
Roberto Villar Belmonte*
O Grupo Globo lançou em 2021 um movimento editorial para enfrentar a crise climática chamado Um Só Planeta. Formada por 19 veículos, entre eles os jornais O Globo, Valor Econômico e a rádio CBN, a iniciativa tem desde o início quatro patrocinadores: Ambipar Group, Braskem, Engie e Natura.
Manifesto publicado no final de março explica que o objetivo é produzir um jornalismo que combate a indiferença, encoraja e gera a faísca que inspira: “Estamos aqui para, ao seu lado, provocar uma real e transformadora mudança de padrões mentais e comportamentais em relação ao lugar que moramos”.
O portal do movimento tem cinco editorias: clima, energia, finanças, sociedade e biodiversidade. Há também 22 colunas e blogs de especialistas, entre eles Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, e Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável.
Angelina Jolie posa coberta de abelhas e pede mais conservação era uma das cinco notícias mais lidas no sábado passado, 22 de maio, assim como o primeiro sequenciamento genético de uma serpente brasileira — a jararaca e o plano de Joe Biden para tornar as casas e edifícios americanos “mais verdes”.
No mesmo dia, a manchete de capa do portal criado pelo Grupo Globo para enfrentar a crise climática era a seguinte: “Do cativeiro à vida boa no Cerrado: elefantes ganham segunda chance em Santuário na Chapada dos Guimarães”. O texto descreve a curiosa iniciativa com apenas uma fonte, o diretor do local.
Inaugurado em 2015, o local resgata animais que passaram a vida em circos e zoológicos. Ainda segundo a notícia, a presença dos elefantes, atualmente quatro animais vivem por lá, ajudaria na regeneração da antiga fazenda de gado localizada no cerrado mato-grossense.
Apesar de não ter relação com a crise climática, a iniciativa foi divulgada pelo movimento editorial que pretende “provocar uma real e transformadora mudança de padrões mentais”. Histórias interessantes rendem pauta neste tipo de jornalismo de soluções, desde que sem conflito, sem denúncia e sem investigação.
Já o cerco ao ainda ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, principal pauta ambiental dos últimos dias, tem tudo a ver com enfrentar a crise climática. Mas esse não é considerado um tema para o Um Só Planeta. Para esse movimento editorial patrocinado, só importam as soluções econômicas e tecnológicas.
Por que a política de desmonte e o agora cerco ao ministro que incentiva a destruição da floresta amazônica são pautas frequentes no jornal O Globo e são ignoradas no portal construído pelo mesmo grupo para praticar um jornalismo que combate a indiferença, encoraja e gera a faísca que inspira para enfrentar a crise climática?
O que está em disputa no campo do jornalismo brasileiro desde os anos 1990, quando o setor empresarial entrou no debate ambiental, é o que pode e deve ser dito sobre o meio ambiente. Os consultores de marketing batem insistentemente na tecla da comunicação de boas histórias, consideradas, essas sim, inspiradoras e dignas de atenção.
E o jornalismo que combate os poluidores? Desmobiliza, assusta e afasta os consumidores da causa ambiental, dizem. É por isso que quando o Grupo Globo cria um portal patrocinado para “enfrentar a crise climática” o que aparece é um conteúdo de comunicação ambiental em sintonia com o mercado (“verde”).
A mistura entre jornalismo e comunicação é uma das características da atual fase da profissão consolidada no último quarto do século passado. Segundo Charron e De Bonville (2016, p.30), nesse jornalismo de comunicação “o tom e o estilo do discurso promocional impregnam o discurso da imprensa”.
Tal confusão parece ser menos latente em empreendimentos jornalísticos que surgiram no país nas últimas duas décadas, entre eles revista piauí, O Eco, Repórter Brasil, Infoamazônia, Agência Pública, The Intercept Brasil e Amazônia Real. Jornalismo ambiental sem combate é (só) comunicação.
Obviamente que a comunicação ambiental, praticada por todo tipo de profissional e em qualquer mídia, é necessária e fundamental no enfrentamento da crise climática. No entanto, jornalistas não deveriam, em nome da mobilização da sociedade para um novo mercado, abrir mão da função crítica que define a profissão.
Referência:
CHARRON, Jean; DE BONVILLE, Jean. Natureza e transformação do jornalismo. Florianópolis/Brasília: Insular/FAC Livros, 2016.
*Roberto Villar Belmonte é jornalista, professor e pesquisador dedicado à cobertura ambiental. Membro do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).
Parabéns! Raciocínio preciso.