cenário mundial da crise climática: para onde iremos?

Barco navega em rio na Amazônia, que reflete céu azul e árvores
Imagem: Pixabay

Por Michel Misse Filho*

A eleição de 2022, definidora do futuro da democracia brasileira, colocou em cena também, entre tantos outros temas, a pauta socioambiental e a beira de um possível abismo. Se o futuro brasileiro aos votos pertence e o novo governo tem as credenciais para o tema, um recorte temporal apenas sobre as matérias da última semana indica o presente devastador em que estamos inseridos.

Na quinta-feira, 27/10, foi publicado o relatório anual de lacunas de emissões do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), e o diagnóstico é de um ínfimo avanço no sentido de redução das emissões até 2030, desde a COP26, de Glasgow em 2021. O relatório aponta que as novas metas climáticas submetidas pelos países permanecem insuficientes para preencher a lacuna de emissões, caso desejemos limitar o aquecimento do planeta aos 2ºC acordados em Paris, em 2015.

Se números, acordos e metas de emissão por vezes soam abstratos, as consequências são das mais concretas. Na quarta-feira, 26/10, um relatório da premiada revista The Lancet apontou um aumento de 68% na mortalidade relacionada ao calor, para pessoas acima de 65 anos. Além disso, o documento expõe o aumento de 29% em áreas do planeta afetadas por secas extremas, entre outras consequências da emergência climática que podem ser verificadas nesta matéria publicada pela Folha de São Paulo. Ainda sobre os efeitos do calor, no mesmo dia a UNICEF publicou o prognóstico de que, até 2050, todas as crianças devem estar expostas à alta frequência de ondas de calor. Outros detalhes sobre este relatório foram publicados também pela Folha, evidenciando um papel importante do jornal na informação da pauta climática.

O mundo assiste, preocupado, aos efeitos da crise climática e a inépcia de governantes, ao mesmo tempo em que observa, de longe e aflito, os desdobramentos das eleições brasileiras. A pauta do desmatamento é central, e ninguém menos que o New York Times publicou que a eleição brasileira irá determinar o futuro do planeta. Por fim, e fechando este sobrevoo pelas matérias da semana que passou, o STF formou maioria para determinar a reativação do Fundo Amazônia pelo governo federal em até 60 dias. A notícia é boa, mas mais importante são as escolhas que o governo eleito fará para gerir este e tantos outros recursos.

* Jornalista, doutorando em Sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) e mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: michelmisse93@gmail.com.

Depois das eleições, a COP-27

Imagem: Reprodução de notícia do Mongabay

Por Eloisa Beling Loose*

A principal pauta brasileira segue sendo a eleição presidencial, que será definida no segundo turno, no próximo dia 30. Contudo, a crise ambiental não dá trégua e em breve teremos mais uma oportunidade de avançar no enfrentamento climático: de 7 a 18 de novembro ocorre a 27ª Conferência das Partes (COP-27) em Sharm el-Sheikh, no Egito. A um mês do encontro, o País ainda apresenta incertezas sobre os rumos da política ambiental, que demonstra ter perspectivas opostas a depender do candidato que vencerá nas urnas.

A questão ambiental é um assunto que divide os candidatos: enquanto um entende que a destruição da natureza é um mal necessário para o progresso (algo que já foi comprovado por estudos que não corresponde à realidade: áreas desmatadas não significam melhora nos indicadores econômicos, como divulgou recentemente o Mongabay) o outro pretende restabelecer uma liderança no debate internacional e combater o desmatamento ilegal. Como assinala o Amazônia Real, a Amazônia é alvo de dois projetos de futuro bastante diferentes para o Brasil – o que afeta diretamente a maneira como lidaremos com a emergência climática em curso.

Enquanto a decisão não chega, o que vários analistas e jornalistas já destacaram é que o caminho será árduo de qualquer forma. Com a eleição de parlamentares mais conservadores e alinhados com o crescimento econômico de curto prazo (às custas de muita devastação e injustiças ambientais), pode-se esperar mais flexibilização da legislação ambiental e outros projetos antiambientais. A revista piauí trouxe uma reportagem sobre as possibilidades que se desenham com um novo perfil de Senado, afirmando que foi eleito “Um congresso mais hostil ao meio ambiente”.

Além do descaso com a proteção ambiental, verifica-se que não há gestão para minimizar riscos e danos, mesmo diante das evidências científicas que a intensificação das mudanças climáticas causará eventos extremos cada vez mais frequentes, na qual as populações mais vulnerabilizadas são as que mais sofrem. O Globo divulgou que 99% do orçamento destinado a prevenção de desastres foi cortado para 2023.

Os efeitos climáticos não aguardam enquanto decidimos quem vai governar nosso País. O secretário-geral da ONU, António Guterres, já declarou que a Guerra da Ucrânia impactou a discussão de ações mais ambiciosas, inclusive notando retrocessos no setor privado, porém a crise do clima não cessa. Alguém ainda duvida que o cenário é sério?

O jornalismo, em diferentes formatos e linhas editoriais, tem buscado evidenciar o desafio ambiental que se apresenta, baseado em dados e fatos, respaldados pela ciência. Esse é o grande assunto não apenas da COP-27, mas de todo nosso tempo. É a pauta que nos acompanhará por muitos e muitos anos. Cabe a todos nós colaborar para que seu enfoque deixe de ser catastrofista e passe a relatar a transição para uma humanidade mais consciente de suas decisões.

*Jornalista, professora e pesquisadora. Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento, e em Comunicação. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental. E-mail: eloisa.beling@gmail.com.