A tempestade do século e o aquecimento global

Foto: NOAA

Por Patrícia Kolling*

Nesta semana, o furacão Melissa, com ventos de até 298 km/h, atingiu a Jamaica, República Dominicana, o Haiti e Cuba. No dia 28 de outubro, quando o furacão estava chegando na Jamaica e nos dias que antecederam, a imprensa brasileira deu espaços significativos ao fenômeno, trazendo informações técnicas para que o leitor compreendesse o furacão, com dados sobre a escala e velocidade dos ventos.

Na Uol, o leitor encontrava alternativas para acompanhar o fenômeno em tempo real. Muitas notícias destacavam o fato do furacão atingir a escala 5, o nível máximo de intensidade, e na Jamaica, ter sido o mais forte a atingir o solo na costa do Atlântico em 90 anos.

Os dados eram assustadores, e os textos jornalísticos faziam questão de ressaltar isso. A previsão era de que o furacão atravessasse a Jamaica de ponta a ponta e a Cruz Vermelha Internacional alertava para um “impacto massivo”. Cerca de 1,5 milhão de pessoas – metade da população da ilha – deveria ser afetada direta ou indiretamente. Tanto que, em uma das matérias, um morador da Jamaica entrevistado dizia não acreditar que iria sobreviver, portanto não sairia de sua casa. As previsões se confirmaram, e a tempestade, considerada a maior do mundo, causou muita destruição e mortes.

A Folha de São Paulo trouxe informações técnicas sobre velocidades dos ventos, áreas que seriam atingidas e as ações da Defesa Civil para tirar as pessoas da região e protegê-las. A Folha também reproduziu um texto do Washington Post, ‘Caçadores de Furacões’ sobrevoam olho do Melissa no Caribe; um relato de um meteorologista que junto com outras 18 pessoas voou sobre o olho do furacão, e narrou a perfeição meteorológica do fenômeno.

Acredito que os meios jornalísticos precisavam, sim, apresentar os dados concretos da gravidade do fenômeno, porém, senti que foram além disso, ao fazer do fato um espetáculo sem precedentes, beirando ao sensacionalismo.
Mas, foi na National Geographic Brasil, que encontramos a relação entre o aquecimento global e o aumento dos furacões de categoria 5. “O furacão Melissa se intensificou rapidamente ao se arrastar sobre águas oceânicas excepcionalmente quentes, cerca de 1,4 °C mais quentes que a média, algo até 700 vezes mais provável devido às mudanças climáticas causadas pelo homem”, informa a Climate Central (entidade independente de cientistas e jornalistas que pesquisa informações sobre mudanças climáticas e seus impactos).

(…) “Quanto mais quente estiver o oceano, mais combustível haverá para os furacões se intensificarem, desde que outras condições atmosféricas (como o cisalhamento do vento) também sejam favoráveis”, informa a NOAA.

Senti falta desta conexão entre o furacão e as mudanças climáticas na maioria dos textos que li. É mais que urgente que o jornalismo traga essas relações contextuais ao falar de fenômenos climáticos. É preciso dizer que a intensificação destes acontecimentos tem relação com as mudanças climáticas, entre elas o aquecimento, e que a responsabilidade está na emissão de combustíveis fósseis e de poluentes.

Rio Negro, Jamaica. Antes do Furacão Melissa (Reprodução/X)
Rio Negro, Jamaica. Depois do Furacão Melissa. (Reprodução/X)

Coincidentemente, nesta semana a ONU apresentou o Relatório Síntese das Contribuições Nacionalmente Determinadas de 2025 (NDC Synthesis Report 2025), consolidando as metas climáticas apresentadas pelos países entre janeiro de 2024 e setembro de 2025. Os dados não são nada animadores, pois o relatório diz que, conforme as metas apresentadas pelos países signatários do Acordo de Paris, o corte de emissões de gases ficará em 17%, enquanto a Ciência diz que seria necessário cortar 60% das emissões de gases até 2035. Isso significa que se a metas apresentadas a ONU forem cumpridas, o mundo terá um aquecimento de 2,5º até 2100.

Além do site o((eco)), o portal InfoAmazonia também analisou o relatório , mas em outros sites de notícias não encontrei informações sobre esse relatório.

Portanto, a semana foi a oportunidade dos meios jornalísticos conectarem os dados pessimistas do relatório e os fenômenos extremos que estão acontecendo no Planeta. Conexões que não encontrei nos veículos que pesquisei.

*Patrícia Kolling, doutora em Comunicação pela UFRGS, docente no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus do Araguaia, integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: patikolling@gmail.com

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