O jornalismo precisa falar no racismo ambiental

Imagem: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Por Isabelle Rieger* e Ilza Maria Tourinho Girardi**

Na segunda semana de janeiro, a Ministra da Igualdade Racial Anielle Franco postou séries de tweets sobre o conceito de racismo ambiental, relacionando-o com os eventos climáticos extremos que os brasileiros vêm sofrendo com mais intensidade nos últimos meses. “Devido à desigualdade racial e social, o impacto das mudanças climáticas são agravados nas regiões periféricas e de maioria negra, que têm menos acesso a saneamento básico e políticas de infraestrutura”, escreve a ministra na rede social X, antigo Twitter. Muitas foram as reações contestando o termo e desdenhando da ministra pelo uso. “Não existe racismo ambiental, é uma palavra gatilho da esquerda social democrata”, reclamou um usuário em resposta à Anielle. 

 A Assessoria de Comunicação Social do Governo Federal teve que socorrer a  ministra e explicar isso por meio de nota institucional. Mesmo assim, Anielle continua sendo perseguida por portais de extrema direita, a exemplo da Gazeta do Povo, que corrobora com a versão de que esta é uma pauta “inventada”. 

No entanto, faz décadas que pesquisadores utilizam o termo. Selene Herculano, em “Racismo Ambiental, o que é isso?”, conceitua a expressão  como “a forma pela qual desqualificamos o outro e o anulamos como não-semelhante, imputando-lhe uma raça. Colocando o outro como inerentemente inferior, culpado biologicamente pela própria situação, nos eximimos de culpas, de efetivar políticas de resgate, porque o  desumanizamos: “ô raça!”.  O conceito foi empregado pela primeira vez em 1978, na Carolina do Norte, Estados Unidos, por Benjamim Chavez, por ocasião de protestos contra o depósito de bifenilos policlorados (PCB), compostos altamente tóxicos. 

O conceito inclui também a população indígena e quilombola, que, da mesma forma, é atingida pelos eventos extremos como tempestades e secas. Além das comunidades, cujas regiões são escolhidas para depósitos de resíduos urbanos e químicos por estarem localizadas longe dos centros urbanos onde vivem as pessoas das classes média e alta. Isso é injustiça climática, associada ao racismo ambiental porque boa parte da população das comunidades é negra.

É importante lembrar que  a população negra, principal foco da fala da ministra, habita historicamente encostas de morro e favelas, lugares mais afetados por eventos climáticos extremos nas áreas urbanas. A falta de serviços básicos como acesso à água e à moradia digna intensifica os efeitos de episódios adversos. Com os direitos essenciais não atendidos, as populações vulneráveis sofrem de forma acentuada os impactos do clima. No Brasil, pessoas negras compõem mais da metade da população, mas são apenas 30% do funcionalismo público federal, ocupam apenas 10% das cadeiras  do Legislativo e representam  12,8% da magistratura brasileira, dentre outros dados que demonstram a discrepância de poder entre pessoas brancas e pessoas negras. 

O tema vem sendo trabalhado na imprensa brasileira de forma adequada e as postagens da ministra promoveram a maior cobertura sobre o tema. Vários portais contextualizaram e admitiram a existência de racismo ambiental, ao exemplo de G1: “Racismo ambiental: população marginalizada está mais vulnerável às mudanças climáticas”, Portal Terra “Cinco materiais para entender o que é racismo ambiental”, coluna de Reinaldo Lopes na Folha de São Paulo “Racismo ambiental aumenta risco de tragédia para os não brancos” e Agência Pública “O racismo climático e a insanidade da polarização nas redes”.  

A função social do jornalismo é disponibilizar para os cidadãos informações corretas para que possam tomar as decisões no seu dia a dia. Ao selecionar e interpretar os fatos, auxilia a população na compreensão da realidade. Se a maioria das populações vulneráveis são pessoas não-brancas e essas são as que mais sofrem com os eventos climáticos extremos, podemos afirmar que existe racismo ambiental. A imprensa acerta nesta cobertura após manifestação da ministra Anielle. 

Um exemplo de racismo ambiental é a queda de luz que atingiu o sul do País nessa última semana. Porto Alegre (RS) presenciou cair do céu a quantidade de chuva prevista para o mês em uma hora. A cidade e sua região metropolitana ficaram sem luz, sem água e sem perspectiva de contato com a empresa responsável pela energia elétrica. A CEEE Equatorial, concessionária responsável pelo abastecimento de luz do estado do Rio Grande do Sul, teve que ser marcada no Twitter para que respondesse ao prefeito. Internautas reclamavam do atendimento automático. Cinco dias depois, porto-alegrenses ainda enfrentavam a falta de luz, água e internet em suas residências. 

Na cidade, os bairros que mais demoraram em restabelecer a energia foram os das periferias, formados, justamente, pela maioria da população negra. Moradores destas regiões realizaram protestos e foram recebidos com tropas de choque e bombas de borracha. O braço do estado que chega para estas populações é o repressor, não o que acolhe e repara a estrutura.

 Os veículos do estado, até o momento de publicação desta análise, não mencionaram que o que ocorre com as populações vulneráveis é um caso de  racismo ambiental, centrando suas coberturas nas consequências da falta de energia elétrica e na queda de árvores pela cidade. 

Os governantes parecem não compreender a gravidade do tema. O prefeito de Porto Alegre Sebastião Melo afirmou em entrevista ao jornal Sul21, horas antes da primeira chuva, que achava que “o primeiro remédio, o mais eficiente para combater a questão climática, é combater a pobreza”. Já havia feito tal afirmação no Jornal do Almoço de 22 de novembro do ano passado.  Esta posição nega os efeitos do clima e transfere a responsabilidade para o orçamento de cada cidadão. Até os bairros nobres são afetados pelos eventos climáticos extremos, já que não há adequação climática das cidades brasileiras. A Agenda 2030 associa o combate à pobreza e o enfrentamento às mudanças climáticas como aspectos transversais para pensarmos o desenvolvimento sustentável. O problema é achar que somente o combate à pobreza resolve a questão climática. 

As grandes perdas correm com os mais vulneráveis que têm mais dificuldade para reconstruir o que foi destruído. Embora o combate à pobreza possa contribuir com melhor adaptação às mudanças climáticas e, quiçá, com a redução de riscos de desastres, é preciso sublinhar que a crise climática não é causada pela pobreza, como a frase pode dar a entender. São os mais ricos que contribuem mais para as emissões de gases de efeito estufa, que intensificam as mudanças climáticas. Os mais pobres são os mais afetados, mesmo que tenham contribuído muito pouco para o cenário atual. Logo, combater a pobreza não significa, automaticamente, combater as mudanças do clima.

Nas duas entrevistas citadas, o jornalismo não questionou  o prefeito  sobre o significado de combater a pobreza e sobre a falta de políticas para construção de moradias dignas fora de regiões de risco e adequadas aos tempos de eventos extremos.

É necessário que o jornalismo evidencie equívocos dos administradores públicos. A sua atuação deve se pautar pelo interesse público e pela busca dos direitos dos cidadãos. Durante a pandemia a maior parte da imprensa prestou um grande serviço à sociedade e combateu a desinformação. A emergência climática é mais um desafio que precisa ser enfrentado pelo jornalismo, que também, através das informações corretas, estará cumprindo seu papel educativo.

*Isabelle Rieger é estudante de Jornalismo na Universidade   Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).

** Ilza Maria Tourinho Girardi é jornalista, professora titular aposentada/UFRGS, professora convidada no PPGCOM/UFRGS e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental CNPq/UFRGS e coordenadora do Observatório do Jornalismo Ambiental/Fabico/UFRGS.

Racismo ambiental persiste na cobertura das inundações em Santa Catarina

Imagem: Satélite do Google Maps mostra situação da véspera na barragem. Acesso: 12 out. 2023, 15h.

Por Eliege Fante*

Poucos dias após o alívio com a decisão do STF, contrária à tese do marco temporal, os povos originários da Terra Indígena Ibirama – Laklãnõ sofrem com reveses dos governos e da grande imprensa.

A pressa é inimiga da apuração jornalística, ainda mais quando há um desequilíbrio no acesso às fontes oficiais. Relacionado à cobertura do fechamento das comportas da Barragem Norte, ocorrido sábado (07/10), no município de José Boiteaux (SC), situada no Território Indígena (T.I.) Xokleng, Guarani e Kaingang (Terra Indígena Ibirama – Laklãnõ), vimos, ouvimos e lemos repetições de discursos de fontes oficiais do governo de Santa Catarina, em espaço desproporcional e em detrimento de outras fontes desta pauta: as indígenas. Espalhar informações simplificadas e limitadas gera o risco de produzir desinformação e de colher comentários racistas contra os povos originários e de ódio de todos os lados.

“A diversidade de racionalidades é o maior patrimônio da espécie”, lemos neste texto do falecido geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves, cujo destaque incentiva a escuta plural de todas as partes envolvidas numa pauta. Neste sentido, traremos a seguir informações relevantes a serem consideradas na produção jornalística dada a complexidade do tema, e que mesmo disponíveis, não são trazidas ao grande público.

Sobre o racismo ambiental, diferentemente do que vem sendo noticiado, o governo de Santa Catarina não teria cumprido o acordo com os povos da Terra Indígena Ibirama – Laklãnõ. É o que consta na decisão judicial da manhã desta quinta-feira (12/10), a qual determina que União e Estado de Santa Catarina tem 24 horas para cumprir as “medidas mitigatórias acordadas e assentadas”, e que o estado catarinense deve “apresentar relatório técnico relativo à operação excepcional da barragem (com eventuais recomendações de novas intervenções – abertura/fechamento de comportas), considerando as previsões e ocorrências de novas precipitações na bacia coletora”. As referidas medidas constantes na decisão judicial publicada no final da noite de 07 de outubro, são sete: Desobstrução e melhoria das estradas; Equipe de atendimento de saúde em postos 24 horas; Três barcos para atendimento da comunidade; Ônibus para atendimento da comunidade até a cidade; Água potável na aldeia; Fornecimento de cestas básicas; Ficou acordado que após as comportas serem fechadas algumas casas ficarão submersas e por esse motivo deverão ser construídas novas casas para essas famílias, em local seguro e longe do nível do rio.

Sobre o racismo ambiental, a Barragem Norte é uma das três no estado utilizadas para conter cheias do Rio Itajaí-Açu, cuja capacidade de reserva de 355 milhões de metros cúbicos de água pode causar alagamentos e até inundação em uma área de aproximadamente 870 hectares do Território Indígena Laklãnõ Xokleng. É importante utilizar o conversor de Hectômetro para demonstrar o real volume de água. Estes fatos já foram registrados em cheias anteriores, daí o clamor dos indígenas (dias antes de 07/10) pelo não fechamento das duas comportas diante da grave ameaça de deixar embaixo d’água diversas aldeias do T.I. Essas e outras fundamentais informações constam no documentário de 2015 “Enchente – O outro lado da Barragem Norte”, de 37 minutos, que expõe as desumanas condições vivenciadas no território desde a construção da Barragem Norte. A internet e as redes sociais facilitam uma aproximação entre comunicadores e jornalistas indígenas, por isso é necessário buscar informações em perfis como o da Juventude Xokleng e da comunicadora Ingrid Satere Mawé.

Sobre o racismo ambiental, se o fechamento das comportas está relacionado com a manutenção da data da Oktoberfest em Blumenau (início em 11/10), este foi um debate adjacente aos impactos do evento climático extremo em Santa Catarina, mas presente nas redes sociais indígenas e de direitos humanos. O Cacique Alison Voia de Lima da Aldeia Sede da T.I. Laklãnõ Xokleng confirma (07/10/2023) o posicionamento da sua comunidade de não fechamento das comportas da barragem do território indígena. E contou o que ouviu durante a reunião com autoridades do estado de Santa Catarina: “Por causa dessas comportas que estão abertas a oktober vai ser suspendida por uma semana.

Além do Cacique Xokleng, o prefeito de Taió, Alexandre Purnhagen, também aludiu ao megaevento, na noite de terça (10/10), o fechamento de comportas da barragem do município. Ao pedir a reabertura das comportas à autoridade estadual da Defesa Civil, o prefeito afirmou: “Eu vou culpar a Oktoberfest. Taió também faz parte deste estado. Eu não estou preocupado com bilheteria de Oktober, eu estou preocupado com vida de taioense. Vocês precisam abrir estas comportas. Blumenau não precisa ter todas as ruas na condição de seco.

Diferentemente da reivindicação indígena, o pedido do prefeito de Taió teria sido atendido horas depois, considerando a notícia do governo estadual sobre a abertura gradativa das comportas das barragens (Sul, em Ituporanga, e Oeste, em Taió), exceto da Barragem Norte, a que atinge o território indígena. Mas, a notícia do início da tarde desta quinta-feira (12/10) apresenta a situação das três barragens como fechadas

O megaevento turístico iniciou em Blumenau, na véspera deste feriado de Dia das Crianças, apesar do alerta vigente da Defesa Civil de alto risco de “temporais localizados em todo o estado com possibilidade de chuvas fortes, descargas elétricas, ventos intensos e queda de granizo. Alagamentos, deslizamentos, enxurradas e inundações graduais, o risco permanece muito alto”. Mas, foi suspenso novamente, na manhã do feriado, devido aos riscos de alagamentos no município. O retorno da programação ficou para o final da tarde desta sexta-feira (13/10).

Sobre o racismo ambiental, o relato da indigenista Georgia Fontoura sobre a reunião realizada na tarde de sábado (07/10), na T.I. Laklãnõ Xokleng, aponta o descumprimento, pelo governo catarinense, do acordo feito através do secretário de infraestrutura do estado com as demais autoridades, “de enviar mantimentos, barco, remédios e atender as famílias isoladas e atingidas pela cheia do lago de contenção”, considerando a desativação desde 2014 e não execução do plano de contingência. Três dias depois, Georgia publicou informações mais completas no artigo “As chuvas e os bugreiros” com outros indigenistas na Revista Fórum. E, sobre a mesa de negociação de domingo (08/10), o deputado Marquito (Psol) relata o pedido ao governador de Santa Catarina para que mantivesse o acordo firmado com os indígenas através do secretário. “A motivação do governador de ter colocado as forças de segurança e ter fechado as comportas sem uma análise técnica e política foi um grande erro”, afirmou.

Enquanto isso, a preferência na cobertura de pautas que ligam indígenas à violência, como aponta o Minimanual Como cobrir temas indígenas, confirmou-se na cobertura do chamado “confronto” entre indígenas e polícia militar na noite de 07 de outubro para o fechamento das duas comportas. É urgente problematizar:

1 – “as consequências que poderá provocar na vida e no território desta população, cuja sobrevivência também passou a estar em risco. Questiona-se ainda o uso excessivo da força que resultou em indígenas feridos”, conforme Nota da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC);

2 – as declarações da Defesa Civil estadual referente aos impactos negativos causados pela barragem no T.I. Laklãnõ Xokleng na palestra “de instrução e sensibilização sobre a presença indígena em Santa Catarina e Blumenau para policiais militares do 10º Batalhão da PM”;

3 – a condenação em 2017, segundo indigenistas, do estado de Santa Catarina, da União e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em “implementar ações compensatórias e de segurança relativas à Barragem Norte”, o que não teria sido cumprido;

4 – a recente decisão do Supremo Tribunal Federal de rejeitar a tese do marco temporal em processos demarcatórios, que é favorável ao povo da Terra Indígena Ibirama – Laklãnõ, após um dos maiores julgamentos da história do STF, foram onze sessões. O julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365 está relacionado a um pedido do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina de reintegração de posse de uma área localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás (SC). A tese da repercussão geral (Tema 1.031), a partir deste julgamento, será utilizada na resolução de ao menos 226 casos semelhantes.   

No decorrer da semana, notícias continuaram insistindo na culpabilização do povo indígena. Referente à veiculação de informações sobre a suposta negativa de abertura das comportas, o cacique Setembrino Camlen esclareceu que esta decisão é da defesa civil e do governo do estado. “Não é que a comunidade não está deixando operar a barragem, a comunidade não vai impedir que a equipe faça o trabalho que quer fazer. Estamos aqui num momento difícil, a comunidade está se deslocando das aldeias, estão ilhados, tem casa deslizando, então o pessoal está vindo com medo e por isso estão acampando.” Há mesmo muito a ser ouvido. O jornalismo possui as condições, mas a grande imprensa brasileira conseguirá mudar o padrão de cobertura?

*Jornalista, doutora em Comunicação e Informação, membra do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental UFRGS/CNPq e assessora de comunicação da Rede Campos Sulinos.

O racismo ambiental e o jornalismo míope

Imagem: Captura de tela do site Periferia em Movimento

Por Mathias Lengert*

Mariana, Minas Gerais, novembro de 2015. Um mar de lama contamina a bacia do Rio Doce, vitima 19 pessoas e arruína povoados e distritos próximos. Mais de 80% da população atingida é negra. A tragédia, que agora completa 5 anos (ainda sem todas as indenizações pagas), ilustra um recorrente processo de marginalização, empobrecimento e desigualdade étnica e racial em torno de direitos socioambientais.


Em resumo, trata-se do racismo ambiental. A definição ainda carece de visibilidade social, política e jornalística para evidenciar a maneira desproporcional que problemas ambientais impactam os grupos mais vulneráveis. As demandas por justiça ambiental são reivindicações das populações negras e indígenas, sobretudo no Brasil. O Dia da Consciência Negra, na última sexta-feira (20), reacende a reflexão sobre o racismo estrutural e suas implicações na mídia.


O assunto aparece timidamente nas coberturas, por ora, ainda restrito aos esforços do jornalismo alternativo em sondar os impactos da degradação ambiental na vida da população marginalizada, agravada nesse momento em razão da pandemia do Covid-19. Reportando a situação de vítimas afetadas pelo derramamento de óleo no litoral da Bahia, o site de notícias Brasil de Fato denuncia o descaso governamental com a formulação de políticas públicas para as comunidades negras. A fala da militante e pescadora quilombola Marizelia Lopes na reportagem exemplifica a vulnerabilidade: é uma “cegueira intencional”.


Além de estar presente no Estado, a invisibilidade do racismo ambiental é exercida nos jornais tradicionais, que não voltam suas coberturas ao tema e suas soluções possíveis. O jornalismo deve exercitar um olhar consciente que a defesa da vida exige responsabilidade com a mobilização coletiva por justiça ambiental. Ante a cegueira que se faz proposital, é preciso, tal como propõe o jornalismo ambiental, enxergar novos referenciais de igualdade na relação da humanidade com a natureza.


Noticiando a exposição de crianças à degradação ambiental urbana, o site de notícias paulistano Periferia em Movimento relatou a frustração de moradores de favela com a ausência de saneamento básico e indicou dados desses impactos na saúde infantil. O destaque coube aos pesquisadores e ONGs, sem uma ênfase categórica na opinião da população periférica.


A ausência de realce da imprensa em perspectivas que atentem às circunstâncias sensíveis às vivências e às discriminações raciais sofridas reflete um despreparo em apurar os fatos de maneira crítica, investigando as estruturas sociais que perpetuam práticas racistas. A projeção da injustiça ambiental nos debates sociais exige que o jornalismo priorize uma agenda voltada ao âmbito local, e pautada na resolução dos problemas no dia a dia das pessoas vulneráveis.


Para que essa mudança ocorra, além de relatar os casos de racismo ambiental, o jornalismo deve apostar em uma abordagem que compreenda também as dimensões econômica, cultural e política da questão, bem como, que ecoe as reivindicações da população negra marginalizada.

  • Mathias Lengert é jornalista, mestrando em Comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e integrante do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: mathias.lengert@gmail.com