A humanidade consome demais e o jornalismo questiona muito pouco

G1

Imagem: Captura de tela – Notícia publicada no G1
Por Eloisa Beling Loose*

Hoje, dia 29 de julho, muitos veículos de comunicação estão reportando a sobrecarga da Terra, limite máximo de uso dos recursos naturais que podem ser renovados sem gerar problemas ao meio ambiente (e, por consequência, à vida dos homens neste planeta). Em 2019, essa data-limite veio três dias antes que no ano de 2018.

O G1 apresenta como manchete: Planeta atinge esgotamento de recursos naturais mais cedo em toda a série histórica e o Uol aponta que: Humanidade já esgotou recursos do planeta para este ano, diz ONG. Os dois sites de notícias mais acessados do Brasil lembram que estamos consumindo 1,75 planeta por ano, sendo que nosso déficit com a natureza data da década de 1970.

O alerta, contudo, não é recorrente na prática jornalística, que tende a naturalizar o pensamento dominante de que é preciso crescer para se desenvolver. Embora o jornalismo tenha compromisso com os interesses sociais, na lógica hegemônica, na qual está inscrito, consumir é status e até solução para os problemas econômicos, políticos e sociais.

Se observarmos as editorias de Economia, por exemplo, a ênfase está no mercado e não em uma forma cooperativa e/ou equilibrada de gerir conjuntamente as necessidades da sociedade com aquelas do meio ambiente. A finitude dos recursos não é debatida, criando a falsa impressão de que nosso padrão atual é viável. O consumismo quase nunca é pauta, pois foi incorporado ao estilo de vida moderna e à própria sustentação econômica das empresas jornalísticas, dependentes por muitos anos das verbas publicitárias. As diferenças abissais de consumo entre os países também tendem a ser ocultadas e o contrário – o incentivo a um modo de vida com mais supérfluos e propenso a mais exageros – parece ser visibilizado de forma acrítica.

Apesar de as notícias de hoje sinalizarem para os custos desse excesso, advertindo para a extrapolação que estamos fazendo ano a ano e sugerindo que os indivíduos calculem sua pegada ecológica, o jornalismo não consegue avançar nessa discussão mesmo tendo uma data como gancho. Os impactos ambientais são decorrentes de políticas, de negócios, de acordos internacionais que favorecem a extração da natureza a baixo custo e a subjugação da força de trabalho da maioria dos países do mundo em detrimento de outros poucos. Cada um pode e deve fazer a sua parte, porém isso inclui as instituições e os governos. Questionar o sistema também é papel dos jornalistas.

Os silenciamentos da imprensa quanto às lógicas que conduzem a nossa realidade social produzem lacunas de entendimento e a falta de caminhos para enfrentar as situações postas pode gerar apatia – ou, o que é pior, a sensação de que não há alternativa. O que as notícias do G1 e do Uol não mencionam é que há estudos que mostram que ainda podemos reverter o quadro. De acordo com a Global Footprint Network, é possível que a Terra consiga recuperar seu equilíbrio antes de 2050, caso a gente consiga adiar o Dia de Sobrecarga de apenas cinco dias todos os anos. Para tanto, uma campanha chamada Steps to #MoveTheDate lista uma série de ações concretas para alterarmos esse cenário.

Para além de expor as problemáticas, as soluções devem aparecer e ultrapassar os comportamentos individuais. É importante refletir e investigar sobre o que mantém o consumo exacerbado da sociedade mesmo diante da informação de que isso não é uma realidade possível para todos – e nem mesmo para uma minoria a longo prazo.

* Jornalista, mestre em Comunicação e Informação, e doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).
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