A última casinha de madeira na Avenida Atlântica de Balneário Camboriú no jornalismo catarinense

Imagem: captura de tela do Diarinho

Por Míriam Santini de Abreu*

O diário multiplataforma catarinense Diarinho, que cobre Itajaí, Balneário Camboriú e região, publicou em 19 de janeiro notícia de dois parágrafos intitulada “Última casinha da avenida Atlântica vai virar prédio”. Trata-se da casa de madeira remanescente na mais badalada avenida do balneário que teve o metro quadrado mais caro do país, ao custo de R$ 11.635,00, em fevereiro, de acordo com o índice FipeZAP+ . Segundo a matéria, a casinha, construída em 1956 e em 1973 comprada pela família atualmente proprietária, será demolida e poderá dar lugar a um prédio de 12 andares.

Nos dias seguintes, outros veículos repercutiram a informação, como o site Camboriú Notícias, que acrescentou informações sobre os atuais proprietários, e o Balanço Geral Itajaí e o SC no Ar, do Grupo ND, retransmissor da Record. Nos dois últimos, os apresentadores citam o fato e a repercussão negativa nas redes, mas afirmam que se trata de propriedade particular e não tombada pelo município, o que permitiria a demolição. No Balanço Geral Itajaí, o apresentador minimiza a reação dos críticos e afirma que “o olho cresce, é natural” diante de valores implicados em negociações deste tipo. No SC no Ar, a repórter mostra o skyline da cidade, tomado por arranha-céus, e a apresentadora comenta: “Mas é linda Balneário Camboriú, né, é uma cidade linda, faz parte do progresso, da evolução, tá dentro da lei, tá tudo certo, então é isso aí”.

O “então é isso aí” de algum modo sinaliza o limite do jornalismo dominante hoje em Santa Catarina. Ao longo do mês de janeiro, Balneário Camboriú foi notícia por ficar semanas seguidas com a Praia Central – que passou por uma polêmica megaobra de alargamento para evitar a sombra projetada pelos arranha-céus na areia – totalmente imprópria para banho, de acordo com análise feita pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA). No mesmo período, a capital, Florianópolis, enfrentava uma epidemia de diarreia que foi notícia no Brasil e no exterior.

No livro “O segredo da pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo”, o teórico do jornalismo Adelmo Genro Filho mostra que a notícia não caminha do mais para o menos importante, máxima de manuais de redação vendidos por empresas jornalísticas, e sim do singular – matéria-prima do jornalismo – para o particular, sem descuidar do universal, pois essas três categorias filosóficas então ligadas. Ou seja, o jornalismo deve irradiar o singular, o irrepetível, o único, a forma originária do novo – deixando antever a transformação social – a partir da relação com as outras duas dimensões, evitando assim que a totalidade seja vista com uma mera soma de partes, e a realidade como um “(…) agregado de fenômenos destituídos de nexos históricos e dialéticos” (GENRO FILHO, 1989, p. 156).

A iminente derrubada da última casinha de madeira na mais badalada avenida de Balneário Camboriú é o fato singular, único, irrepetível. A relação com o particular se explica pela necessária conexão com a realidade deste município que exalta os prédios gigantescos, os moradores famosos e tenta tapar ou ignorar a ruína das praias e da paisagem, realidade compartilhada por inúmeras cidades no litoral brasileiro, entre elas Torres e Florianópolis, onde as disputadas paisagens provocam pressão para mudanças nos planos diretores atualmente em discussão. É importante mencionar que o citado índice FipeZAP+ lista, além de Balneário Camboriú, Itapema, Florianópolis e Itajaí, todas em Santa Catarina, entre os 10 primeiros lugares no ranking do metro quadrado mais caro do Brasil.

O universal, o “é isso aí” com o qual a apresentadora do SC no Ar conclui o comentário da matéria, está no “olho gordo” mencionado pelo apresentador do Balanço Geral Itajaí, que ele naturaliza: é o lucro com a renda da terra em um sistema em que as sobras da natureza são vendidas como parte dos negócios. É, portanto, um jornalismo que legitima a propriedade privada e o lucro acima do bem comum e limita ao mero discurso a preocupação ambiental, naturalizando os fenômenos sociais e suas consequências.

A última casinha de madeira da Avenida Atlântica ficou à espera de um jornalismo de fato para contá-la.

  • REFERÊNCIA:

GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo, Porto Alegre: Tchê, 1989.

* Jornalista, especialista em Educação e Meio Ambiente, mestre em Geografia e doutora em Jornalismo

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Planeta em Transe: Cristiane Fontes amplia enfoque da cobertura climática

Captura de tela – Vídeo do sexto episódio da série especial de entrevistas do projeto Planeta em Transe do jornal Folha de S. Paulo

Por Roberto Villar Belmonte*

Com duração de um ano, Planeta em Transe “é uma série de reportagens e entrevistas com novos atores e especialistas sobre mudanças climáticas no Brasil e no mundo”. Ainda segundo descrição publicada pelo jornal, este projeto de cobertura especial da Folha de S. Paulo acompanha também as respostas à crise do clima nas eleições de 2022 – com destaque para a região amazônica – e na COP27, a 27ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima que acontece no Egito entre 6 e 18 de novembro.

A jornalista ambiental Cristiane Fontes trabalha tecendo parcerias internacionais que ajudam a compreender e diversificar as vozes da luta ambiental. Logo após publicar, em meados de abril, as conclusões da pesquisa que coordenou intitulada “Narrativas Ancestrais – Presente do Futuro: Percepções sobre os Povos Indígenas no Brasil na última década (2011-2021)”, ela lançou no final de maio o projeto editorial Planeta em Transe em parceria com o jornal Folha de S. Paulo e apoio da Open Society Foundations.

A proposta anunciada é a realização de 24 entrevistas, publicadas quinzenalmente em texto e vídeo, com especialistas e ativistas que atuam no tema da crise climática, 12 brasileiros e 12 de fora do país. No entendimento do coordenador de justiça climática para a América Latina na Open Society Foundations, Iago Hairon, não é possível falar de direitos humanos sem falar da crise climática. Por isso, segundo ele, é preciso entender as narrativas das pessoas que estão na linha de frente.

Até o momento, apenas seis episódios foram produzidos em texto e vídeo, com três fontes brasileiras e três de fora do país: Uganda, Inglaterra e Estados Unidos. As entrevistas no formato pingue-pongue (pergunta e resposta) são realizadas pela própria Cristiane Fontes e pelo repórter e colunista Marcelo Leite, jornalista especializado em ciência e ambiente do Folha de S. Paulo. Os vídeos também são assinados pela editora de Ambiente do jornal, Giuliana de Toledo.  

Episódio 1

Vanessa Nakate, ativista climática de Uganda

Episódio 2

Eduardo Assad, pesquisador de mudança do clima na agricultura

Episódio 3

Joana Setzer, professora brasileira na London School of Economics

Episódio 4

Farhana Yamin, advogada e ativista britânica

Episódio 5

Ângela Mendes, ativista e filha de Chico Mendes

Episódio 6

Gillian Caldwell, diretora da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional

Esta parceria entre Cristiane Fontes e Marcelo Leite começou a ser alinhavada no ano passado. No início de dezembro de 2021, os dois já publicaram entrevista pingue-pongue – usando a cartola Mudança Climática – com a matemática e filósofa Tatiana Roque, autora do livro “O Dia em que Voltamos de Marte: Uma História da Ciência e do Poder com Pistas para um Novo Presente”, obra que detalha os avanços tecnológicos e disputas em torno dos paradigmas científicos nos últimos quatro séculos.

Mas foi somente no final de maio de 2022 que o jornal Folha de S. Paulo anunciou a estreia do novo projeto editorial. Desde então, além dos seis episódios já mencionados, notícias, reportagens e entrevistas com a cartola Planeta em Crise estão sendo publicadas sobre política e mudança do clima. Um exemplo foi a conversa da colunista Ana Carolina Amaral com Joenia Wapichana, única deputada indígena do Brasil na atual legislatura, que saiu na edição de 23 de julho.

Outro exemplo é a reportagem publicada por Giovana Girardi na edição de 17 de outubro sobre as emissões de metano do Brasil. Girardi, ex-repórter de ambiente do Estado de S. Paulo lançou em junho a série de podcast Tempo Quente, da Rádio Novelo, projeto já tratado neste Observatório.

Do ponto de vista dos estudos do jornalismo ambiental, duas questões chamam a atenção neste projeto editorial criado por Cristiane Fontes em parceria com Marcelo Leite. Primeiro a proposta de trazer para a agenda pública vozes de pessoas que atuam na linha de frente da crise climática, não apenas cientistas ou empresários, mas também ativistas. Espera-se que militantes da guerra ambiental apareçam com mais frequência nas páginas do jornal Folha de S. Paulo.

Outro ponto relevante é a participação de diversos repórteres do jornal na produção de notícias e reportagens sobre a crise climática no Brasil, o que mostra a relevância cada vez maior do jornalismo ambiental. Este, aliás, é o grande desafio dos cursos de jornalismo no país: formar profissionais capazes de tratar com proficiência as causas, as consequências e as política públicas necessárias para dar conta da crise climática. Com ou sem milicianos no poder.

Referências

27ª Conferência das Partes (COP 27) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima

https://unfccc.int/cop27

https://cop27.eg

Narrativas Ancestrais – Presente do Futuro: Percepções sobre os Povos Indígenas no Brasil na última década (2011-2021)

http://www.amoreira.info/narrativasancestrais/

*Roberto Villar Belmonte é professor de jornalismo no Centro Universitário Ritter dos Reis e membro do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).

Acontecimento global no jornalismo local: é hora de alinhar escalas e rever visões de mundo

Imagem: Edição de Zero Hora
Por Débora Gallas Steigleder*

O planeta se mobiliza pela Amazônia em chamas, e o jornalismo repercute os diferentes vieses que envolvem este conflito ambiental, evidenciado pela chegada de partículas das queimadas a São Paulo em 19 de agosto.

A edição do fim de semana de 25 e 26 de agosto de Zero Hora, que traz o assunto na capa, pretendeu aprofundar alguns tópicos a partir de apuração própria da redação do jornal gaúcho. O texto na primeira página da cobertura, não assinado, traz um apanhado geral dos aspectos políticos que envolvem o conflito por um viés declaratório, com a tradicional reprodução de pronunciamentos das fontes oficiais. Nada de novo aqui, portanto. A dimensão local é abordada em seguida, em texto de Leonardo Vieceli, que faz um gancho com a menção ao risco que a destruição da floresta representa ao acordo comercial recém firmado entre União Europeia e Mercosul. O repórter relata a preocupação de entidades exportadoras do Rio Grande do Sul com os danos do crime ambiental à imagem do país frente aos parceiros comerciais. Esta centralidade nos impactos econômicos segue a posição editorial da empresa e é repercutida por colunistas de Política e Economia na mesma edição. De certa forma, então, nada de novo até aqui também.

A seguir, um quadro informativo com mitos e verdades sobre a Amazônia ajuda a contextualizar o leitor e complementa o texto de Iarema Soares, que apresenta o olhar dos especialistas sobre as possibilidades de restauração e as perdas inestimáveis nos ecossistemas amazônicos. Assim como a entrevista com bombeiro que está trabalhando no combate às queimadas, realizada por Rodrigo Lopes, estes recursos permitem um diálogo entre escalas. Nada substitui a presença do repórter in loco, mas, em um contexto de limitações físicas (e financeiras), uma construção discursiva que oriente o olhar “daqui para lá” é interessante para gerar proximidade. Um passo importante, porém, seria incorporar uma reflexão constante na cobertura sobre os efeitos diretos da perda da Amazônia em nossas vidas independentemente da proximidade geográfica com ela. Afinal, já passou da hora de reconhecermos as interconexões que fundamentam a vida na Terra.

Talvez o conteúdo local mais expressivo da cobertura seja o histórico da destruição da floresta, assinado por Itamar Melo, com gráficos e comparativo da área desmatada na Amazônia com o território do Rio Grande do Sul. O texto menciona que gaúchos foram estimulados a ocupar a região a partir dos anos 50. E, amplificando a questão da continuidade, é interessante ver aqui o deslocamento de sentido sobre o tema em Zero Hora, por meio de uma espécie de reversão do silenciamento: em minha leitura, por exemplo, remeti imediatamente a todas as coberturas do veículo – e do Grupo RBS, em geral – com narrativas heroicas sobre a conquista do Centro-Oeste e do Matopiba por gaúchos envolvidos no monocultivo de soja. Ao longo de décadas, a expansão das fronteiras agrícolas foi relatada – e exaltada – nos veículos da empresa sem contraponto ambiental. Muitos jornalistas têm-se posicionado para apontar o discurso violento e mentiroso de representantes do governo federal como avalizador de crimes ambientais, e com razão. Mas já é tempo de as mídias e seus profissionais fazerem uma autoavaliação: em que medida terem corroborado para o mito do progresso também contribuiu para a “naturalização” da destruição?

* Jornalista, doutoranda em Comunicação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul com bolsa Capes. Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).

Aquecimento? Que aquecimento?, texto de Luciano Martins no OI

Recomendada a leitura do comentário de Luciano Martins, feito para o Observatório de Imprensa. Em foco as mudanças climáticas e a relação “esquizofrênica” do jornalismo com o tema, como ele mesmo classifica.

Leia na íntegra:  Aquecimento? Que aquecimento?

Clima: mesmo editorial em 56 jornais do mundo

Por ocasião do início oficial das atividades em Copenhague, na Conferência sobre Mudanças Climáticas, o The Guardian encabeçou uma iniciativa de publicação conjunta de um mesmo editorial em vários jornais do mundo. São 56 periódicos participantes, em 45 países e 20 línguas diferentes.  O editor-chefe do jornal britânico, Alan Rusbridger (leia o original aqui, em inglês) ressalta a participação de dois jornais chineses. A destacar pelo fato de a China dividir, com os Estados Unidos, a liderança no ranking das emissões de CO2 e, no mesmo passo, pela sempre lembrada barreira a determinados temas no país. Rusbridger também disse que o ineditismo da ação está em sintonia com a peculiaridade da cobertura sobre o tema: “nunca tivemos de cobrir uma história como essa antes”. Afirmou, ainda, esperar  que a voz combinada dos 56 jornais lembre aos negociadores que um entendimento é necessário e ele está em jogo em Copenhague. Como mentor da idéia, o Guardian estampou o texto na capa de hoje, junto com os logotipos dos jornais que aderiram.

As capas estão reunidas neste link. A idéia é que o texto estivesse ou iniciasse na primeira página, seguindo nos espaços tradicionais de opinião de cada jornal.  O editorial em português pode ser lido no jornal Zero Hora e no Público. O jornal português teve, na minha opinião, uma das melhores capas. Optou por estampar apenas texto, tal uma carta.

Mudanças climáticas na pauta da ANDI

Reprodução do site

A Agência de Notícias dos Direitos da Infância acaba de lançar um portal sobre Mudanças Climáticas. O objetivo é, conforme a entidade, reunir informações para um “jornalismo contextalizado”. O site está disponível em língua portuguesa e espanhola.

A ANDI acompanha o tema desde 2007.  Já foram publicados três relatórios de análise de jornais sobre a cobertura acerca das mudanças climáticas no Brasil. Por meio da metodologia de análise de conteúdo, os relatórios oferecem um “perfil quantitativo e as principais tendências qualitativas da cobertura da imprensa”, segundo o site da entidade, o que permite acompanhar “os desafios e avanços desse tipo de pauta”. Os estudos estão disponíveis para download.

Copenhague – os especiais dos jornais

Os jornais de referência do Brasil e de Portugal estão com especiais sobre a COP 15, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, iniciada hoje, na Dinamarca. Muitos iniciaram o trabalho há alguns dias ou semanas, com matérias buscando antecipar as principais discussões e contextualizar os pontos centrais em debate no encontro. A polêmica criada pelos céticos  em relação dos dados do IPCC, a presença de alguns líderes mundiais como Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, as esperanças de sucesso e as apostas no fracasso da Conferência são os principais motes. Em todos os casos, os jornais têm se valido muito de infográficos e simulações para dar conta dos dados mais específicos.

Por conta do uma pesquisa, estou acompanhando os especiais do Brasil e de Portugal. “Conferência de Copenhague” de um lado do Atlântico, “Cimeira de Copenhaga” do outro. Eis os links.

Brasil:

Portugal:

Outros: