
Por Débora Gallas*
Proferida em 26 de junho, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determina a remoção proativa de conteúdos ilegais pelas plataformas digitais deu novo fôlego à discussão sobre os limites e responsabilidades desses serviços. No jornalismo ambiental, que se baseia no princípio da precaução, o tempo das redes é incompatível com o do bom exercício profissional. Assim, a tensão entre o jornalismo e as big techs já mereceria atenção porque a lógica das redes confunde, distrai e aliena, prejudicando o entendimento sobre a complexidade do mundo e sobre a conexão entre os fenômenos.
Contudo, há também um impacto material que precisa ser repercutido pelo jornalismo: a infraestrutura necessária para processar o volume cada vez maior de dados compartilhados através de plataformas como Facebook, Instagram, TikTok, X e Youtube – potencializados pela popularização da inteligência artificial generativa.
Por isso, é oportuna a série de reportagens “A boiada da IA”, do site The Intercept Brasil em colaboração com a AI Accountability Network, iniciativa do Pulitzer Center. Assinado por Laís Martins, o especial investiga o impacto de projetos para instalação de data centers no Brasil. Os data centers são edificações que demandam uso intensivo de recursos naturais – da energia para que suas máquinas sejam capazes de atender aos comandos dos usuários de serviços digitais à água para resfriar os equipamentos.
A quarta reportagem da série, publicada em 23 de junho, revela o projeto de instalação de data center no município gaúcho de Eldorado do Sul, que teve mais de 80% das residências atingidas pelas inundações de maio de 2024. Chama a atenção a aquisição, pela empresa Scala AI, de terreno fora da área de risco de alagamento enquanto a população afetada pelo desastre segue no aguardo de moradias em lugar seguro. O poder público, por sua vez, se limita a comemorar a transformação do município em um polo tecnológico.
Segundo a quinta reportagem, publicada em 3 de julho, um projeto de data center no município cearense de Caucaia estima que o consumo diário de energia das instalações será equivalente ao consumo diário residencial de 2,2 milhões de brasileiros. Quem assina oficialmente o projeto é a empresa Casa dos Ventos, mas investigação anterior do site apontou que a empresa chinesa ByteDance, dona do TikTok, é quem irá ocupar as instalações.
A reportagem acerta ao ponderar a alegação da Casa dos Ventos de que o abastecimento de energia será realizado por parques eólicos e solares. Afinal, o fato de a geração de energia não causar a emissão de gases de efeito estufa não significa geração sem impactos ambientais. É papel do jornalismo se debruçar sobre as consequências, na vida da população, de iniciativas do setor privado e de decisões políticas que as corroboram.
Por isso, mais investigações jornalísticas são bem-vindas para ajudar o público a dimensionar a crescente presença da inteligência artificial e das plataformas digitais em nosso cotidiano – inclusive suas repercussões ambientais.
*Jornalista, doutora em Comunicação e Informação, vice-líder do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: deborasteigleder@gmail.com.
