A ausência da crise climática na cobertura da exploração do petróleo na foz do Amazonas

Imagem: Uyara Schimittd/Flickr

Por Clara Aguiar* e Eloisa Beling Loose**

No discurso de celebração dos cem dias de governo, realizado no Palácio do Planalto, em 10 de abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que, em sua gestão, a Petrobras iria investir em energias renováveis para acelerar a transição energética no país. O enfrentamento da crise climática assumido pelo governo Lula é um dos pontos-chave para a reconstrução da imagem do Brasil no cenário internacional. 

Acontece que, um mês depois, Lula se contradiz ao se posicionar em defesa do projeto apresentado pela estatal que pretende explorar petróleo na foz do rio Amazonas, na costa do Amapá. A postura do presidente desagradou ambientalistas, ONGs e também a sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, gerando uma série de desdobramentos a respeito dos riscos decorrentes da atividade para o ecossistema e para a população local da região. 

O assunto ganhou visibilidade quando começaram a circular as primeiras notícias sobre a negativa do Ibama ao pedido feito pela Petrobras para realizar a perfuração de um poço exploratório a cerca de 160 km da costa do Oiapoque (AP) e a 500 km da foz do rio Amazonas. Alguns dos motivos que justificam o veto do Ibama são a ausência de garantia à proteção da fauna em casos de derramamento do óleo e as inconsistências quanto à previsão de impactos da atividade em três terras indígenas localizadas no entorno. 

Partindo do entendimento do jornalismo como formador de opinião pública e potencial transformador da consciência ambiental da sociedade, analisamos a cobertura realizada pelo jornal de maior circulação do país, O Globo, sobre a exploração de petróleo na foz do Amazonas. O objetivo foi verificar se o veículo forneceu informação correta e contextualizada acerca das especificidades socioambientais e das disputas que permeiam a pauta: houve um equilíbrio na apresentação das perspectivas ou serviu a interesses específicos?

O filtro de matérias foi realizado na edição on-line do O Globo, utilizando a ferramenta de busca disponível no próprio site por meio das seguintes palavras-chave “foz do Amazonas” e “petróleo”. Também foram incluídas as publicações relacionadas em hiperlinks dentro das matérias filtradas, mas que não apareceram na página de busca do site. 

No total, foram analisadas 15 notícias e cinco textos escritos por colunistas, no período de 14 a 23 de maio de 2023. O enquadramento predominante escolhido pelo jornal para apresentar esse debate foi o econômico, o que fica evidente pela identificação das editorias ou seções: cinco estão distribuídas em  “Economia” e as outras dez em “Economia/Negócios”. Ainda que seja uma pauta transversal às áreas de meio ambiente, política e economia, é o foco nos possíveis lucros que se sobrepõe.

Em relação às fontes consultadas, é perceptível o predomínio daquelas ditas oficiais, como políticos e executivos ligados à indústria petrolífera. Na matéria intitulada “Novos investimentos no setor de petróleo podem ser afetados por negativa do Ibama para exploração na Foz do Amazonas”, por exemplo, O Globo ouviu dois especialistas: o diretor da área de Exploração & Produção da consultoria Wood Mackenzie, Marcelo de Assis, e a ex-diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Magda Chambriard. Ambos favoráveis ao projeto da Petrobras. As fontes ouvidas em off na matéria também pertencem ao setor e não contribuem com contrapontos. 

Em “O que é a Margem Equatorial e como a decisão do Ibama pode afetar os planos da Petrobras”, embora mencione que a foz do Amazonas “abriga unidades de conservação, grande biodiversidade marinha e estar diante de terras indígenas”, não cita sequer um risco real e concreto para a região e trata o impacto ambiental como uma “dificuldade” para a Petrobras. Nesta matéria nenhuma fonte foi consultada, no entanto, se valeu do chamado “jornalismo declaratório” ao trazer os posicionamentos favoráveis ao projeto do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), e do líder do governo no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (AP – hoje sem partido). A matéria cita que a ministra do Meio Ambiente “vê com ressalvas a exploração na região”, mas não explicita de fato quais são essas ressalvas. 

No geral, a maioria dos textos analisados adota uma abordagem que atende aos interesses corporativos, trazendo aspectos positivos da extração do petróleo e a sua influência no crescimento econômico do Brasil. O petróleo é visto unicamente como um recurso ou riqueza que precisa ser explorado para gerar desenvolvimento e até permitir que a Petrobras consiga, a partir de tais lucros, promover uma “transição energética justa e sustentável”, como se não existissem outras maneiras mais coerentes de transformar a matriz energética que não dependesse dos fósseis… 

Não há nesse período nenhuma abertura para apontar o quanto o petróleo, enquanto combustível fóssil, é um agravante para a crise climática já em curso. A emergência climática é apagada do debate, enquanto há visibilidade para o recente “boom econômico” da Guiana, país que aumentou o PIB em razão da liberação para exploração graças a uma política ambiental mais frouxa, com mecanismos de autorregulação, fiscalização e controle.

Dentre os textos analisados há apenas uma matéria que se destaca por ouvir vozes contrárias ao projeto. Em “Ameaça a biodiversidade e crise diplomática: por que ambientalistas defendem veto do Ibama na Foz do Amazonas”, O Globo ouviu três especialistas da área ambiental: a analista de políticas públicas do WWF-Brasil, Daniela Jerez, o porta-voz de Oceanos do Greenpeace Brasil, Marcelo Laterman, e a especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo. Logo na linha de apoio já é possível perceber uma preocupação em contextualizar para o leitor as agressões causadas pela extração do combustível fóssil à biodiversidade marinha, os impactos na vida das populações que vivem na região e até mesmo a possibilidade de conflitos diplomáticos. 

A matéria disponibiliza um mapa da foz do rio Amazonas para que o leitor consiga melhor compreender o local onde seria instalada a plataforma da Petrobras e a sua proximidade com as terras indígenas Uaçá, Juminã e Galibi. A abordagem desta matéria se diferencia por apresentar informações deixadas de fora nas anteriores, como o aumento no fluxo de embarcações que provocaria mudanças na rotina dos peixes e que, consequentemente, impactaria negativamente na atividade pesqueira da região, e o cenário de um eventual vazamento de petróleo. Mesmo assim, a crise climática não é citada – em seu lugar se menciona uma crise diplomática, pois, caso ocorra algum vazamento de petróleo, o óleo chegaria ao país vizinho em menos de dez horas.

As demais matérias, tal como “Lula não descarta exploração de petróleo na Foz do Amazonas e diz que vai avaliar na volta ao Brasil” e “Sem citar impasse entre Ibama e Petrobras, Marina diz considerar ‘ingratidão’ destruir obra do ‘Criador’”, se concentram em atualizar o público sobre o embate de opinião entre Lula e Marina, apresentando apenas o cenário de tensão interna do governo, que é endossada pelos colunistas do jornal.

Nossa breve análise destaca que a repercussão do tema n’O Globo enfatizou a visão pró-exploração e até o embate entre os políticos da base do governo, sobretudo as diferenças entre Lula e Marina, mas pouco contribuiu para explicar para o leitor o valor da biodiversidade e a urgência de nos afastarmos dos combustíveis fósseis. Ainda que os textos apresentassem a razão dos ambientalistas se preocuparem com a possível exploração, entendemos que não houve aprofundamento sobre o papel da proteção da biodiversidade.

O que significa dizer que “a Bacia da foz do Amazonas é considerada uma região de extrema sensibilidade socioambiental por abrigar unidades de conservação, grande biodiversidade marinha e estar diante de terras indígenas”? As pautas ambientais são transversais e não podem ser reduzidas ao enfoque econômico. Quantos dias de cobertura serão necessários para evidenciar posicionamentos alternativos à exploração?

*Estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: claraaguiar14@hotmail.com.

**Jornalista e pesquisadora na área de Comunicação de Riscos e Desastres. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: eloisa.beling@gmail.com.

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A CPI do escárnio e a imprensa

Imagem: Reprodução do site do MST

Por Sérgio Pereira*

A notícia é de 17 de maio: a Câmara Federal instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a atuação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), composta por 17 integrantes da bancada ruralista (entre 23 membros). Seu relator, acredite, é o deputado Ricardo Salles (PL-SP). Parece deboche. E é mesmo.

Sim, Salles é o relator, esse mesmo que fez parte do ministério de Jair Bolsonaro. O ministro do Meio Ambiente que queria passar a boiada e se orgulhava de devolver aos criminosos do Pará centenas de árvores cortadas irregularmente apreendidas pela Polícia Federal. O mesmo que trabalhou com afinco para atingir a maior destruição da Amazônia nos últimos 15 anos, o equivalente a 35.193 quilômetros quadrados de área desmatada (maior que os estados de Sergipe e Alagoas).

Vejamos brevemente como os cinco jornais de maior circulação do Brasil, conforme o Instituto Verificador de Comunicação (IVC), trataram o assunto em seus sites. O Globo oferece aos seus leitores a polêmica envolvendo a nomeação de Salles: Câmara instala CPI do MST com ex-ministro de Bolsonaro na relatoria e opositor de Lula na presidência. O Estado de S.Paulo, por sua vez, coloca primeiramente declarações de Zucco e Salles com a contestação do nome do ex-ministro relatada na segunda metade do texto: CPI do MST é instaurada e Ricardo Salles, ex-ministro de Bolsonaro, é escolhido como relator. O mineiro Supernotícias evita a polêmica envolvendo o nome do relato e ainda menciona a suposta influência do governo Lula nas “invasões” dos últimos dois meses: Câmara dos deputados instala CPI para investigar ações do MST; Salles é relator.

A Folha de S.Paulo foca na vitória da oposição e da bancada ruralista na definição dos integrantes da CPI e deixa para o final da notícia a tentativa de barrar a nomeação de Salles: CPI do MST inicia sob controle ruralista e com Salles na relatoria. Já ZH evitou as polêmicas e coloca apenas uma declaração do ex-ministro prometendo fazer um trabalho técnico: Ricardo Salles será relator e Zucco assume presidência da CPI do MST.

Na reunião de instalação da CPI, a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) questionou a escolha por Salles, já que o regimento interno da casa impede parlamentares de relatar matéria quando há interesses pessoais envolvidos. Ela lembrou que o deputado paulista tem entre seus financiadores de campanha usineiros e madeireiros, conhecidos inimigos dos sem-terra.

“Quando foi candidato a deputado federal em 2018, Salles fez campanha baseada na criminalização do MST. Na época, ele foi investigado porque dizia abertamente que iria fuzilar os militantes do movimento”, alegou Sâmia Bonfim. Seu questionamento, no entanto, foi rejeitado pelo presidente do colegiado, o deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), outro fiel apoiador de Bolsonaro. A declaração da deputada do Psol, no entanto, não aparece em todos as notícias sobre o assunto.

Salles, em sua defesa, prometeu agir com o “máximo de abertura para o diálogo”. Disse ainda que “espera poder contar com a ajuda daqueles que representam uma visão favorável aos movimentos e à reforma agrária”. Difícil acreditar conhecendo a biografia do deputado.

Apesar das críticas, o relator da CPI sabe que poderá contar com pelo menos um importante aliado: a imprensa hegemônica brasileira. A mídia nacional trabalha há anos para desqualificar e criminalizar o MST. O relator, com certeza, tentará fornecer material para abastecer os veículos de comunicação.

Alexandre Conceição, uma das lideranças dos sem-terra em Pernambuco, observa que o tratamento noticioso sobre o movimento é sempre no sentido de difamar, mesmo que a notícia seja verdadeira. Ele usa um exemplo comum, como a derrubada de uma cerca pelo MST. “Não se diz que aquela cerca que foi quebrada existe um latifúndio improdutivo, existe toda uma história por trás. A relação é muito de dizer, de tentar dizer a meia verdade, escondendo a verdade dos fatos” (MELO, 2008, p.67).

Os motivos que levam a grande imprensa a agir assim são muitos, vão desde ideológicos, como ser contra a reforma agrária, a econômicos, pela parceria com os grandes conglomerados rurais, ou mesmo pessoais, já que muitos empresários da mídia são eles próprios proprietários de latifúndios.

Outra liderança do movimento, Jaime Amorim, acrescenta que a imprensa busca construir uma imagem ligada à violência. Ele lembra da cobertura jornalística do assassinato de dois integrantes do MST, em 2004, em Passira (Pernambuco). “Antes do fazer o sepultamento, acabaram reocupando a sede da fazenda, a imprensa toda lá, aí no outro dia compararam o assassinato dos dois com uma das vacas que os trabalhadores mataram na sede da fazenda. (…)A manchete era ‘Trabalhadores revoltados mataram uma vaca que estava para ter neném’ e mostraram a forma como os trabalhadores carnearam a vaca.” (MELO, 2008, p.152).

Hanna Ayoub alerta, ao analisar conteúdo editorial do jornal Folha de S.Paulo, que “o MST tem sido vítima de manipulação por parte da imprensa, que tem feito isso rotineiramente ao longo dos últimos vinte anos. E tem feito com conhecimento de causa, com objetivos claros de defesa da classe dominante, da qual os proprietários dos meios de comunicação fazem parte. Com base nos seus próprios interesses de classe, a grande imprensa produz um processo de manipulação que resulta na construção de uma ‘realidade’ artificial” (2006, p.92)

E quando é impossível encontrar um enfoque negativo, a orientação é ignorar. Durante a pandemia da Covid-19, por exemplo, os sem-terra promoveram pelo país diversas doações de alimentos para ajudar quem ficou sem renda durante os períodos de maior disseminação da doença. O gesto, no entanto, foi ignorado pelos principais veículos de comunicação. Para a imprensa só existe um MST, o das “invasões” e da “destruição”. E nunca o da produção de orgânicos, o da agricultura familiar, o da lavoura sem pesticida e da solidariedade.

*Jornalista, servidor público, mestrando em Comunicação e Informação pela UFRGS e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Meio ambiente

Referências

AYOUB, Ayoub Hanna. Mídia e Movimentos Sociais: a satanização do MST na Folha de S. Paulo. 2006. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) — Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, 2006.

MELO, Paula Reis. Tensões entre Fonte e Campo Jornalístico: um estudo sobre o agendamento mediático do MST. 2008. Tese (Doutorado) – Ciências da Comunicação, Unisinos, São Leopoldo/RS, 2008.

Primavera, 1971 e o jornalismo ambiental no Brasil: Folha da Manhã, um vestígio dos primórdios da pauta ecológica no jornalismo brasileiro

Imagem: Reprodução do autor/Arquivo Agapan

Por Heverton Lacerda*

A Primavera parece realmente inspirar reflexões ecológicas. No dia 23 de setembro de 1971, o extinto jornal Folha da Manhã1, em sua edição nº 563 (Ano II), publicou uma coluna assinada pelo jornalista Jefferson Barros, que convidava o leitor a participar do “jôgo da Ecologia” (grafia original). Barros ressaltava que a data marcava a entrada de um equinócio, e o jogo serviria “para festejar a chegada da primavera” brincando, pois a data era, “antes de tudo, uma estação de jogos, brinquedos e divertimento”. Ainda que em um estágio bastante inicial, ao menos no Brasil2, é possível perceber ali o nascimento de uma cultura jornalística que ensaiava as primeiras linhas textuais de um até então incipiente – ou mesmo insipiente, neste caso específico – jornalismo ambiental. Você pode ajudar a definir melhor aquele momento quando ler, mais abaixo, a reprodução de parte do “Jôgo Ecológico”, conforme Barros intitulou sua coluna.

Cabe contextualizar antes, aqui, que o ano de 1971 é icônico também para o ambientalismo brasileiro e internacional, pois em abril era fundada, em Porto Alegre – mesma cidade do Folha da Manhã –, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambienta Natural (Agapan), entidade ambientalista ativa e atuante até hoje. Em setembro, surgia no Canadá o Greenpeace, aproximadamente uma semana antes do texto de Barros estampar a página quatro do jornal. Já a Primavera, celebrada atualmente como a estação das flores, também serviu de inspiração para, anos antes, a bióloga norte-americana Rachel Carson denunciar, através do livro Primavera Silenciosa (Silent Spring, no título original), publicado em 1962, os impactos dos pesticidas (biocidas) – em especial o DDT3– na natureza.

O interessante do jogo proposto pelo jornalista, além das inusitadas contraposições que ele sugere entre vários assuntos, coisas, pessoas e personagens para dizer o que é “ecológico” e o que é “não ecológico”, é a forma como busca, no texto, envolver e entusiasmar os leitores a refletirem sobre “o que é poluição, desequilíbrio ambiental e coisa e tal”. No alerta “Preste a atenção.”, ele explica que em “algumas linhas fica um espaço em branco”, com pontilhados no lugar de palavras, onde “você pode completar como quiser ou souber”. Barros justifica os espaços não preenchidos, sempre na coluna “não ecológico”, pela existência de “muitos candidatos”. Vale ressaltar que, do total de 59, apenas três espaços ficaram sem preenchimento. Antes de você entrar para o jogo e tentar completar as lacunas, 51 anos após elas serem abertas, rindo ou chorando, vamos conhecer alguns confrontos “Ecológico/Não Ecológico” propostos por Jefferson Barros na coluna:

ECOLÓGICONÃO ECOLÓGICO
14 BisConcorde
Skol em latasChope mal tirado
WoodstockA Convenção de chicago
Hot-dogHot-dog no Zé do Passaporte
Uma garrafa aberta de J&BUma garrafa lacrada de J&B
Caetano VelosoVilson Simonal
Heidegger hojeHeidegger em 1939
Millor FernandesNélson Rodrigues
O Estado de São PauloO Globo

Bem, vamos parar nesses nove exemplos, pois já dá para ter uma ideia do estilo do “jôgo”. Não sei se isso fez algum sentido para você, mesmo tendo em mente que foi uma forma de expressão impressa há cinco décadas, época na qual, aqui no Rio Grande do Sul, recentemente a pauta ecológica havia sido trazida, de forma mais enfática e sistemática, por alguns precursores do movimento ambientalista como os gaúchos Balduíno Rambo, Henrique Luís Roessler e José Lutzenberger, que também utilizavam os espaços conquistados na imprensa gaúcha para alertar sobre o que já previam que viria a ser a crise climática que enfrentamos atualmente.

Vamos agora à parte que o jornalista deixou para a imaginação dos leitores. Provavelmente, os leitores de 1971 pensariam, se motivados, em respostas pertinentes ao contexto da época. Nós, agora em 2023, podemos duplicar o desafio e buscar duas respostas para cada lacuna (são só três), uma pensando como seria há cinco décadas e outra como pensamos que é hoje. Como diz o autor, “Se você pensar bem, vai acabar sabendo…”. Será?

ECOLÓGICONÃO ECOLÓGICO
Ruy Carlos Ostermann4………………..
Jean Luc Godard………………..
Jesus Cristo………………..

Para ser sincero, não consigo me motivar a arriscar respostas. Talvez você também não. E tudo bem se for o caso, pois não é bem isso o que importa, a meu ver. Levando em conta que até hoje, 2023, o jornalismo, de forma geral, ainda não está totalmente convencido da importância e necessidade de uma cobertura adequadamente crítica da pauta ambiental, e isso é verificável na cobertura jornalística atual, a tentativa do jornalista da Folha da Manhã feita em 1971 teve o mérito, a seu  modo, de carregar para as páginas do jornal uma reflexão posta de forma lúdica, que chegou aos leitores. Isso é digno de reverência para quem acredita na relevância da atuação jornalística diante das mudanças climáticas, não só para noticiá-las, mas também para alertar, a tempo, sobre os problemas que podem ser evitados.

Concordo que jornalista não é vidente, mas também não é apenas uma inteligência artificial que reproduz recortes de informações digitais, reorganizando-as com certo sentido meramente aceitável. Nesta linha, a atenção à Ciência, aos saberes diversos e às informações difusas que muitos segmentos sociais compartilham, reorganizando-as em conjunto e traduzindo-as para o grande público, com linguagem acessível e atraente, pode ser considerada – ainda hoje e já em 1971 – um avanço significativo na forma de atuar do jornalismo ambiental, em especial o jornalismo contemporâneo das escolas da objetividade e da advocacy (BELMONTE, 2017).

* Jornalista e especialista em Ciências Humanas: Sociologia, História e Filosofia. Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: heverton1234@gmail.com.

** Este texto se diferencia do padrão de publicações do site Jornalismo e Meio Ambiente no que diz respeito à atualidade do conteúdo jornalístico analisado, mas mantém os “objetivos [de] estabelecer um diálogo aberto sobre a cobertura ambiental no País, fomentar a qualificação do trabalho jornalístico nesta área, além de formar e cultivar um público crítico em relação à produção jornalística voltada para o meio ambiente”. Na mesma linha, a publicação pretende oferecer “informações úteis para pesquisadores interessados na temática”, visto que aborda a produção textual de um jornalista publicada em um jornal de 1971. (Referências das seções “O que é o observatório?” e “Sobre” do site https://jornalismoemeioambiente.com).

1 Jornal diário da Companhia Jornalística Caldas Júnior, de Porto Alegre, RS, publicado de 1969 a 1980. A edição utilizada para análise foi recuperada de um descarte por Geraldo Gemerasca de Oliveira, associado da Agapan que atualmente atende na banca que a entidade mantém na Feira de Agricultores Ecologistas, em Porto Alegre, RS, com funcionamento aos sábados pela manhã.

2 “No Brasil, o ambientalismo ganhou visibilidade pública a partir dos anos 1970” (BELMONTE, 2017).

3 DDT é sigla conhecida do inseticida diclorodifeniltricloroetano ou dichlorodiphenyltrichloroethan.

4 O jornalista Ruy Carlos Ostermann foi diretor do Folha da Manhã de 1974 a 1978. Sítio de internet Wikipédia. Disponível em:https://pt.wikipedia.org/wiki/Folha_da_Manh%C3%A3_(Porto_Alegre). Acesso em: 28 abr. 2023.

Referências:

BELMONTE,  Roberto Villar. Uma breve  história  do  jornalismo ambiental brasileiro. Revista Brasileira de História da Mídia. Vol. 6, Nº2, jul./dez.2017. Disponível em: https://comunicata.ufpi.br/index.php/rbhm/article/view/6656/3817. Acesso em: 29 abr. 2023.

CARSON, Rachel. Primavera Silenciosa. São Paulo: Melhoramentos, 1964.

Além da capivara: um apanhado dos (sérios) assuntos ambientais dos últimos dias

Imagem: Pixabay.

Por Michel Misse Filho*

Um assunto por demais específico dominou a internet nos últimos dias, alcançando proporções bizarras: a polêmica em torno da posse de uma capivara silvestre, cuidada por um influencer, e vetor de uma campanha política contra órgãos da estatura do Ibama. Disfarçados de defensores dos animais, militantes bolsonaristas invocam um tipo de “petzação” do mundo para desviar o foco de questões ambientais realmente sérias e descredibilizar órgãos importantes de fiscalização. O tema é bem tratado na coluna de Rosana Hermann e o objetivo deste texto não é dar mais palco a uma cortina de fumaça: em contraposição, destacaremos uma cobertura grande de assuntos ambientais efetivamente relevantes na última semana. 

Nosso foco é a Folha de São Paulo, que tem uma editoria própria para meio ambiente, com recorrente atualização de matérias próprias e de parceiros — O Globo também tem, mas circunscrita à editoria de Brasil. Um elogio pode ser feito à variedade dos assuntos, que envolvem pesquisas e soluções científicas; política nacional e internacional; mudanças climáticas; terras indígenas; desmatamento; extrativismo etc. Por exemplo, nos últimos dias foram publicadas duas reportagens de pesquisas financiadas pela FAPESP: esta, na prestigiosa Nature, projeta uma emissão de 96 milhões de toneladas de CO² entre 2013 e 2022 decorrente do desmatamento em terras indígenas, intensificada a partir de 2019. A outra pesquisa explora a recorrência e projeção de cada vez mais chuvas extremas no país, com municípios mais vulneráveis.

No rol de matérias publicadas pelo jornal, há muitas que são traduzidas de veículos internacionais. É comum que aquelas sobre mudanças climáticas venham de jornais como a BBC News, que alertou para o acelerado aquecimento dos oceanos, superando as expectativas de cientistas. A reportagem tem o ponto positivo de ser didática: explica possíveis causas do fenômeno, aborda as consequências e introduz a preocupação com o impacto do El Niño nas temperaturas. Já o jornal Financial Times publicou uma interessante reportagem sobre a contagem regressiva para o início da extração de minérios do fundo do mar, sob a controversa justificativa, por parte de empresas, de que isso aceleraria a transição para uma energia verde.

Por fim, o jornalismo produzido pela própria Folha. É patente, de um modo geral, a dificuldade de produção de reportagens ambientais profundas, investigativas — e por vezes as redações acabam presas apenas ao jornalismo factual, ou pior, às pautas trazidas por redes sociais (como o caso da capivara). Ainda assim, boas matérias seguem sendo publicadas, como esta, de Ana Carolina Amaral e Pedro Ladeira, sobre os desafios de contenção à exploração da Amazônia na região do Baixo Tapajós, no Pará. Os repórteres exploram o tripé antiambiental bolsonarista que deixou marcas na região: perseguição aos ativistas, apoio político e desregulamentação de normas.

Diante de pautas viralizadas pseudoambientais como a dos últimos dias, só o bom jornalismo pode ajudar. Por vezes, pautas ambientais parecem ainda excessivamente distantes do público, mas pegar carona na produção de veículos internacionais ajuda, com  a publicação de temas diversificados. Ainda que não seja condição suficiente, uma editoria só para o tema, como faz a Folha, é condição necessária. Outros jornais deveriam fazer o mesmo.

* Jornalista, doutorando em Sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) e mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS) e do Laboratório de Estudos Sociais dos Resíduos (UERJ). E-mail: michelmisse93@gmail.com.

A repercussão do prêmio Goldman para liderança indígena do Tapajós

Imagem: Reprodução da notícia no jornal Folha de S. Paulo.

Por Ângela Camana*

Nesta semana, os principais jornais do Brasil e do mundo estamparam em suas páginas a foto de Alessandra Korap Munduruku: na terça-feira (dia 25) a liderança do Tapajós recebeu, em São Francisco, nos Estados Unidos, o prêmio Goldman, conhecido como o “Nobel do Ambientalismo”. A imprensa brasileira narra a conquista como um reconhecimento da luta de Alessandra Munduruku e destaca as articulações que recentemente impediram as atividades da mineradora Anglo American no território Munduruku.

À Folha de S. Paulo, Alessandra argumentou: “dizem que ganhamos uma batalha contra uma poderosa mineradora. Mas não achamos ela poderosa. O que é poderoso para nós são os nossos rios, nossas terras, nossos espíritos”. É impactante perceber como as declarações da premiada convocam os grandes portais a reconhecerem outros entes e escalas de importância no mundo, algo ainda raro nestes espaços. Além disso, em suas entrevistas, Alessandra destaca o caráter coletivo deste prêmio e sempre remete aos esforços de seu povo e daqueles que a antecederam na defesa do território na Amazônia – algo que, no mínimo, desestabiliza um jornalismo acostumado a perfis laudatórios centrados em uma única personagem quando de grandes vitórias.

Passados 100 dias do início do Governo Lula, como este Observatório já repercutiu, o Prêmio Goldman tem se mostrado um excelente gancho para a retomada da pauta das demarcações de terras indígenas – ainda mais no momento em que ocorre a 19ª. Edição Acampamento Terra Livre em Brasília. A expectativa é que, ainda nesta semana, haja a homologação de novas áreas.

Bem que seja um momento de celebrar mais este reconhecimento da trajetória de Alessandra Korap Munduruku e das lutas dos povos do Tapajós por seus territórios, vale mencionar que a liderança também é frequente nas páginas policiais, visto que sofre ameaças constantes. Fica a expectativa de que o bom jornalismo não se exima na cobertura das reivindicações dos povos indígenas – e não restrinja tais pautas aos momentos de premiações ou, pior, violências.

* Jornalista e socióloga. Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisadora colaboradora no Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental e no grupo de pesquisa TEMAS – Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade. E-mail: angela.camana@hotmail.com.


Cem dias depois, o que diz o jornalismo sobre a política ambiental do governo Lula

Alto Alegre (RR), 10/02/2023 – Áreas de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami vistas em sobrevoo ao longo do rio Mucajaí. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil.

Por Débora Gallas Steigleder*

Após o desmonte da política ambiental representado pelo governo de Jair Bolsonaro, é hora de colocar a casa em ordem. Porém, elementos como a autoproclamada boa vontade do presidente Lula para incluir o enfrentamento às mudanças climáticas na pauta do governo e a capacidade técnica da equipe que tem Marina Silva no comando podem não ser suficientes para produzir resultados rápidos, conforme o jornalismo brasileiro vem reportando.

A edição desta segunda-feira, 17 de abril, do podcast O Assunto, do G1, ressalta o cenário de terra arrasada na Amazônia. Apesar do trabalho de reconstrução do Fundo Amazônia e da ação contra o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, por exemplo, a capacidade de fiscalização do governo ainda está aquém do necessário, descreve a repórter do jornal Valor Econômico Daniela Chiaretti, que faz um apanhado dos primeiros meses da nova gestão federal.

A análise da jornalista também dá pistas sobre o tom da cobertura a respeito da política ambiental dos próximos quatro anos: o jornalismo deve abrir cada vez mais debate sobre soluções eficazes para os problemas que já estão na ordem do dia, como desmatamento e emissões de gases de efeito estufa, mas passando longe do otimismo e de considerar as intenções dos gestores como garantia de missão cumprida.

A persistente devastação dos biomas brasileiros e as ameaças aos modos de vida de seus povos segue em pauta na mídia independente passados os cem primeiros dias do atual governo. Reportagem do site Amazônia Real publicada na quarta passada, 12 de abril, e assinada por Nicoly Ambrosio sublinha que o governo Lula ainda não demarcou terras indígenas na Amazônia – atualmente, são 31 TIs no bioma aguardando a retomada do processo de demarcação, que foi completamente paralisado na gestão anterior.

Reportagem da jornalista Elizabeth Oliveira publicada em O Eco também no dia 12 avalia os cem primeiros dias e destaca os desafios que vêm pela frente, sobretudo no combate ao crime ambiental e na transversalização da pauta climática. Calcado nas falas de especialistas de diversas instituições e coletivos, o material também alerta para possíveis retrocessos na Amazônia, como o asfaltamento da BR-319, entre Manaus e Porto Velho e a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. Que o jornalismo siga de olho.

* Jornalista, Doutora em Comunicação e Informação e integrante do GPJA/UFRGS

Eólicas: a distância da cobertura em relação aos sentimentos dos habitantes locais

Por Eliege Fante*

A descarbonização está na ordem do dia e na pauta político-econômica dos jornais. Os projetos em andamento em todo o litoral brasileiro (cobertura em epbr.com.br/) provenientes de empresas do Norte global, especialmente da Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Espanha, têm muito em comum: implantação de usinas eólicas para geração de energia renovável e limpa. Limpa, considerando-se a menor emissão de gases de efeito estufa, diferença favorável em comparação com a geração de energia termoelétrica a partir de combustíveis fósseis como o carvão. Entretanto, assim como ocorreu há alguns anos a respeito das hidrelétricas, a ciência e os movimentos sociais acumulam descrições, fatos e relatos dos impactos sobre o ambiente e as comunidades tradicionais e povos originários afetados.

Recentemente foram lançados dois documentários sobre os impactos na região Nordeste: Ventos do Delta, dirigido por Gelson Catatau e Ester Farache (assistir) sobre o Piauí  e, Vento Agreste, dirigido por João do Vale (assistir) sobre Pernambuco. Nesses estados, de modo semelhante ao que pode ocorrer no Rio Grande do Sul na região da Lagoa dos Patos, as áreas impactadas são remanescentes de biodiversidade e de modos de vida distintos como a pesca artesanal gaúcha (conferir parecer técnico). Portanto, riscos imensos pairam sobre o que ainda não foi devastado sob o paradigma econômico, e tem fundamental relevância para a conservação da fauna, da flora e para a sobrevivência de milhares de pessoas.

O governo gaúcho tem divulgado a participação em inúmeros eventos, como o recente em Rio Grande, onde poderia ter visitado uma comunidade de pescadores e escutado as diversas demandas ou minimamente esclarecido suas dúvidas. Há uma agenda para o mês de abril em Porto Alegre, porém sem a presença dos representantes locais dessas comunidades. Um estudo de viabilidade econômica parece ser o único feito pelo governo estadual, produzido pela Consultoria McKinsey Brasil e que foi citado neste evento do governo, porém o documento não foi disponibilizado para acesso público em PDF na página do Pró-clima 2050 que reúne as informações sobre os projetos de descarbonização. 

Uma rápida busca nos sites de alguns meios de comunicação jornalísticos no estado com a palavra-chave “eólicas” evidencia a distância da cobertura em relação aos sentimentos dos habitantes locais.  Exceto as cinco notícias deste ano publicadas pelo Brasil de Fato que informam também segundo a visão das fontes das comunidades. A mais recente do Correio do Povo repete o discurso do desenvolvimento social da região com esse tipo de energia renovável, exatamente o que as comunidades contestam. Essa repetição ocorre em Zero Hora e em O Sul. Chamou a atenção o grande uso de notícias provenientes de agências internacionais e ao menos uma de agência nacional em quase todos os sites.

SitesNotícias em 2023 arroladas pelo buscador
Brasil de Fato5
Correio do Povo3
Jornal do Comércio1
Matinal0
O Sul5
Sul210
Zero Hora5

De modo geral, a imprensa (não somente a gaúcha) tem repetido o discurso da descarbonização e do desenvolvimento sustentável do governo e das grandes empresas. Uma escuta ativa e daria-se conta de que descarbonizar a economia foi somente uma das recomendações do Painel Intergovernamental das Nações Unidas, o IPCC. As possibilidades para a mitigação e a adaptação aos efeitos das mudanças climáticas bem como a tentativa emergencial de deter o aumento da temperatura média da atmosfera dependem do diálogo entre todos os setores econômicos e grupos sociais. Sim, existem técnicas e tecnologias sociais locais aguardando a vez para brilhar no céu dos investimentos públicos. E, a pesca artesanal, por exemplo, representa uma significativa fonte de receita nos municípios de origem dos trabalhadores, o que permite afirmar que nem a cobertura econômica tem sido completa para uma leitura elucidativa do público diante de todas as implicações dos projetos em andamento para a dita descarbonização. 

Por fim, a estreita ideia de fontes jornalísticas em prática tem viabilizado a escuta predominantemente de fontes oficiais vinculadas ao poder hegemônico, obstaculizando a circulação de informações imprescindíveis a toda a sociedade. É o que ocorre com o silêncio diante das denúncias provenientes das próprias comunidades, movimentos sociais e de pesquisadores de universidades, quanto ao não cumprimento de acordos internacionais e regulações, principalmente da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a OIT, que estabelece a consulta livre, prévia e informada aos povos originários e às comunidades tradicionais.

* Jornalista, mestra e doutora em Comunicação e Informação, membra do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental UFRGS/CNPq, editora da EcoAgência e Assessora de Comunicação da Rede Campos Sulinos.

A desigualdade agravada pelos desastres

São Sebastião (SP) em 22/02/2023. Casas destruídas em deslizamentos na Barra do Sahy após tempestades no litoral norte de São Paulo. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Por Eloisa Beling Loose*


A imprensa brasileira, de modo geral, tem ampliado e evidenciado as conexões entre a emergência climática e a eclosão, cada vez mais intensa e frequente, de desastres. Mesmo assim, essa cobertura mais analítica, que trata das causas estruturais ao invés de simplesmente culpabilizar as fortes chuvas, segue sendo menos volumosa do que aquela focada na situação imediata.


Essa reação é similar à atenção dada pelo Sistema de Proteção e Defesa Civil na hora da resposta e recuperação, onde há mais disponibilização de recursos financeiros, se comparada com as fases de prevenção, mitigação e preparação (antes do desastre). Segundo dados do Tribunal de Contas da União (TCU), publicado na coluna de Carlos Madeiro, no UOL, nos últimos 10 anos, o governo federal gastou 69% dos recursos de defesa civil com ações de recuperação e resposta às tragédias – para prevenção foram destinados apenas 31% dos recursos.


Nesse Carnaval, a região de São Sebastião, no litoral de São Paulo, foi atingida por chuvas torrenciais. O desastre foi amplamente divulgado e destacou que a população mais atingida foi aquela que vivia em áreas de risco. Mais de 60 pessoas morreram, cerca de mil pessoas ficaram desabrigadas e inúmeros prejuízos, de diferentes ordens, se somam às consequências de uma situação fruto de grilagem de terra, especulação imobiliária e racismo ambiental.


A reportagem “De risco ou de rico”, escrita por Rodrigo Bertolotto com as fotografias de Keiny Andrade para o TAB UOL, traz nesta semana os relatos de caiçaras que foram pressionados a vender suas terras e migrar para áreas mais baratas, próximas aos morros e sujeitas às tragédias. Uma das razões apresentadas pela reportagem é que o imposto predial e territorial urbano (IPTU) pago pelas comunidades tradicionais é o mesmo das casas de alto padrão dos veranistas abastados, por apenas considerar o valor dos terrenos à beira-mar.


Além disso, o aumento do custo de vida na região obrigou essa comunidade tradicional a se tornar mão de obra a serviço do bem-estar de uma elite. “Antes donos da terra, os caiçaras se transformaram em um exército de funcionários para garantir o conforto alheio, como vigias, jardineiros e pedreiros. Espalhada do sul fluminense até o litoral do Paraná, a população caiçara se formou desde a época colonial em praias isoladas, a partir da mistura de indígenas, quilombolas e migrantes europeus”, afirma a reportagem, assinalando que essa não é uma questão isolada.


Esse afastamento das populações tradicionais (e de outras empobrecidas) decorre de uma base colonialista que depende da exploração de muitos para o conforto de poucos. A expressão “colonialismo climático” é mobilizada para se referir como países desenvolvidos vivem às custas dos países chamados “em desenvolvimento”, deixando o ônus ecológico distante espacial e temporalmente de sua localização. Contudo, o colonialismo interno também é uma realidade: as classes mais abastadas ditam as regras de quem e de que forma os recursos devem ser utilizados. No caso de São Sebastião, o prefeito chegou a declarar que moradores ricos impediram a construção de casas populares, para realocação daqueles que estavam em áreas de risco, em 2020.


Nesta semana ainda a TV Folha em parceria com a produtora FICs divulgou o documentário “E o Morro desceu no Carnaval” sobre o desastre do litoral Norte de São Paulo. Nele a tragédia é narrada pelos moradores das regiões atingidas, que reforçam o abismo social existente entre aqueles que moram na parte bem estruturada da cidade e a população que foi empurrada para os terrenos próximos às encostas dos morros, suscetíveis aos riscos.


A crise ambiental sublinha as injustiças e preconceitos, afinal são sempre aqueles mais vulnerabilizados que mais perdem e têm mais dificuldade para se adaptar após um desastre. O jornalismo deve atuar para reportar o agravamento das desigualdades e discutir as razões que sustentam esse modelo de ocupação. Os processos lentos e contínuos, que conformam os riscos, não podem ser naturalizados pela sociedade. Afinal, para pensarmos em soluções e atuarmos na prevenção de riscos, é preciso visibilizar o que desencadeia o processo de vulnerabilização frente aos fenômenos climáticos.

* Jornalista e pesquisadora na área de Comunicação de Riscos e Desastres. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: eloisa.beling@gmail.com.

Quando há vontade política, há mitigação ambiental

Por Carine Massierer*

A vontade política pode não conseguir, sozinha, recuperar a destruição do meio ambiente ocasionada pelas mãos humanas, mas, com certeza, pode contribuir para a mitigação de danos ambientais. A decisão de editar um decreto para reconhecer estado de emergência climática em mais de mil municípios mapeados como mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas foi anunciada pela ministra de Meio Ambiente, Marina Silva, ao visitar áreas atingidas por alagamentos em Manaus no dia 26 de março. Na capital do Amazonas, conforme registrado pela imprensa, as fortes chuvas fizeram com que 172 famílias ficassem sem acesso às suas casas. A postura da ministra gerou grande repercussão na imprensa, ao manifestar que o governo federal debate internamente decretar estado de emergência climática em cerca de 1.038 municípios mapeados como mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas.

Imagem: Captura de tela do site do Jornal do Brasilem 29 de março de 2023. Governo estuda decretar emergência climática permanente em mil cidades (jb.com.br)

A matéria foi publicada em periódicos impressos e online como o Jornal do Brasil, Gazeta do Povo, Correio Braziliense, Bem Paraná, assim como em empresas televisivas como o Canal Rural. O site de jornalismo independente, Headline, também destaca o anúncio da ministra, mas com um novo olhar (Quase 20% das cidades brasileiras podem entrar em estado de emergência permanente devido ao clima | HEADLINE), propondo uma ampliação da pauta e dando destaque ao decreto de estado de emergência permanente devido ao clima. O veículo aponta que não estão apenas sendo pensadas ações paliativas às consequências das mudanças climáticas, como tem acontecido em relação às estiagens em estados do Sul do país e às excessivas chuvas no Mato Grosso, Acre, Ceará e outros.

Na matéria do Headline, consta que o objetivo da medida seria permitir obras preventivas nos 1.038 municípios e que os projetos seriam de prevenção para médio e longo prazo.

Assim, vemos, na prática, que a repercussão na mídia mostra a importância da ação política com vistas à mitigação climática. Através de enfoques mais amplos e elaborados, a exemplo do Headline, identificamos que a pauta pode indicar, ainda, que não basta mitigar efeitos. Nesta linha, percebe-se que comunicação e jornalismo de qualidade podem contribuir para a clareza de que as mudanças climáticas estão aí e exigem a tomadas de atitudes urgentes e eficazes dos seres humanos.

*Carine Massierer é jornalista, mestre em Comunicação e Informação pela UFRGS e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).

Greenwashing na indústria madeireira: jornalismo é essencial para denúncia

Imagem: Captura de tela do Internacional Consortium of Investigative Journalists

Por Mathias Lengert*

Organizações responsáveis por certificar a origem sustentável da madeira, na prática, validam produtos provenientes de desmatamento. Essa é uma das graves denúncias reveladas pelo Deforestation Inc., uma investigação primorosa liderada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) em colaboração com 39 organizações jornalísticas de diversos países, três delas brasileiras: Poder 360, Revista Piauí, e Agência Pública.

A apuração revela que, apenas no Brasil, pelo menos 62 empresas certificadas pelo Forest Stewardship Council (FSC) concentradas na Amazônia Legal foram autuadas pelo Ibama. Os selos de auditores ambientais, como o FSC, agregam valor ao produto e possibilitam a exportação para mercados exigentes, como os europeus. No entanto, conforme a investigação, ao todo 48 organizações de certificação ambiental falharam em reconhecer crimes durante a averiguação das práticas socioambientais responsáveis.

Com a certificação em mãos, empresas com histórico de infrações ambientais em todo o mundo denominam-se sustentáveis, quando, na verdade, atuam sem comprometimento com a causa ambiental, configurando um caso exemplar de greenwashing (lavagem verde, em tradução livre).

A investigação publicada pelo ICIJ mostra que o jornalismo tem a responsabilidade de identificar e denunciar ocorrências de greenwashing. Isso implica em investimentos jornalísticos de fôlego, exigência de maior transparência de dados e informações das empresas e alfabetização ecológica do público, aproximando o leitor do conceito e auxiliando-o a identificar práticas enganosas.

Durante nove meses de apuração, os repórteres trabalharam em diversas frentes, analisando processos judiciais, dados de inspeção e registros de violação ambiental. A atuação colaborativa suscita reportagens com olhares mais abrangentes, capazes de promover conexões de problemas ambientais globais com os impactos locais. O consórcio é uma ferramenta potente por partilhar um senso colaborativo de fazer jornalismo, amparado na troca de conhecimentos e na verificação cruzada das informações.

Resta a necessidade de esforços exaustivos de contextualização desses dados para o público. O greenwashing é um fenômeno de disfarce da degradação ambiental e de construção de uma imagem pública falsamente positiva, que nem sempre é identificado pelo jornalismo, especialmente ao dar destaque para empresas em notícias sobre meio ambiente sem verificar se seus processos produtivos são, de fato, responsáveis. Em síntese, é essencial que o jornalismo desempenhe um papel crítico e posicionado na sociedade, questionando os impactos de empresas infratoras e a atuação dos órgãos de regulação, e educando o público sobre a relevância do tema.

* Mathias Lengert é jornalista, mestre em Comunicação e integrante do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).