O racismo ambiental e o jornalismo míope

Imagem: Captura de tela do site Periferia em Movimento

Por Mathias Lengert*

Mariana, Minas Gerais, novembro de 2015. Um mar de lama contamina a bacia do Rio Doce, vitima 19 pessoas e arruína povoados e distritos próximos. Mais de 80% da população atingida é negra. A tragédia, que agora completa 5 anos (ainda sem todas as indenizações pagas), ilustra um recorrente processo de marginalização, empobrecimento e desigualdade étnica e racial em torno de direitos socioambientais.


Em resumo, trata-se do racismo ambiental. A definição ainda carece de visibilidade social, política e jornalística para evidenciar a maneira desproporcional que problemas ambientais impactam os grupos mais vulneráveis. As demandas por justiça ambiental são reivindicações das populações negras e indígenas, sobretudo no Brasil. O Dia da Consciência Negra, na última sexta-feira (20), reacende a reflexão sobre o racismo estrutural e suas implicações na mídia.


O assunto aparece timidamente nas coberturas, por ora, ainda restrito aos esforços do jornalismo alternativo em sondar os impactos da degradação ambiental na vida da população marginalizada, agravada nesse momento em razão da pandemia do Covid-19. Reportando a situação de vítimas afetadas pelo derramamento de óleo no litoral da Bahia, o site de notícias Brasil de Fato denuncia o descaso governamental com a formulação de políticas públicas para as comunidades negras. A fala da militante e pescadora quilombola Marizelia Lopes na reportagem exemplifica a vulnerabilidade: é uma “cegueira intencional”.


Além de estar presente no Estado, a invisibilidade do racismo ambiental é exercida nos jornais tradicionais, que não voltam suas coberturas ao tema e suas soluções possíveis. O jornalismo deve exercitar um olhar consciente que a defesa da vida exige responsabilidade com a mobilização coletiva por justiça ambiental. Ante a cegueira que se faz proposital, é preciso, tal como propõe o jornalismo ambiental, enxergar novos referenciais de igualdade na relação da humanidade com a natureza.


Noticiando a exposição de crianças à degradação ambiental urbana, o site de notícias paulistano Periferia em Movimento relatou a frustração de moradores de favela com a ausência de saneamento básico e indicou dados desses impactos na saúde infantil. O destaque coube aos pesquisadores e ONGs, sem uma ênfase categórica na opinião da população periférica.


A ausência de realce da imprensa em perspectivas que atentem às circunstâncias sensíveis às vivências e às discriminações raciais sofridas reflete um despreparo em apurar os fatos de maneira crítica, investigando as estruturas sociais que perpetuam práticas racistas. A projeção da injustiça ambiental nos debates sociais exige que o jornalismo priorize uma agenda voltada ao âmbito local, e pautada na resolução dos problemas no dia a dia das pessoas vulneráveis.


Para que essa mudança ocorra, além de relatar os casos de racismo ambiental, o jornalismo deve apostar em uma abordagem que compreenda também as dimensões econômica, cultural e política da questão, bem como, que ecoe as reivindicações da população negra marginalizada.

  • Mathias Lengert é jornalista, mestrando em Comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e integrante do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: mathias.lengert@gmail.com
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