O desafio da cobertura ambiental para além das catástrofes

Imagem: Gustavo Ghisleni / AFP / MetSul Meteorologia

Por Débora Gallas*

Em uma das edições do Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo Ambiental, talvez há uns dez anos, lembro que uma participante perguntou às demais presentes: como sensibilizar as pessoas sobre os efeitos das mudanças climáticas no planeta com imagens que sejam mais próximas da gente? Ela gostaria de exemplos para além da imagem-síntese do aquecimento global àquela altura – a do urso polar ilhado por conta do derretimento de gelo no Ártico.

Infelizmente, neste momento, estamos rodeadas de imagens exemplares sobre a emergência climática. Após um 2023 marcado por alto volume de chuvas e inundações, novamente acompanhamos o noticiário sobre os eventos climáticos que atingem o Rio Grande do Sul. A população brasileira sabe que as mudanças climáticas são realidade porque sente na pele seus efeitos.

Mas, se nossa preocupação há dez anos era informar e sensibilizar as pessoas sobre esses riscos através do jornalismo porque ainda havia tempo hábil para buscar alternativas que reduzissem danos e impactos, nosso desafio hoje é manter o público engajado para além do bombardeio de informações catastróficas. A mera reprodução do discurso de fontes oficiais reforça essa sensação porque está associada, por um lado, à ideia de que a tragédia é imprevisível e, por outro, de que ela é inevitável.

Estes dois pontos estiveram presentes no discurso do governador do estado, Eduardo Leite, em dois momentos distintos. No ano passado, o argumento de que as chuvas pegaram o estado de surpresa chegou a ser contestado ao vivo pelo jornalista André Trigueiro na GloboNews. Agora, como repercutem os veículos locais, como GZH, Leite vem usando as redes sociais para compartilhar informes da Defesa Civil sobre o agravamento da situação em áreas de risco.

Acompanhar as falas oficiais é, obviamente, uma tarefa fundamental do jornalismo, mas é importante variar o tom da cobertura e incluir aspectos diversos que demonstrem a complexidade do problema. Isso pode ser feito através de um olhar crítico ao discurso desses atores frente a posicionamentos recentes que podem levar ao agravamento da crise climática, como o incentivo à exploração de carvão no Rio Grande do Sul, tema que foi objeto de análise recentemente neste Observatório.

Pode vir também da escuta de outras fontes, como as especialistas, como fez esta matéria de O Globo, mesmo à distância. Além de explicar a origem do fenômeno, o texto incluiu a perspectiva de entidades da sociedade civil que acompanham há anos, com preocupação, o impacto de atividades como a monocultura de soja, por exemplo, para a regulação climática da região.

Por fim, urgem coberturas que mostrem à população a necessidade de políticas públicas que se antecipem às catástrofes – e que há muitas propostas boas por aí, com origem nos próprios territórios impactados, porém sujeitas à vontade política para terem seu potencial transformador aumentado.

O 20º Acampamento Terra Livre, por exemplo, que reuniu milhares de indígenas de todo o país em Brasília na semana passada, buscou pautar a contribuição da luta indígena pelo território para a conservação dos ecossistemas brasileiros – luta essa que consequentemente reverbera em estratégias de resiliência do país frente às mudanças climáticas e à perda de biodiversidade.

Portanto, cabe ao jornalismo acompanhar esses movimentos e manter o público engajado em possíveis soluções para que não haja apenas resignação e inação diante da catástrofe.

* Jornalista, doutora em Comunicação e Informação, integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).

Quem ganha com a exploração do carvão?

Imagem: Eletrobras CGT Eletrosul

Por Eutalita Bezerra*

De acordo com o Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, que visa a “tornar públicas vozes que lutam por justiça ambiental de populações frequentemente discriminadas e invisibilizadas pelas instituições e pela mídia”, estão em andamento no Brasil, atualmente, doze conflitos gerados por termoelétricas. Um deles diz respeito ao Complexo Termelétrico de Candiota, na Campanha Gaúcha, que figurou no jornalismo nesta semana – com pompas – após anúncio da chegada de uma nova indústria.

O vultuoso investimento de R$ 420 milhões foi o grande destaque das publicações referentes ao projeto Ferroligas Candiota, que vai fabricar, no Polo Carboquímico de Candiota, uma liga metálica a partir do carvão. Em publicação veiculada no Correio do Povo do último dia 10, por exemplo, as únicas menções à questão ambiental envolvida são declaratórias e entreguistas: o governador Eduardo Leite teria afirmado que “o governo tem compromisso com o desenvolvimento sustentável, destacando a importância da responsabilidade ambiental para impulsionar a economia estadual”. O trecho destaca, ainda, que é papel do governo garantir “que a emissão de licenças ambientais seja baseada em análises detalhadas e em conformidade com a legislação”.

Do mesmo modo, o secretário do Desenvolvimento Econômico do estado foi ouvido, retomando a questão do meio ambiente. Conforme o texto, ele teria destacado “os esforços do governo para agilizar as análises relacionadas ao meio ambiente”. Já o prefeito de Candiota, Luiz Carlos Folador, teria focado sua atenção exclusivamente na possível geração de empregos. Apesar de ser tratado como tábua de salvação, é preciso destacar sempre que a exploração de carvão em Candiota traz graves problemas, além de nem sempre ser considerada uma boa opção do ponto de vista econômico.

Em 2022, o Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) publicou o Inventário de Emissões Atmosféricas em Usinas Termelétricas segundo o qual “Entre as dez usinas com mais baixa eficiência energética, cinco são movidas a carvão. Entre as piores estão Pampa Sul e Candiota III, com apenas 27% de eficiência.” Candiota III também foi considerada a usina a carvão mineral com a maior taxa de emissão entre todas as que forneceram energia ao Sistema Interligado Nacional em 2020, ano-base da pesquisa. Tudo isso colocou Candiota como um dos municípios mais emissores de gases do efeito estufa no país na mesma ocasião.

Há que se destacar, também, retomando o Mapa de Conflitos, que vários problemas de saúde e ambientais foram relatados desde a instalação das usinas termelétricas no município, culminando com a recomendação, em 2011, por parte do Ministério Público Federal, da suspensão da licença de operação de uma das usinas, além da paralisação e adequação de outras duas, pelo não cumprimento das exigências mínimas de controle da poluição emitida.
Abrir mão de tratar sobre estas questões quando se fala de Polo Carboquímico é um precedente perigoso que, nas grandes empresas de comunicação do Rio Grande do Sul, tem sido o habitual. Não se trata de negar a importância da geração de empregos e de receitas aos municípios, mas de estabelecer à custa de que isso está sendo possível.

*Jornalista, doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS e membro do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Meio Ambiente. eutalita@gmail.com.

Clima, condições de trabalho e desafios de jornalistas em coberturas

Imagem: Devido as altas temperaturas, o repórter Nicolas Córdova, da Rádio Grenal, perdeu os sentidos e caiu no chão durante transmissão ao vivo / Reprodução

Por Isabelle Rieger* e Ilza M. Tourinho Girardi**

Recentemente, durante a cobertura do evento South Summit no Cais Embarcadero de Porto Alegre, um repórter da Rádio Grenal desmaiou durante uma transmissão ao vivo, devido ao intenso calor e à ausência de ar-condicionado. Este incidente destaca as precárias condições enfrentadas pelos jornalistas, no exercício da profissão, revelando também a falta de cuidado ou mesmo negligência das autoridades em implementar planos de prevenção e enfrentamento para eventos climáticos extremos.

Porto Alegre estava vivenciando uma onda de calor, fenômeno cada vez mais frequente devido às mudanças climáticas. Em um evento que atrai milhares de pessoas e se autoproclama o maior da América Latina em inovação e empreendedorismo, é inaceitável que não tenham sido providenciadas medidas básicas para mitigar os impactos das altas temperaturas. A falta de ar-condicionado não apenas colocou em risco a saúde e segurança dos participantes, mas também expôs os jornalistas, essenciais para relatar e informar sobre tais eventos.

A segurança e bem-estar dos trabalhadores da mídia devem ser prioridades em todos os eventos, especialmente quando há conhecimento prévio de condições ambientais adversas. A prevenção de riscos deve ser parte integrante do planejamento de eventos, incluindo a provisão de infraestrutura adequada para lidar com condições climáticas extremas. Isso não apenas protege os profissionais envolvidos, mas também garante a qualidade e a continuidade da cobertura jornalística.

O caso do South Summit ressalta a importância de repensar a infraestrutura e o planejamento urbano em Porto Alegre. O Cais Embarcadero, um espaço privatizado na orla do Guaíba, exemplifica uma tendência preocupante de transformar áreas urbanas em locais voltados para o lucro e o entretenimento, em detrimento das necessidades e segurança dos cidadãos. 

A privatização desses espaços muitas vezes prioriza os interesses comerciais e ignora o bem-estar público, resultando em infraestruturas inadequadas pela falta de um olhar atento à prevenção. Durante o evento que prega inovação, houve um desmaio no primeiro dia por conta do calor extremo, e o atraso da hora de abertura no segundo dia foi devido as chuvas que assolaram a cidade. Onde está a inovação em um evento que não pensa no meio ambiente, que está na pautas das discussões em diversos fóruns justamente porque estamos vivendo uma época de emergência climática?

É imperativo que as autoridades municipais e organizadores de eventos assumam a responsabilidade pela segurança e conforto de todos os envolvidos, incluindo jornalistas. Isso requer não apenas a implementação de medidas de prevenção eficazes para lidar com condições climáticas extremas, mas também uma abordagem mais ampla e inclusiva para o planejamento urbano, que priorize as necessidades e interesses de toda a comunidade.

O desmaio ao vivo não é só uma chamada para melhorar as condições de trabalho, mas também para repensar a maneira como planejamos e gerenciamos nossas cidades e eventos. Somente por meio de uma abordagem que entenda a cidade como um bem comum e não como um local para ser vendido é que conseguiremos avançar na pauta ambiental. 

Já que estamos falando das condições de trabalho dos jornalistas em tempos de eventos extremos, podemos ressaltar a importância de os profissionais terem conhecimento sobre o que está acontecendo no mundo e quais as previsões relacionadas ao aumento da temperatura, se os países não agirem imediatamente para conter esse processo. Nesse caso não se trata de precaução, mas de tomar medidas de prevenção e cuidado por parte da prefeitura e organizadores de eventos para permitir que os jornalistas cumpram com seu papel de informar e os cidadãos tenham segurança para acessar tais espaços. Da mesma forma é necessário que as chefias que ficam nas redações pensem na saúde do repórter que vai se submeter a situações de risco.

*Isabelle Rieger é estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).

**Ilza Maria Tourinho Girardi é jornalista, professora titular aposentada/UFRGS, professora convidada no PPGCOM/UFRGS e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental CNPq/UFRGS e coordenadora do Observatório do Jornalismo Ambiental/Fabico/UFRGS.

Inteligência Artificial e o Princípio da Precaução

Imagem: Pixabay

Por Sérgio Pereira*

O assunto do momento é a Inteligência Artificial (IA) e suas consequências. Esse avanço tecnológico está em todas as redes de debates. O mundo discute questões éticas (uso indevido na produção de fake news e violação do direito de imagem), econômicas (quem vai lucrar e o que fazer com o exército de desempregados que porventura surgir?), jurídicas (as sentenças um dia ficarão a cargo dos algoritmos?), tributárias (como manter os níveis de arrecadação já que robô não paga imposto?), entre tantos outros.

Quando o assunto é jornalismo, as discussões envolvem, no momento, como aproveitar essa ferramenta no dia a dia e o quanto isso impactará na estrutura das redações. Entidades de classe se preocupam com o provável aumento no número de demissões, que já se intensificaram nos últimos dez anos no Brasil, deixando sem emprego parte considerável dos profissionais de imprensa.

Na área ambiental, por sua vez, alguns estudos já fazem a conexão entre o uso de IA e o crescimento na emissão de dióxido de carbono (CO2). O portal Earth.Org destaca pesquisa da OpenAI que estima que as emissões da indústria das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), como um todo, atinjam 14% das emissões globais no ano de 2040.

O professor Anders Nordgren, da Universidade de Linköping (Suécia), faz um alerta sobre a emissão de CO2 em treinamentos de Inteligência Artificial: “Um estudo focado explicitamente na IA como contribuinte para as alterações climáticas foi conduzido por Strubell et al. (2019). Eles investigaram a pegada de carbono de vários modelos diferentes de IA. Concluíram que as emissões variam significativamente. As maiores foram encontradas no treinamento de um modelo de IA para processamento de linguagem natural (PNL)” (2023).

Conforme Nordgren, calcula-se que o treinamento de IA resulte em cerca de 300 mil quilos de CO2e (Strubell et al., 2019). Essas emissões equivalem a, aproximadamente, 125 voos de ida e volta de Nova Iorque a Pequim (Dobbe e Whittaker, 2019).

Essas pesquisas científicas, no entanto, estão sendo ignoradas quando a discussão envolve essa nova ferramenta tecnológica, independentemente da área envolvida. Mas os jornalistas não podem deixar de considerar esses dados quando escrevem sobre o assunto.

Um dos pressupostos do Jornalismo Ambiental é o Princípio da Precaução, que já foi abordado em artigos anteriores aqui no Observatório. Conforme Girardi et al., esse princípio “amplia o tempo de ação do jornalismo, orientando-o para o futuro na tentativa de alertar e evitar consequências negativas” (2017). Girardi acrescenta que a “ampliação da divulgação de incertezas por parte do campo científico e as constatações de que não temos controle sobre as consequências de muitos processos e produtos conduziram a um olhar mais cauteloso, que levou à discussão do princípio da precaução”.

Já o “Princípio 15” da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento na Conferência das Nações Unidas, elaborado durante a Rio-92, estabelece: “Com o fim de proteger o meio ambiente, o Princípio da Precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.

Nesse sentido, devemos, a partir da preocupação com as consequências negativas do uso da IA, sem considerar os danos ao ambiente, recomendar que os jornalistas, amparados na cautela, busquem sempre aprofundar o tema e informar a sociedade sobre o impacto e os riscos inerentes do uso desse novo instrumento. É preciso contextualizar e elencar sempre os prós e contras.

Uma máxima universal estabelece que, na dúvida, não devemos ultrapassar. Essa regra, no entanto, é deixada de lado quando conveniências econômicas e políticas se tornam prioridades. E o jornalismo não pode se submeter a interesses que não coloquem a coletividade em primeiro lugar. Principalmente quando os danos forem irreversíveis, como testemunhamos agora com os trágicos efeitos das mudanças climáticas, para citar apenas um exemplo dos muitos que poderíamos relacionar aqui.

*Jornalista, servidor público, mestre em Comunicação pela UFRGS e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (UFRGS/CNPq). E-mail: sergiorobepereira@gmail.com.

Referências

GIRARDI, Ilza Maria Tourinho; LOOSE, Eloisa Beling; STEIGLEDER, Débora Gallas; BELMONTE, Roberto Villar; MASSIERER, Carine. A contribuição do princípio da precaução para a epistemologia do Jornalismo Ambiental. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p.279–291, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.29397/reciis.v14i2.2053. Acesso em: 11 mar. 2024.

NORDGREN, Anders. Artificial intelligence and climate change: ethical issues, Journal of Information, Communication and Ethics in Society, Vol. 21 Nº 1, pp (2023). Disponível em: https://doi.org/10.1108/JICES-11-2021-0106. Acesso em: 12 mar. 2024.

A importância do contexto na notícia climática

Imagem: C3S /ECMWF

Por Heverton Lacerda*

Este ano já detém a marca do janeiro mais quente da história, segundo boletim do Copérnico (C3S), programa da União Europeia (UE) que monitora mudanças climáticas, divulgado nesta quinta-feira (8) e amplamente publicado na imprensa. 

De modo geral, veículos de notícias, a exemplo de GZH (RBS), UOL Notícias, NSC Total, Bom dia Brasil (Globo), Último Segundo (IG), Metrópoles, Rádio Senado, entre outros, apenas replicaram os dados do programa da UE. No entanto, alguns trouxeram informações adicionais que ajudam a contextualizar o problema, que tem causas e consequências que podem ir muito além do que apenas o extremo aumento da sensação térmica. Embora a contextualização não esteja presente em todas as notícias, percebe-se que a pauta climática começa a fazer sentido para alguns redatores, que incrementam a divulgação de novos dados com conhecimentos já consolidados pela Ciência. 

No portal SBT News, Camila Stucaluc informa que “o cenário é preocupante, uma vez que o aquecimento acima da meta pode provocar consequências extremas para o meio ambiente e a humanidade, como o aumento de queimadas e da transmissão de doenças por mosquitos. Outra consequência é o derretimento em maior velocidade e irreversível das geleiras, fazendo com que cidades costeiras, como o Rio de Janeiro, fiquem submersas”.

O texto de Jéssica Maes, na Folha de São Paulo, traz uma informação extra que agrega valor analítico à notícia: “No entanto, uma análise de dados feita pela Folha mostrou que a Terra viveu cinco El Niños mais severos do que o atual nos últimos 70 anos. Ou seja, a temperatura global no último ano já estava muito alta, mesmo sem levar em conta a intensidade do fenômeno”. Ela ressalta que a questão não é só o El Niño, como tem aparecido em algumas divulgações. Ou seja, o próprio fenômeno climático está mais intenso em função do aquecimento do clima, que gera influência sobre ele, o El Niño. São situações relacionadas que se retroalimentam.

Na cobertura geral dos veículos de imprensa, pode-se acompanhar uma seleção de  ocorrências que se constituem como catástrofes de grandes proporções, como, por exemplo, os incêndios que destruíram centenas de casas no Chile neste mês. Na maioria das vezes, fatos como esses têm sido noticiados isoladamente, enclausurados em si só, sem referência ao contexto global e aos diversos fatores antropogênicos inter-relacionados que podem contribuir para a emergência climática. 

Rompendo essa prática reducionista, além dos dois exemplos acima, temos uma matéria da BBC News Brasil, publicada no dia 5 de fevereiro, que menciona o estresse hídrico causado pela substituição de mata nativa por lavouras para a produção de celulose no Chile. “Somando-se a isso, tanto no centro como no sul do Chile existem muitas espécies invasoras, como o pinheiro ou o eucalipto, que foram introduzidas para a produção de celulose e madeira no país”. O texto é da Fernanda Paúl.

Informações de contextos, como esses exemplos das matérias acima, da Camila Stucaluc, da Jéssica Maes e da Fernanda Paúl, são fundamentais para ajudar a população e gestores públicos a cobrar e encaminhar medidas que são essenciais para mudar o rumo destrutivo promovido pelo atual modelo socioeconômico que está contribuindo para o caos climático. Os preceitos do jornalismo ambiental se mostram, cada vez mais, muito adequados e valiosos para a cobertura de pautas climáticas, fazendo a diferença na compreensão dos fatos e dos problemas envolvidos nessa questão de âmbito planetário.

*Jornalista, ativista ambiental, especialista em Ciências Humanas, mestrando no Programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCPM/UFRGS) e presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).

A dicotomia do Brasil na COP 28 e a cobertura midiática

Imagem: Chris LeBoutillier / Unsplash

Por Janaína Capeletti*

O Brasil está presente na 28ª Conferência do Clima das Nações Unidas (ONU), a COP28, com a maior delegação entre as 195 nações participantes. São cerca de 2.400 inscrições do governo, setor privado e sociedade civil. A comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é composta por 13 ministros e outros tantos parlamentares e representantes de empresas estatais.  

O país chegou ao evento com a ambição de liderar mundialmente o enfrentamento da crise climática e de cobrar do mundo o cumprimento do Acordo de Paris. Na sessão de abertura da Conferência, o presidente do Brasil fez um discurso forte, aproveitando a oportunidade para chamar a atenção das potências mundiais pelo cumprimento de compromissos estabelecidos para o enfrentamento do aquecimento global. A imprensa repercutiu. Na CNN, a matéria “Lula critica países que ‘lucram com a guerra’ e cobra redução de combustíveis fósseis na COP28” destacou a fala do presidente cobrando os países por ações concretas de descarbonização.  

“O planeta está farto de acordos climáticos não cumpridos. De metas de redução de emissão de carbono negligenciadas. Do auxílio financeiro aos países pobres que não chega. De discursos eloquentes e vazios. Precisamos de atitudes concretas. Quantos líderes mundiais estão de fato comprometidos em salvar o planeta?”, questionou o presidente.

Além de apresentar resultados obtidos na atual gestão, como a redução do desmatamento, o evento foi palco para o lançamento mundial do Plano de Transformação Ecológica do país. Também foi anunciada a proposta de criação do Fundo Floresta Tropical para Sempre (FFTS), que proverá recursos para ajudar cerca de 80 nações detentoras de florestas, como o próprio Brasil, a conservá-las.

Contudo, já no início do evento, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, divulgou a adesão do Brasil na OPEP+, grupo estendido da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Questionado sobre a contradição entre discurso e ação, Lula disse que a participação do Brasil no cartel do petróleo será para “convencer” os países à transição energética. O mal-estar foi completado pelo presidente da Petrobrás anunciando que a empresa tem intenção em criar um braço no Oriente Médio.

As mensagens dúbias transmitidas pelo Brasil no início do evento tiveram ampla cobertura da mídia nacional e internacional. Como as matérias dos jornais Valor Econômico “Petróleo respinga em ‘liderança verde’ de Lula na COP 28“, Folha de São Paulo “Lula confirma na COP28 entrada na Opep+ para ‘convencer’ países a abandonar petróleo“, o Blog do Noblat no Metrópoles “Contradições de Lula na COP28 (por Hubert Alquéres)“, Reuters “Lula says Brazil’s participation in OPEC+ is to stop oil producers using fossil fuels“, The Guardian “Lula’s bid to style himself climate leader at Cop28 undermined by Opec move” e Le Monde “COP28: Heads of state call for action but remain divided on fossil fuels“.

Os holofotes estão sob o Brasil não à toa, o país recebeu da Climate Action Network (CAN), uma associação de 1.300 ONGs de mais de 120 países, o prêmio “Fóssil do Dia”, entregue diariamente durante a COP a alguma “personalidade”. O pesquisador Paulo Artaxo escreveu artigo para a Academia Brasileira de Ciências, comentando o fato.  

A imprensa não se absteve de apontar as incoerências da posição brasileira, contudo, sem aprofundamentos sobre as consequências de tais políticas. Dentre as exceções, a reportagem de Anna Beatriz Anjos, da Agência Pública, “Na COP28, Lula mostra lição de casa sobre Amazônia, mas reforça contradição com petróleo,” apresenta a contextualização do tema e sua repercussão. Na mesma linha, o site Sumaúma publicou uma excelente entrevista com o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que se mostra na disputa pela liderança verde na América Latina. O colombiano divulgou na COP que seu país decidiu não assinar novos contratos de exploração de carvão, petróleo e gás. E por fim, a análise da jornalista Daniela Chiaretti: “Lula equilibra pratos entre florestas e petróleo na COP 28, enquanto Gustavo Petro diz o que se quer ouvir” também apresenta com lucidez a disputa regional pelo protagonismo verde.

A crise climática que nos encontramos demonstra a urgência de ações e não de discursos. É importante que o jornalismo seja vigilante e aponte as inconsistências das posições políticas. Entre os pressupostos do jornalismo ambiental está a responsabilidade na promoção da mudança de pensamento. Engajar a sociedade por meio de informações consistentes, contextualizadas, próximas de sua realidade é dever do jornalismo e de fundamental importância no momento em que o planeta se encontra.

*Jornalista, mestranda em Comunicação na UFRGS, integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: janacapeletti@gmail.com.


As imagens da crise climática: do catastrofismo à banalização dos riscos

Imagem: Captura de tela do jornal SP1, afiliada à Rede Globo, exibido no dia 17 de novembro de 2023

Por Clara Aguiar* e Eloisa Beling Loose**

“Sextou! Véspera de feriadão e a gente está por aqui. Estamos na praia ou não estamos, Jacqueline Brazil? Faz de conta que estamos na praia nesta véspera de feriadão”, disse o jornalista Alan Severiano a sua colega de bancada. “Esse céu azul… Vai ser mais um dia quente no litoral e aqui na capital, onde as temperaturas vão ficar maiores que ontem. Previsão para hoje? 36 graus. Tá bom para você, Alan?”, respondeu Jacqueline.  

Esse foi o diálogo de abertura da edição de sexta-feira (17) do telejornal SP1, emissora paulista afiliada à Rede Globo, protagonizado pelos jornalistas enquanto entravam ao vivo no estúdio sentados em cadeiras de praia e usando óculos escuros. A cena criada em tom descontraído trazia a previsão da onda de calor que assolou diversos estados do Sudeste e Centro-Oeste na última semana – se tornando um grande exemplo do que não se deve fazer no jornalismo quando os riscos climáticos são a pauta.

A informação foi trazida com humor, fazendo referência à praia – algo culturalmente associado às férias e momentos de lazer. Contudo, as temperaturas próximas dos 40 graus, e com sensação térmica atingindo os 60 graus, acarretaram uma busca por atendimento médico. Só no Rio de Janeiro, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), as unidades de emergência e urgência atenderam uma pessoa a cada duas horas com sintomas causados pelo calor extremo durante todo o fim de semana na cidade. Foram casos envolvendo insolação, queimaduras de segundo grau devido ao uso de bronzeadores ou relacionados à combinação de doenças crônicas com o calor. 

Uma cobertura jornalística “mais leve” diante de eventos climáticos extremos não apenas flerta com o negacionismo climático como presta um desserviço à saúde pública na medida em que, ao representar as altas de temperatura de forma positiva, faz com que os cidadãos não se sintam ameaçados ou não percebam o quanto podem ser impactados com os riscos iminentes das mudanças do clima. As notícias sobre as marcas históricas de calor no Brasil têm sido ilustradas, de modo geral, por fotos de pessoas à beira-mar ou em piscinas, como observamos nas matérias publicadas pela Folha de S.Paulo “Rio bate novo recorde de calor do ano com 42,5°C neste sábado (18)”, pelo Estadão “Sensação térmica chega a 52ºC às 8h da manhã em bairro da zona oeste do Rio” e pela GZH “São Paulo registra dia mais quente do ano e Rio tem sensação térmica de 50°C”. Tais escolhas podem gerar representações e percepções de que há, enfim, algo positivo para o brasileiro na crise climática: a possibilidade de desfrutar mais dias como aqueles vividos em uma época específica, onde geralmente não é preciso trabalhar e na qual o descanso é possível.

O fato é que, para a maioria da população, refrescar-se na praia ou na piscina nem sempre é uma opção. Na rotina do dia a dia, exercer as atividades de estudo e trabalho sob altas temperaturas impacta diretamente na concentração, disposição e, consequentemente, no desempenho das atividades em razão do estresse térmico elevado. Além dos prejuízos à saúde já citados (que podem, em situações extremas, causar mortes), as altas temperaturas podem afetar de forma significativa o setor agrícola, gerando perda de alimentos e aumento dos preços. O calor extremo também está relacionado à maior ocorrência de incêndios, o que resulta em sobreposição de riscos.

Um estudo realizado pelos pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que quase todos os brasileiros percebem as mudanças climáticas e acreditam que as ações humanas são responsáveis por elas, porém nem todos entendem a gravidade da crise climática. Segundo o levantamento, 94% das pessoas sabem que estamos passando por uma mudança climática e 91% entendem que o fenômeno é causado principalmente pela atividade humana. No entanto, apenas 56% acreditam que o cenário seja grave. 

A comunicação visual da emergência climática é um dos grandes desafios que precisam ser encarados pelo jornalismo. Estudos empíricos já demonstraram que imagens ligadas às catástrofes podem ocasionar paralisia ou apatia por parte dos públicos, não os encorajando a se envolver no enfrentamento do problema. Focar em representações trágicas pode gerar um alerta imediato, mas, a depender de sua frequência e do conjunto de informações que são apresentadas, pode contribuir com a naturalização do caos. 

Por outro lado, discursos otimistas, sobretudo associados ao desenvolvimento da ciência, como a geoengenharia, tendem a reforçar a ideia de que haverá alguma saída no futuro próximo e, portanto, não precisamos nos preocupar ou mudar nosso estilo de vida agora. Aproveitar a onda de calor para curtir uma praia segue nessa lógica: enfatiza um possível “benefício”, de curto prazo e destinado a uma minoria, enquanto minimiza as reais consequências negativas, que afetam a maioria, especialmente as populações mais vulnerabilizadas, e ignoram o efeito cascata, de médio e longo prazos.

Embora não existam fórmulas sobre como ilustrar a crise climática de modo a sensibilizar as pessoas de sua urgência e gravidade, há de se ter cuidado com a banalização dos riscos que permeiam a questão. Não há como noticiar a previsão de ondas de calor de forma descontraída, sem destacar os perigos da situação e formas de preveni-los ou minimizá-los. Essa escolha imprudente, de retratar uma notícia séria com leveza, está mais preocupada em atrair audiência do que com o interesse público. Não há como reduzir a solução das temperaturas extremas a um mergulho. Repensar as imagens que ilustram a cobertura climática é responsabilidade de todos aqueles que se comprometem com a acurácia da informação. 

*Clara Aguiar é estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: claraaguiar14@hotmail.com.

**Eloisa Beling Loose é jornalista e pesquisadora na área de Comunicação de Riscos e Desastres. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: eloisa.beling@gmail.com.

A causa da tragédia é o El Niño. Será?

Nasa capta imagem do El Niño / Imagem: Sentinel-6 Michael Freilich/Nasa

Por Clara Aguiar* e Eloisa Beling Loose**

Em toda a sua extensão, o Brasil tem vivenciado uma série de ocorrências de eventos climáticos extremos. Enquanto o Rio Grande do Sul tenta se recuperar após a passagem de nove ciclones em apenas três meses, estados da Região Norte enfrentam uma das mais graves estiagens de sua história. Os rios da região amazônica estão se transformando em bancos de areia, minando as possibilidades de deslocamento das populações — não é possível ir à escola nem aos postos de saúde. No Rio Negro, as embarcações encalham, prejudicando o abastecimento de água potável e alimento para os ribeirinhos. O combustível também não chega para fins de iluminação. Em outros pontos, a baixa profundidade e o aquecimento das águas têm causado a mortandade de peixes e mamíferos aquáticos, como no Lago Tefé em que mais de 100 botos foram encontrados mortos. Soma-se a isso a facilidade de expansão dos focos de incêndio em razão das temperaturas, estiagem e descida do nível das águas dos rios.

Esse cenário observado nos últimos meses pode, em parte, ser atribuído à influência do El Niño, caracterizado pelo aumento de chuvas no sul e secas prolongadas no norte e nordeste, combinado com o aquecimento do Oceano Atlântico Norte. Os dois fenômenos inibem a formação de nuvens e chuvas no Norte do País, o que acentua as características típicas do chamado “verão amazônico”, que costuma ser mais seco. Entretanto, de acordo com especialistas, a intensificação desses fenômenos precisa ser vista a partir de um contexto mais amplo, de transformação do ambiente e alteração do que até então se conhecia sobre o clima.

No caso da seca histórica que afeta os estados da Região Norte, a combinação do desmatamento e das queimadas na Floresta Amazônica tem relação direta, pois prejudicam a capacidade que o bioma possui de produzir umidade e de reter gases do efeito estufa. Por conta disso, a região se torna mais suscetível aos mais variados tipos de desastres climatológicos. Carlos Nobre, climatologista, explica que a seca, quando somada ao desmatamento da região, desregula o oferecimento de chuvas e prolonga esse período: “Em todo o sul da Amazônia, nós temos mais de 35% de áreas desmatadas e degradadas. Durante a estação seca, a Amazônia recicla muita água, cerca de 4,5 mm de água por dia. São 4,5 litros de água por metro quadrado de floresta. Já na pastagem muito degradada, ela recicla no máximo 1,5 mm. Com isso, há menos vapor de água na atmosfera, menos chuva durante a estação seca”.

Desde agosto — quando a seca no Amazonas ganhou repercussão nacional — o Portal g1 tem realizado a cobertura dos impactos no âmbito social, econômico e ambiental. No entanto, percebe-se que ao focalizar nos efeitos imediatos, o g1 acaba por não relacionar a situação com o desmatamento e com a crise do clima. 

Foram analisadas 47 notícias publicadas no período de 1º de agosto a 3 de outubro de 2023. O filtro das matérias foi realizado no buscador disponível no site do g1, por meio das palavras-chave “seca”, “estiagem” e “Amazonas”. 

Desse total, apenas quatro notícias estabelecem uma conexão entre o evento extremo de seca e as mudanças climáticas. São elas: “Especialistas analisam causas dos fenômenos climáticos catastróficos dos últimos meses no planeta”; “Seca fora do normal em rios da Amazônia tem relação com El Niño e aquecimento do Atlântico Norte; entenda” (traz uma citação da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva); “Sem água na torneira, comida mais cara: o suplício das famílias em seca histórica na Amazônia” (apresenta a análise de José Genivaldo Moreira, doutor em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos e professor da Universidade Federal do Acre); e “Temperatura em lago no AM chegou a 40ºC em dia com pico de morte de botos; instituto soma 125 mortes” (entrevista Miriam Marmontel, líder do Grupo de Pesquisas em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Instituto Mamirauá).

Além disso, verificou-se que o enquadramento predominante é sobre os efeitos imediatos, sem trazer uma contextualização que relacionasse a degradação do bioma com o agravamento da estiagem. Quando há uma tentativa de explicação sobre as causas do problema, detém-se em mencionar a combinação de fatores naturais, construindo uma (falsa) ideia de inevitabilidade. Como ocorre nas matérias “Seca no Amazonas deixa cidade em emergência, afeta navegação e dificulta acesso a água potável”, que traz uma nota da Defesa Civil atribuindo a intensificação da seca e o aquecimento anormal nas águas somente ao fenômeno El Niño, e “O que é o fenômeno El Niño e como ele vai afetar o inverno”, que chega a afirmar em determinado trecho do texto que não há nenhuma relação entre El Niño e o aquecimento global, embora na sequência diga que as mudanças climáticas podem alterar fenômenos como esse. A afirmação é dúbia e gera desinformação. Especialistas já apontam o aquecimento global como um fator determinante da frequência e da intensidade do fenômeno. Tal abordagem invisibiliza o debate da responsabilidade da atuação humana no desequilíbrio climático.

A devastação da floresta é um propulsor da emergência climática, que tende a ser mais sentida justamente por aqueles que dependem diretamente da natureza para sua sobrevivência e não conseguem manter seus modos de vida. Com um tempo mais seco e escassez de água, os incêndios terão mais chance de se propagar e alimentar ainda mais o contexto de superaquecimento ou fervura climática. Uma crise humanitária, com aumento de doenças respiratórias decorrentes das queimadas, e falta de água e comida, está em curso. Mais de 170 mil pessoas já foram impactadas e outras ainda deverão ser atingidas, pois a previsão é de um processo longo e intenso. 

O Jornalismo tende a reportar os desastres longos, como é o caso das secas, quando se evidenciam situações-limite em que a possibilidade de ação está na fase de resposta, dificultando a cobrança por ações de mitigação e prevenção a partir da invisibilidade, do apagamento da questão na agenda pública. Diante das manifestações frequentes da crise ambiental, cabe aos jornalistas incluírem o clima como valor-notícia não apenas na cobertura dos extremos, mas no rol das pautas cotidianas. Só assim poderemos conectar causas e consequências, e, tomara, agir sobre o planeta de forma mais responsável.

*Estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: claraaguiar14@hotmail.com.

**Jornalista e pesquisadora na área de Comunicação de Riscos e Desastres. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: eloisa.beling@gmail.com.

Estamos preparados para as consequências das mudanças climáticas?

Imagem: Silvio Avila/Getty Images

Por Carine Massierer*

A pergunta pode gerar choques, mas parece que alguns seres humanos só conseguem realmente crer que as mudanças climáticas já fazem parte do cotidiano quando ciclones, vendavais e outros eventos climáticos batem às suas portas e causam prejuízos materiais, emocionais ou levam vidas. Isto é o que tem ocorrido no mês de setembro, no Rio Grande do Sul, e as notícias sobre o tema tomam contam das manchetes em rádios, jornais, canais televisivos e até na Internet, como aparece na imagem abaixo:

Imagem: Print da página inicial do buscador Bing.com

Uma dessas notícias é a publicada em 26 de setembro no Site G1 (Setembro é o mês mais chuvoso de Porto Alegre em 107 anos, aponta Inmet | Rio Grande do Sul ), que mostra que este mês já é o mais chuvoso em 107 anos em Porto Alegre, capital gaúcha. A fonte da informação é o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), que aponta como maior índice desde 1916, quando a medição passou a ser registrada. Em 1941, a precipitação pluviométrica chegou a 405,5 mm e, em 2023, até o dia 26 de setembro, está em 413,8mm. As informações acabam deixando as pessoas apreensivas e o total de atingidos pelos desastres aumenta a cada dia.

O número de pessoas afetadas pelas enchentes tem se ampliado e uma das matérias que chama a atenção para isso é a publicada na Folha de São Paulo em 24 de setembro: Chuva: Registro de desastres foi recorde em 2022 no Brasil – 24/09/2023 – Ambiente – Folha (uol.com.br). Segundo dados da Defesa Civil Nacional, que dão origem a esse texto do jornal, as chuvas atingiram o maior índice em 2022, num período de dez anos. A matéria é muito bem elaborada e contém uma análise sobre o aumento de vítimas e a ligação com momentos em que ocorreram eventos extremos. Além disso, os jornalistas entrevistaram um professor da Universidade de São Paulo (USP), um meteorologista, o coordenador de articulação política da Frente Nacional dos Prefeitos eapresentaram dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), do Ministério da Ciência e Tecnologia, dentre outras fontes de informação. O texto é informativo, qualificado e um alerta que aponta, inclusive, que os dados de 2023 ainda não estão consolidados, mas que, pelo andar das coisas, é um ano em que alguns estados, especialmente o Rio Grande do Sul, vêm sendo destroçados pelo poder das chuvas intensas.

E não fomos avisados disto? Sim, fomos, pelos pesquisadores brasileiros e mundiais, pelos ambientalistas, há mais de 50 anos, e pela imprensa nas últimas décadas. Nesta matéria de março de 2023, de GZH (Qual a diferença entre El Niño e La Niña?), já haviam informações sobre as intercorrências causadas pelo La Niña e que o El Niño passaria a alterar os padrões climáticos neste ano, o que já havia sido anunciado em final de 2022 pela Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera dos Estados Unidos (NOAA, na sigla em inglês).

Se, desde 2022, os anúncios foram feitos, de fato espera-se que não só os governos se preparem para a adaptação e mitigação da crise climática, mas também cada ser humano faça a sua parte. No momento atual, estamos vivenciando as mudanças climáticas, mas, na prática, nem criamos o diálogo e entendimento de que a Comunicação de Riscos é peça chave na gestão de risco em âmbito público, privado e governamental, e nem pensamos em estratégias para a adaptação e mitigação climáticas a curto, médio e longo prazo.

Há muito para fazer, mas o importante é arregaçar as mangas e começar a tratar e dialogar, de forma séria e centrada, sobre as mudanças climáticas, para dirimir as consequências avassaladoras para a vida na Terra.

Leia mais em: La comunicación del cambio climático, una herramienta ante el gran desafío.

*Jornalista, especialista em Marketing e mestre em Comunicação e Informação pela UFRGS e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).

Ciclone extratropical repete a pergunta: onde está a prevenção?

Roca Sales depois da chuva / Imagem: Guilherme Hamm/Secom

Por Cláudia Herte de Moraes* e Taís Busanello**

A frequência de grandes ciclones tropicais aumentou nas últimas quatro décadas, segundo o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) (2021). Estudos sobre eventos extremos concluíram que temos alta confiança de que “a mudança do clima causada pelo homem aumenta a precipitação intensa associada a ciclones tropicais”. Neste início de setembro, um ciclone extratropical foi a principal causa de inundações, chuvas intensas, granizo e vendavais que afetaram 98 municípios gaúchos, causando 47 mortes confirmadas em 12 de setembro (ainda há desaparecidos), cerca de 5 mil desabrigados e 20 mil desalojados. Considerada a maior tragédia natural em 40 anos, a destruição e a calamidade saltam aos olhos. Assim como a falta de prevenção.

No jornalismo gaúcho e nacional, vivemos o impacto da super notícia, em que há a proliferação de matérias sobre um fato, destacando especialmente o sofrimento humano e as perdas e danos relacionados. O valor-notícia desta tragédia coletiva exigiu uma ampla cobertura midiática para atender o interesse público. Contudo, exigiria também a apuração de informações em mais camadas para a mobilização do necessário debate público sobre os meios possíveis de tornar as cidades resilientes aos efeitos das mudanças climáticas.

Tendo isso em conta, ao analisar a cobertura da revista Veja sobre as cheias de 2010 no Sul e Sudeste, pesquisadoras afirmam que “a tarefa do jornalismo seria observar e atuar de forma ativa na crítica à realidade”, abordando desastres de grande magnitude com políticas recentes sobre a situação da habilitação das populações vulneráveis. (MORAES, GIRARDI, 2011, p.11).

Desta forma, o destaque deste comentário semanal está no papel do jornalista ambiental frente aos acontecimentos dramáticos no que concerne a explanação das problemáticas e questões ao poder público, considerando o dever jornalístico, principalmente em cobertura de eventos extremos, de ser “política, social e culturalmente engajado” (BUENO, 2007, p. 36).

Trazemos aqui o exemplo do jornalista André Trigueiro (Globo News), com 30 anos de experiência na cobertura de temas ambientais, incluindo os eventos climáticos extremos e os consequentes desastres enfrentados pela sociedade, crescentes em quantidade e potência destrutiva nas duas últimas décadas. É um dos raros profissionais preocupados com a cultura da prevenção, definitivamente esquecida por nossos governantes. No vídeo que viralizou após a reação do governador Eduardo Leite, de acusar o jornalista de ter falta de empatia, Trigueiro apenas exercia a função autorizada pela sociedade aos jornalistas: a de perguntar, inclusive as questões que não vão agradar o poder constituído. Porque é um dever ético do jornalismo checar as informações junto aos órgãos e fontes do poder público, a fim de que esclarecimentos sejam prestados, ainda mais importante considerando-se a perspectiva de prevenção e de redução de danos.

Os alertas sobre as previsões meteorológicas que subsidiam as ações de prevenção foram dadas, inclusive desmentindo outra fala infeliz do governador gaúcho. Tanto que, se houve alguma falta de prevenção governamental diante dos alertas de chuvas extremas no acontecimento do ciclone deste início de mês, o Ministério Público está apurando o papel dos órgãos públicos na fase anterior ao desastre.

A tragédia motiva a reflexão também sobre como os cidadãos devem atuar quanto aos riscos. Com estreia nesta semana, um novo programa do jornal Brasil de Fato RS vai discutir diretamente o tema: Mudanças climáticas e eventos extremos, estamos preparados?. Também é preciso reivindicar das autoridades públicas uma gestão de riscos, ações pré-desastres para além do socorro após o caos se instalar. Enfim, uma visão de médio e longo prazos. O artigo publicado no Brasil de Fato RS traz importante discussão: o que falta para a declaração de emergência climática no estado? Neste sentido, recomendamos acompanhar a audiência pública sobre mudança climática no RS, dia 18 de setembro, proposta pelo deputado estadual Matheus Gomes (PSol).

O jornalismo questiona, mobiliza, esclarece. Aos jornalistas, cabe o incentivo para cobrir os temas ambientais e dos riscos considerando o princípio da precaução, que converge numa perspectiva de prevenção. Por isso, o papel do jornalismo é fiscalizar o cumprimento das ações estabelecidas nos planos de adaptação e de mitigação às mudanças climáticas dos estados, dos municípios e do país como um todo. E mais: a sociedade carece da circulação de informações completas sobre as medidas para conter o aumento da temperatura global muito além da descarbonização dos setores econômico-produtivos maiores responsáveis pela emissão dos gases de efeito estufa. Dessa maneira, é preciso relacionar a cobertura dos desastres aos temas da mitigação e da adaptação como ações preventivas aos efeitos das mudanças climáticas. São necessárias respostas e soluções de e para toda a sociedade. 

 * Jornalista, doutora em Comunicação e Informação, professora na UFSM, Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: claudia.moraes@ufsm.br

** Estudante de Jornalismo na UFSM, bolsista de Iniciação Científica.  E-mail: tais.busanello@acad.ufsm.br

Referências

BUENO, Wilson da Costa. Jornalismo Ambiental: explorando além do conceito. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 15, p. 33-44, jan./jun. 2007. Editora UFPR.

MORAES, Cláudia Herte de; GIRARDI, Ilza Maria Tourinho. As Cheias de 2010 na Revista Veja: a Narração Jornalística Diante do “Inesperado”. Revista Ação Midiática – Estudos em Comunicação, Sociedade e Cultura Universidade Federal do Paraná Programa de Pós Graduação em Comunicação Vol 1. Nº 2. Ano 2011. Disponível em: < https://revistas.ufpr.br/acaomidiatica/rt/metadata/26422/17636 > Acesso em: 12 set. 2023