Comunicações criativas na transmissão de informações sobre as queimadas

Por Matheus Cervo*

 Infelizmente, pode-se dizer que não é novidade que vários veículos de comunicação têm noticiado as catástrofes ambientais que acontecem no Brasil e na América Latina. Nesta última semana, Antônio Nobre, sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), manifestou-se ao Uol para afirmar que estamos chegando a um ponto de não retorno em relação à recuperação dos nossos principais biomas. Estamos vivendo um cenário catastrófico que se expressa de forma drástica nas queimadas, no recorde de temperatura para setembro em 2020 e na própria pandemia do Covid-19.

    Para pessoas que possuem um estilo de vida urbano, as queimadas parecem um fenômeno distante, mas não são. Uma breve pesquisa nas notícias que focam a cidade de Porto Alegre, urbe onde reside o Observatório de Jornalismo Ambiental, mostra como os fenômenos locais estão intimamente ligados aos nacionais e globais devido às mudanças climáticas em curso. Tanto a Zero Hora quando o G1 noticiaram as grandes cenas de fumaça que puderam ser vistas pelos que vivem na nossa cidade. Diferentes meios noticiam a questão de saúde que se agrava à população urbana por causa das chuvas pretas que caem no sul do Brasil e pelas fumaças que pioram problemas respiratórios.

É possível perceber que algumas formas de noticiar as mudanças climáticas em curso tentam estabelecer as conexões entre os diferentes espaços do globo terrestre de forma criativa. El País fez uma matéria interessante chamada “O tamanho da área queimada na Amazônia e no Pantanal, comparada com sua cidade”, onde foram criados infográficos feitos a partir de imagens de satélite. Com dados provenientes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora o desmatamento no Brasil, foi possível perceber que se perdeu cerca de 20.000 hectares, ou 200 quilômetros quadrados, de vegetação devido às queimadas. Em cima das imagens de satélite de diferentes cidades, foi criado um círculo vermelho que representa a área em tamanho real para percebermos como seria o impacto caso o fenômeno tivesse ocorrido nos espaços urbanos.

Pode-se compreender que, hoje, há uma dificuldade de comunicar os fenômenos climáticos devido à complexidade do momento histórico em que vivemos. Mesmo as matérias que mostram as grandes fumaças ou as chuvas pretas afetando as grandes cidades não parecem o suficiente para criar uma sensibilidade na recepção dos citadinos que recebem as comunicações provenientes do jornalismo que enfoca as questões climáticas. 

Os recursos digitais relacionados ao design da informação permitem criar sínteses que comunicam os fenômenos de forma diferente do que permite o meio textual ou mesmo o fotográfico. Talvez essa seja mais uma forma de auxiliar na sensibilização do público urbano frente aos impactos ambientais que assolam nossa existência neste século.

* Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da mesma universidade. Acesso ao lattes: http://lattes.cnpq.br/8290548520385605.

Precisamos dar informações aos leitores para que as queimadas aqueçam os debates ambientais e não só o Jornalismo

Imagem – Captura de tela de reportagem publicada no site do G1
Por Carine Massierer*

A matéria publicada em 12 de setembro no site do G1 chama a atenção, pois o tema das queimadas na Amazônia e em outras regiões do Brasil anda tomando conta dos noticiários tanto em impressos, quanto na internet, rádio e televisão. E são muitas as opiniões da população com relação ao tema. Porém, em muitas publicações a notícia apenas consegue exprimir o relato do fato em si e não dá conta de explicar que esta pauta tem muitos fatores intercorrentes como causadores das queimadas e suas consequências para todos os seres.

Ao Jornalismo Ambiental interessa muito a evidência do tema, que sempre deveria estar presente na mídia em função dos riscos para a preservação de todas as espécies e a manutenção do meio ambiente. Mas a forma como o tema é abordado é preocupante, pois normalmente o leitor não consegue ter um retrato do quanto as interferências humanas estão modificando as condições naturais. Nós precisamos dar informações aos leitores para que as queimadas aqueçam os debates ambientais e não só o Jornalismo.

No caso da matéria mostrada acima e encontrada no link https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/09/12/pantanal-registra-334percent-mais-focos-de-incendio-em-2019-ano-com-menos-chuvas-e-intensa-onda-de-calor-na-regiao.ghtml , o que se percebe é uma preocupação do veículo e do jornalista em mostrar o aumento dos focos de queimadas considerando os mesmos períodos em 2018 e 2019, a partir de dados apresentados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

No texto são explicadas ainda as causas deste aumento por meio de informações repassadas por Institutos de Pesquisas, como menor incidência de chuvas, mais calor e a ação humana intencional ou não associada a ventos fortes. Além disto, são citadas as ações de governo para conter o problema e como este bioma está sendo afetado se comparado a outros brasileiros. “Ao todo, 49,6% dos focos do período foram registrados na Amazônia. Em segundo lugar vem o Cerrado, com 33%; seguido por Mata Atlântica, com 9,7%; Pantanal, com 4,1%; Caatinga, com 2,8%; e Pampa, com 0,9%”, cita a matéria. Porém há uma ressalva nesta matéria de que desde início de setembro o Cerrado vem apresentando mais queimadas.

A matéria não é longa, mas dá uma dimensão do problema bem realista e com uma boa abrangência dos riscos ambientais e humanos. Isto mostra que o Jornalismo Ambiental pode contribuir para o enfrentamento e compreensão dos riscos inerentes à sociedade contemporânea, pois a notícia apresentada é bem contextualizada, calcada em várias fontes e comprometida com o interesse público. Mas não nos esqueçamos de ir além, precisamos aproveitar que o tema está aquecendo o Jornalismo para promovermos também o debate público.

*Carine Massierer é jornalista, mestre em Comunicação e Informação pela UFRGS e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS)

Através da nuvem de fumaça: quando os meios de comunicação são os nossos olhos

Imagem: Captura de tela do site El País Brasil
Por Ursula Schilling*

O tópico que eu tinha em mente para minha análise seria, mais uma vez, a questão dos agrotóxicos, visto ser esse o meu tema atual de estudos. Mas não posso ignorar o fato de que, há mais de uma semana, a mídia tem dado amplo espaço para um assunto que, por seu caráter desastroso, não pode ser deixado de lado: as queimadas na Amazônia.

Quando decidi escrever sobre este tópico, fiz um rápido exercício e me questionei: o quanto já sei a respeito e por que meios me informei? Consumo pouco jornal impresso, sendo o online minha principal fonte de informação. Tomei contato com o assunto, num primeiro momento, pelo meu feed de notícias do Facebook. Sim, o algoritmo já entendeu os temas que me interessam e minha bolha informativa me mantém atualizada. Mas me chamou atenção, porém, o fato de não apenas sites voltados ao meio ambiente e veículos de mídia segmentada estarem noticiando a situação, mas grandes portais de notícias, que, usualmente, não se dedicam às pautas ambientais, pelo menos, não com a intensidade de agora.

Já propus isso uma vez e proponho novamente: dê um “Google” e digite a palavra “queimadas”. Não é preciso sequer digitar o resto, para que se auto completem as expressões “queimadas na Amazônia”, “queimadas na Amazônia 2019” e coisas do gênero. Um clique e todos os resultados apontam para grandes canais como Globo.com., El País Brasil, Folha de S.Paulo, entre outros.

Imagem: captura de tela do Google

Numa breve reflexão, quero levantar três pontos.

1) Trago um primeiro ponto: qualquer pessoa que more aqui no Sul do Brasil, por exemplo, a não ser que tenha um parente no Pará, onde teria começado “o dia do fogo“, que relate o caos instalado em função dos incêndios, não tem como saber o que realmente acontece na outra ponta do País. E mesmo alguém que more numa das cidades cobertas pela nuvem de fumaça, que se deslocou por centenas de quilômetros, não tem como saber sua origem. Nesse caso, a mídia são os nossos olhos (não vou entrar aqui na questão das redes sociais), para vermos o que acontece longe de nós. Ou seja, os jornalistas estariam, de fato, cumprindo seu papel de informar.

2) Certo. O assunto foi agendado, as queimadas na Amazônia estão nas rodas mais corriqueiras de conversa. Mas e agora? O que se fala exatamente? E aqui vem meu segundo ponto: a mídia, uma vez expondo a dramática situação da maior floresta tropical do mundo, faz isso sob que vieses? Esclarece as razões da destruição acelerada da mata? Ajuda o leitor/espectador a compreender as dimensões e consequências dos estragos? Mais uma vez, parece que sim. Ainda que seja necessário o acesso a diferentes sites, numa espécie de montagem de colcha de retalhos, é possível se munir de muita informação. A evolução das queimadas, suas motivações políticas e econômicas e suas proporções, estão entre perspectivas possíveis.

3) Contudo, é preciso manter o espírito crítico e a vigilância. Ainda que o tema tenha alcançado visibilidade sob diversas abordagens, cabe questionar: por quanto tempo ele terá o interesse da mídia? Mesmo com os vários pontos levantados, somos levados a pensar nossa relação com a destruição da nossa fauna e da nossa flora? Há um nível de esclarecimento que nos permita compreender a gravidade do que acontece? As notícias conseguem fazer frente aos estragos da desinformação?

Após construir meu mosaico informativo, parece-me, infelizmente, que não. Nesse caso, é necessário um trabalho sistemático e, por que não dizer, educativo. Uma vez cessadas as queimadas, se a mídia voltar a calar e invisibilizar o tema, ficamos sem nossos olhos e ouvidos para aquilo que não é de nosso domínio e do nosso cotidiano.

Por isso, proponho um último desafio: daqui dois meses, quando eu retornar a este espaço para trazer mais reflexões, vejamos juntos o quanto dessa grande crise ambiental brasileira ainda estará sendo problematizada, se ela ainda terá espaço nobre nos grandes veículos, a fim de não cair no esquecimento. Mas não espere por mim, nem todo esse tempo. Faça, diariamente, esse exercício crítico. Ele é fundamental.
E que até lá, reste-nos alguma Amazônia.

*Ursula Schilling é jornalista, mestranda em Comunicação e Informação pela UFRGS e faz parte do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).