Licenciamento ambiental: a complexidade além da didática

Imagem: Reprodução da reportagem publicada na Folha de São Paulo

Patrícia Kolling*


Com o objetivo de escrever para este observatório, fui em busca de textos jornalísticos que tratassem da pauta da semana: o projeto de lei com novas regras para o licenciamento ambiental e sua aprovação na Câmara dos Deputados. Numa busca rápida encontrei no G1, a matéria Nova lei do licenciamento ambiental: entenda os próximos passos e o que está em jogo que, de forma didática e interessante, tornou o tema compreensível em sete pontos: o que é licenciamento ambiental, o que diz o novo projeto aprovado na Câmara, os argumentos dos dois lados (a favor ou contra), os próximos passos, o que está em jogo, o que dizem as organizações ligadas ao meio ambiente e o que diz o relator do projeto. O tema é técnico e, ao ser instrumento de uma lei, torna-se ainda mais complexo, sendo necessário que o texto jornalístico o decodifique para uma linguagem acessível à população. A jornalista Carolina Dantas faz isso, ao explicar e exemplificar termos, como “licenciamento simplificado” ou “bifásico”, “de fase única” e “por adesão e compromisso”, propondo um comparativo com a lei em vigor. O texto traz um especialista em direito ambiental para detalhar o ponto mais criticado da nova lei, a Licença por Adesão de Compromisso (LAC) que exige apenas uma autodeclaração do empreendedor. Mostra os argumentos de quem é a favor do Projeto de Lei: “acelerar o processo e reduzir a burocracia e dos contrários novos empreendimentos” e de quem é contrário: “aumentar a destruição dos biomas brasileiros, colocar em risco populações tradicionais e piorar ainda mais a imagem do Brasil no exterior”. O texto também mostra o que aconteceria na prática hoje, se o projeto fosse aprovado no Senado e sancionado pelo presidente: estradas como a BR-163, que corta a Amazônia e faz o transporte de grãos entre Pará e Mato Grosso, e a BR-319, que liga Porto Velho a Manaus, poderiam ser asfaltadas sem a necessidade de um licenciamento ambiental.


A matéria jornalística, porém, não nos permite compreender, como um projeto de lei tão criticado por dezenas de organizações, ambientalistas, políticos e pesquisadores e que deve piorar ainda mais a imagem internacional do Brasil frente as questões ambientais, consegue ser aprovado na Câmara dos Deputados por 300 votos. Ou seja, os meandros políticos e econômicos do cenário de aprovação deste projeto de lei não são apresentados pela jornalista do G1.


Na Folha de São Paulo, dois textos trazem à tona alguns destes aspectos. A repórter Danielle Brant, na matéria Câmara conclui votação de projeto que flexibiliza licenciamento ambiental, citando o deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP), destaca que com a aprovação deste projeto de lei o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, entrega ao presidente da República o que foi combinado quando ele foi apoiado à presidência da Câmara e que este é sonho do presidente: ocupar a Amazônia, sem nenhum tipo de restrição, como na época da ditadura militar.


Uma análise de Ana Carolina Amaral, Licenciamento de exceção traz risco ao ambiente e também ao empreendedor, também na Folha de São Paulo, traz os argumentos das organizações ambientais para o perigo do projeto de lei, que pode criar uma insegurança jurídica, pois dá aos estados e municípios o poder de definir as atividades ou empreendimentos que necessitam de licenciamento. Além de abordar a necessidade de debate público do projeto, o que não foi realizado até o momento. Os textos da Folha nos dão indícios de que a aprovação em regime de urgência desse projeto, em um momento de tensão na CPI da covid, e sem debate público, foi uma estratégia dos deputados ligados ao agronegócio, ao centrão e à base do governo. Porém, não aprofundam os interesses econômicos do projeto, que são levantados nos comentários de um leitor da Folha, ao reclamar do jornalismo produzido: “nenhuma palavra sobre: ao se transferir a responsabilidade do licenciamento a estados e municípios, estimular-se um afrouxamento dos patamares mínimos de restrições no sentido de atraírem-se investimentos; o autor do projeto ser um produtor rural já condenado; as diversas modalidades de exploração que, injustificadamente, tornaram-se isentas de fiscalização”. Ele ainda questiona o fato de nenhum ambientalista ou ONG ter sido fonte da matéria. “Mais parece propaganda da lei”, encerra do leitor.

*Patrícia Kolling é jornalista, doutoranda em comunicação pela UFRGS e professora da UFMT.

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