Ciclone extratropical repete a pergunta: onde está a prevenção?

Roca Sales depois da chuva / Imagem: Guilherme Hamm/Secom

Por Cláudia Herte de Moraes* e Taís Busanello**

A frequência de grandes ciclones tropicais aumentou nas últimas quatro décadas, segundo o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) (2021). Estudos sobre eventos extremos concluíram que temos alta confiança de que “a mudança do clima causada pelo homem aumenta a precipitação intensa associada a ciclones tropicais”. Neste início de setembro, um ciclone extratropical foi a principal causa de inundações, chuvas intensas, granizo e vendavais que afetaram 98 municípios gaúchos, causando 47 mortes confirmadas em 12 de setembro (ainda há desaparecidos), cerca de 5 mil desabrigados e 20 mil desalojados. Considerada a maior tragédia natural em 40 anos, a destruição e a calamidade saltam aos olhos. Assim como a falta de prevenção.

No jornalismo gaúcho e nacional, vivemos o impacto da super notícia, em que há a proliferação de matérias sobre um fato, destacando especialmente o sofrimento humano e as perdas e danos relacionados. O valor-notícia desta tragédia coletiva exigiu uma ampla cobertura midiática para atender o interesse público. Contudo, exigiria também a apuração de informações em mais camadas para a mobilização do necessário debate público sobre os meios possíveis de tornar as cidades resilientes aos efeitos das mudanças climáticas.

Tendo isso em conta, ao analisar a cobertura da revista Veja sobre as cheias de 2010 no Sul e Sudeste, pesquisadoras afirmam que “a tarefa do jornalismo seria observar e atuar de forma ativa na crítica à realidade”, abordando desastres de grande magnitude com políticas recentes sobre a situação da habilitação das populações vulneráveis. (MORAES, GIRARDI, 2011, p.11).

Desta forma, o destaque deste comentário semanal está no papel do jornalista ambiental frente aos acontecimentos dramáticos no que concerne a explanação das problemáticas e questões ao poder público, considerando o dever jornalístico, principalmente em cobertura de eventos extremos, de ser “política, social e culturalmente engajado” (BUENO, 2007, p. 36).

Trazemos aqui o exemplo do jornalista André Trigueiro (Globo News), com 30 anos de experiência na cobertura de temas ambientais, incluindo os eventos climáticos extremos e os consequentes desastres enfrentados pela sociedade, crescentes em quantidade e potência destrutiva nas duas últimas décadas. É um dos raros profissionais preocupados com a cultura da prevenção, definitivamente esquecida por nossos governantes. No vídeo que viralizou após a reação do governador Eduardo Leite, de acusar o jornalista de ter falta de empatia, Trigueiro apenas exercia a função autorizada pela sociedade aos jornalistas: a de perguntar, inclusive as questões que não vão agradar o poder constituído. Porque é um dever ético do jornalismo checar as informações junto aos órgãos e fontes do poder público, a fim de que esclarecimentos sejam prestados, ainda mais importante considerando-se a perspectiva de prevenção e de redução de danos.

Os alertas sobre as previsões meteorológicas que subsidiam as ações de prevenção foram dadas, inclusive desmentindo outra fala infeliz do governador gaúcho. Tanto que, se houve alguma falta de prevenção governamental diante dos alertas de chuvas extremas no acontecimento do ciclone deste início de mês, o Ministério Público está apurando o papel dos órgãos públicos na fase anterior ao desastre.

A tragédia motiva a reflexão também sobre como os cidadãos devem atuar quanto aos riscos. Com estreia nesta semana, um novo programa do jornal Brasil de Fato RS vai discutir diretamente o tema: Mudanças climáticas e eventos extremos, estamos preparados?. Também é preciso reivindicar das autoridades públicas uma gestão de riscos, ações pré-desastres para além do socorro após o caos se instalar. Enfim, uma visão de médio e longo prazos. O artigo publicado no Brasil de Fato RS traz importante discussão: o que falta para a declaração de emergência climática no estado? Neste sentido, recomendamos acompanhar a audiência pública sobre mudança climática no RS, dia 18 de setembro, proposta pelo deputado estadual Matheus Gomes (PSol).

O jornalismo questiona, mobiliza, esclarece. Aos jornalistas, cabe o incentivo para cobrir os temas ambientais e dos riscos considerando o princípio da precaução, que converge numa perspectiva de prevenção. Por isso, o papel do jornalismo é fiscalizar o cumprimento das ações estabelecidas nos planos de adaptação e de mitigação às mudanças climáticas dos estados, dos municípios e do país como um todo. E mais: a sociedade carece da circulação de informações completas sobre as medidas para conter o aumento da temperatura global muito além da descarbonização dos setores econômico-produtivos maiores responsáveis pela emissão dos gases de efeito estufa. Dessa maneira, é preciso relacionar a cobertura dos desastres aos temas da mitigação e da adaptação como ações preventivas aos efeitos das mudanças climáticas. São necessárias respostas e soluções de e para toda a sociedade. 

 * Jornalista, doutora em Comunicação e Informação, professora na UFSM, Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: claudia.moraes@ufsm.br

** Estudante de Jornalismo na UFSM, bolsista de Iniciação Científica.  E-mail: tais.busanello@acad.ufsm.br

Referências

BUENO, Wilson da Costa. Jornalismo Ambiental: explorando além do conceito. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 15, p. 33-44, jan./jun. 2007. Editora UFPR.

MORAES, Cláudia Herte de; GIRARDI, Ilza Maria Tourinho. As Cheias de 2010 na Revista Veja: a Narração Jornalística Diante do “Inesperado”. Revista Ação Midiática – Estudos em Comunicação, Sociedade e Cultura Universidade Federal do Paraná Programa de Pós Graduação em Comunicação Vol 1. Nº 2. Ano 2011. Disponível em: < https://revistas.ufpr.br/acaomidiatica/rt/metadata/26422/17636 > Acesso em: 12 set. 2023

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