GIDDENS, Anthony. A política da mudança climática. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
Professor emérito da London School of Economics aposta na ação sistemática e articulada para superar o desafio imposto pelas mudanças ambientais
A entrada de Anthony Giddens na dicussão sobre mudanças climáticas tem valor simbólico e prático. Primeiro, porque a defesa de uma ação contundente e multisetorial feita por ele merecerá ampla atenção. Além disso, as ideias apresentadas em “A política da mudança climática”, publicado agora no Brasil pela Editora Zahar, podem servir como um passo importante diante do diagnóstico de urgência da problemática. E por mais que fique claro um cenário de “crise ambiental”, Giddens não opta pelo catastrofismo, ao qual faz sérias ressalvas. Prefere sublinhar o aspecto paradoxal da questão, contornando o desenho pessimista com a perspectiva do risco, para que a estimativa de futuro não se perca em meio ao conjunto de desconfiados do presente.
O livro, dividido em nove capítulos, considera diversos documentos internacionais e avalia os ‘resultados’ de encontros globais sobre o tema. No andar da discusssão, Giddens reflete, ainda, sobre algumas experiências específicas, em especial em países da União Européia. Mesmo admitindo que o tema exige um agir combinado, considera que estamos diante de uma equação difícil: englobar indivíduos, empresas, organizações e setor público é um belo exercício. Para resolução, Giddens opta por demonstrar, em vários momentos do livro, porque o Estado é um ator fundamental e deve ser protagonista da convergência. E ao detalhar que papel pensa para os governos, não hesita em mostrar que pouco ou nada foi feito para alterar hábitos e modelos que podem nos conduzir a uma catástrofe de proporções épicas.
Mesmo com as aspirações já partilhadas em torno da limitação do aquecimento global, Giddens mostra em seu livro a ausência de políticas concretas e de análises bem desenvolvidas, seja em âmbitos nacionais ou internacionais. Na crítica, não poupa os países desenvolvidos, historicamente quem mais contribuiu e dos quais se espera um corte drástico nas emissões de gases nocivos, bem como na promoção de políticas claras de eficiência energética, sustentabilidade e convergência política. Para o autor, por hora as iniciativas mais relevantes têm brotado de ações pessoais e da energia da sociedade civil.
O grande foco do livro está em como manter uma política de mudança climática contínua, na qual o Estado seja o grande motivador e assegurador, no sentido de viabilizar e estimular os grupos que atuarão. Em seu esforço de mostrar o caminho possível, Anthony Giddens defende com argumentos sólidos a volta de um planejamento, da visão de longo prazo e a abertura para um novo mundo, no qual o petróleo não mais ditará a política mundial. A resposta é complexa e nunca será alcançada de forma isolada, o que leva o autor a resgatar o sentido de uma comunidade internacional e da possibilidade de governança global partilhada. Se não nos arriscarmos a ir em busca dessa nova sociedade, constata, nada mais dará resultado.
Verde, ma non troppo
Giddens não é ambientalista. Por operar em termos de paradoxos, considerando o conflituoso, até faz ressalvas a algumas questões que envolvem o movimento verde. Não deixa de ressaltar que o setor é a principal fonte de reflexão filosófica sobre os objetivos da luta contra a mudança climática e que deve ser considerado. Propõe, no entanto, uma revisão de conceitos hoje bastante populares, como o “princípio da precaução”. Sem retirar seu caráter positivo, Giddens tenta mostrar como adaptá-lo para a prática política, uma vez que, na grande maioria dos casos, esses conceitos não tem conseguido superar a barreira da política ortodoxa. As perspectivas da “sustentabilidade” e do “poluidor pagador” entram no debate também, na argumentação em favor da análise de riscos, no estado assegurador, na convergência política e econômica e pela ótica da evidenciação: é preciso colocar a mudança climática em primeiro plano.
Na mesma linha, o livro tenta reverter algumas preocupações para as positividades do cenário, como momento oportuno para uma verdadeira transparência política, para a avaliação das vulnerabilidades, uma atribuição equitativa das responsabilidades nos cortes de emissões e uma adaptação proativa. Para cada um dos elementos Giddens traz exemplos que começam a dar algum sinal no horizonte. É verdade que, até por sua formação e atuação, boa parte deles está localizado na Europa. Por outro lado, é justamente desses países, assim como dos Estados Unidos e da China, que o autor vai cobrar mais duramente uma ação. E apesar de defender que as sociedades liberais favoreceram o desenvolvimento científico, por exemplo, ele é categórico ao conclamar “um maior intervencionismo do estado pelo fracasso da desregulamentação e a predileção pelo curto prazo” (p.125). Planejar é urgente, os governos e os mecanismos de mercado precisam de um novo papel. Segundo ele, a política ambiental deve ser a corrente dominante, transversalmente introduzida em todos os órgãos de um governo.
Alguns pontos merecerão tensionamentos, em especial por uma certa ‘filiação’ por vezes tecnocrática demais. Um exemplo: considerando que não importa a origem das emissões, que os efeitos são globais, podemos repensar criticamente a ideia de Giddens sobre o imperativo do crescimento para os países pobres e/ou em desenvolvimento. Certamente cabe considerar soluções que não impliquem em permissão de emissões desenfreadas em troca de um possível ‘resultado econômico’. É algo até contraditório na consistência de outros tantos argumentos apresentados pelo autor. O corte drástico e imediato, sim, está localizado nos países do norte, principalmente. O já estimado impacto primeiro nos países pobres, porém, poderia ser considerado em conjunto com as possibilidades locais de desenvolvimento, apesar de estar claro que a pobreza extrema é um grave risco. Giddens lembra, ainda, do grande desafio brasileiro que é acabar com o desmatamento, causa global de cerca de 25% das emissões. O Brasil pode se tornar paradigmático na questão caso modifique os modos predatórios de utilização do solo, afirma.
Converência global
Nas partes finais do livro, Giddens retoma um dos pontos centrais do que ele chama de política da mudança climática. Até agora as abordagens em torno da problemática têm criado pormenores e matizes diversos, não há algo de sólido para construir um caminho passível de ser adotado. Por isso, diz ele, a eficiência e a segurança energética são a chave para a adaptação proativa defendida na obra. E é uma questão que tem sido negligenciada nos debates. Considerando a atual geopolítica das alterações do clima e o cenário de riscos possível de ser visualizado, Giddens não vê outra jogada em um momento tão crucial. O dilema partilhado por todos é de como conciliar a mudança climática com a política energética, com apoio popular contínuo e com a economia. E como levar as pessoas a admitirem os riscos reais e prementes? Giddens procura mostrar que, no pouco tempo que temos, resta somente reduzir substancialmente as dependências danosas que alavancaram o modelo energético hegemônico e destrutivo, dividindo responsabilidades e vigilância. O que deve esquentar, em seu entendimento, é a positividade da oportunidade única que um modelo de baixo teor de carbono oferece, inclusive em prol de um mundo mais cooperativo.
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Anthony Giddens é inglês (Londres, 1938). Teórico pioneiro da “terceira via”, tem mais de vinte livros publicados. Atuou como assessor do primeiro-ministro britânico Tony Blair e é professor emérito da London School of Economics and Political Science. Saiba mais.
Leia a apresentação de Sérgio Besserman Vianna para a obra.
Outras informações sobre o livro.
Entrevista sobre o livro – Folha de S. Paulo, 23.03.2009
Vídeos (em inglês)