Dengue além dos números: por que a doença ainda mata no Brasil?

Imagem: João Paulo Burini / Getty Images

Por Patrícia Kolling*

A leitura da coluna Saúde, meio ambiente, políticas públicas: a dengue mostra que está tudo interligado, produzida pelas colegas Isabelle Rieger e Cláudia Herte de Moraes, e publicada no site Eco, me instigou a apurar sobre a abordagem dada nas notícias da imprensa brasileira sobre a doença e suas relações com o meio ambiente e as políticas públicas. Em notícia publicada pelo governo federal, no dia 27/02, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, ressalta que o aumento no número de casos neste período do ano não era esperado, considerando as tendências históricas que indicam o pico das epidemias entre março e abril. O texto diz ainda que os motivos para esta situação, diferente do esperado, têm raízes múltiplas, entre elas as alterações climáticas, em especial na época de chuvas, e a mudança nos sorotipos circulantes da dengue. O Ministério declarou que o Brasil chegou a quase 1 milhão de casos registrados de dengue e que vai fazer uma mobilização nacional para combater os focos do mosquito, no sábado dia 2.

A fala da ministra foi citada em algumas notícias, porém, pouco se aproveitou para aprofundar a temática, explicando como e porque as alterações climáticas podem estar levando ao aumento dos mosquitos e dos casos de dengue. Uma apuração rápida, nos sites G1, Folha de São Paulo e Estadão, mostrou que a maioria das notícias foca nos números de infectados e mortos pela doença. A Folha de São Paulo, no dia 19, além das dezenas de números e gráficos que trouxe sobre a dengue, destacou que especialistas apontam os fatores climáticos como centrais para a explosão de casos. Diz o texto que o calor acima da média e o período chuvoso criam condições ideais para a proliferação do mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença.

Para a construção deste texto, fizemos uma breve análise das notícias publicadas, mas em 2015 e 2016, o tema já foi estudado em profundidade por colegas deste grupo, e apresentado no artigo Dengue, Zika e Chikungunya: Análise da cobertura do risco de doenças associadas às mudanças climáticas sob a ótica do Jornalismo Ambiental. Na época vivia-se no Brasil também um período de aumento de casos de dengue, e da mesma forma a imprensa não aprofundou as relações entre as mudanças climáticas, o aumento dos mosquitos e de casos de dengue.

Outro aspecto que percebemos nas notícias foi a publicação de números que apontam o aumento das mortes por dengue no Brasil. A Folha de São Paulo, citou a fala da ministra Nísia, em que ela destaca a preocupação com o aumento dos casos graves.  “Temos de olhar o manejo adequado, cuidado no tempo certo e hidratação [do paciente]”. O infectologista da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e consultor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Kleber Luz, ressaltou esse aspecto no G1 “… é preciso mitigar o problema. Capacitar médicos, enfermeiros, equipes de saúde para tratar a dengue de forma adequada, disponibilizar insumos como soro, para que as pessoas sejam tratadas. O que devemos fazer é evitar as mortes”. O consultor da OMS ressaltou ainda que a dengue é uma doença completamente tratável, “com baixo índice de óbito se o paciente procurar atendimento precocemente” e se for realizada a intervenção adequada.

Diante dessas explicações por que tantas pessoas ainda estão morrendo de dengue no Brasil? Diferente da covid-19, que é uma doença ainda pouco conhecida, a dengue existe no Brasil há mais de 30 anos. A imprensa precisa questionar as autoridades e especialistas e buscar respostas para o porquê de as pessoas ainda estarem morrendo de dengue no Brasil. Os hospitais e postos de saúde não estão preparados para receber e fazer diagnósticos rápidos nos pacientes? Está sendo monitorado os índices de plaquetas nos pacientes e há bolsas de plaquetas para as transfusões nos casos graves? Os pacientes estão recebendo hidratação quando necessário? Essas são algumas das perguntas que a imprensa deveria estar fazendo e não está. As pautas estão aí, citadas nas próprias notícias. Cabe a imprensa saber olhar além dos números.

*Doutora em Comunicação pela UFRGS, docente no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus do Araguaia, integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: patikolling@gmail.com.

Resistências e negociações à exploração de combustíveis fósseis

Imagem: Instituto Arayara

Por Patrícia Kolling*

Além de ser o principal ponto de impasse no acordo final da conferência global sobre o clima (COP-28), assinado na quarta-feira (13/12), em Dubai, os combustíveis fósseis também foram pauta no Brasil, devido a um leilão de mais de 600 blocos de petróleo e gás em diferentes partes do país. Enquanto o acordo final, sugeriu uma transição energética, em que os países devem se “afastar dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de uma forma justa, ordenada e equitativa”. O Brasil teve 197 novos blocos para exploração de petróleo sendo arrematados.

A imprensa reforçou a contradição do governo brasileiro, que participou com sua maior comitiva na COP 28, que apresentou números de redução de desmatamento, que teve no discurso do presidente cobranças de ações para que o mundo se torne menos dependente dos combustíveis fósseis. E que, por outro lado, deseja pular da oitava posição de exportador de petróleo para a quarta. Detalhe: o leilão da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) aconteceu no mesmo dia que o acordo foi assinado, e a imprensa local já sinalizava isso: “O leilão de petróleo do Brasil um dia depois da COP28″ (Nexo Jornal) e “Leilão de petróleo pós-COP28 é bomba de emissões, diz ONG” (Folha de S.Paulo).  A contrariedade do governo já havia sido abordada no observatório da semana passada.

A abordagem dos temas polêmicos e contraditórios pela imprensa é interessante, por permitir a compreensão contextualizada das temáticas, em suas perspectivas ambientais, econômicas e sociais, entendendo conflitos, interesses e prejuízos, para assim o leitor formar uma opinião sobre o assunto.  O programa Como é que é?, da TV Folha, na quarta-feira, entrevistando a editora de Ambiente do jornal, Giuliana Toledo, promoveu exatamente essa reflexão sobre os interesses do Brasil em explorar petróleo, criticando as posições do governo e mostrando a força do poder econômico sobre o ambiental. O Globo destacou que mais de 80% das emissões de gases do efeito estufa são provocadas pelo petróleo, gás e carvão. Mas, esses combustíveis também representam grande parte da energia que o planeta consome diariamente, além de ser um negócio global que gera lucros diários superiores a R$ 15 bilhões

Assim, se compreende porque a assinatura do acordo em Dubai, não foi nada fácil, inclusive atrasou em um dia o final do evento, pois enquanto alguns países queriam uma linguagem direta sobre a eliminação dos combustíveis fósseis, os países exportadores de petróleo, como Arábia Saudita e Iraque, cujo desenvolvimento está ligado aos combustíveis não aceitaram. O consenso foi pelo termo “transition away”, por apresentar uma ambiguidade que agradou os países mais resistentes, pois indica mudança com flexibilidade.

A imprensa brasileira ressaltou essa ambiguidade, deixando evidente que o acordo aprovado na COP 28 não prevê o fim dos combustíveis fósseis, mas sugere uma transição das “energias que provocaram o aquecimento do planeta”. O texto propõe “triplicar a capacidade energética renovável” e “dobrar a eficiência energética média” até 2030. A imprensa mostrou que o acordo, como diz o site G1, foi positivo, mas ineficiente em medidas concretas para reduzir os efeitos das mudanças climáticas.  O site G1, que foi didático, explicando aspectos positivos e negativos de todos os pontos acordados.

No Brasil, a resistência foi das organizações ambientais, quilombolas e indígenas, que realizaram mobilizações contra o leilão. O Instituto Internacional Arayara pautou a imprensa sobre a quantidade de carbono emitida na atmosfera brasileira (2,3 milhões toneladas de carbono na atmosfera anualmente) e quanto os novos blocos aumentariam essas emissões.  O leilão foi apelidado de “leilão do fim do mundo”, porque além do seu potencial poluidor, dezenas das áreas oferecidas estão sobre unidades de conservação, terras indígenas e territórios quilombolas. O Instituto ajuizou ações públicas contra o leilão de 77 blocos, que contradiziam as diretrizes da ANP.

Conforme notícia no site do Instituto dos blocos ajuizados, 94% não tiveram ofertas e apenas 4 foram adquiridos. “Os 11 blocos da cadeia de montes submarinos de Fernando de Noronha não receberam ofertas. Territórios Quilombola ameaçados não receberam ofertas. 5.617 habitantes seriam impactados. Três blocos arrematados colocam em risco 5 territórios indígenas”.

*Doutora em Comunicação pela UFRGS, docente no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Campus do Araguaia, integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: patikolling@gmail.com.