Rio Bonito do Iguaçu: quando um evento extremo é noticiado sem raízes

Coordenadoria Regional de Defesa Civil/Reprodução

Por Eutalita Bezerra*

O Sul do Brasil enfrenta um novo episódio de destruição: mal se recupera das enchentes, agora lida com os danos causados por nova tempestade severa. Se na enxurrada o principal atingido foi o Rio Grande do Sul, desta vez, ainda que o estado gaúcho também tenha sido impactado pela tempestade, a destruição se abateu mais fortemente sobre Santa Catarina e Paraná. O primeiro foi afetado por pelo menos três tornados durante a onda de chuvas ocorrida no último dia 7. Já o segundo contou um dos mais intensos tornados registrados no planeta neste ano, com ventos de até 330 km/h, conforme a Metsul Meteorologia e os governos estaduais. O fenômeno dizimou a cidade de Rio Bonito do Iguaçu, que teve 90% dos imóveis danificados ou totalmente destruídos.

Para esta análise, buscamos entender a forma que os veículos de comunicação se debruçaram sobre a questão, na fase de rescaldo. Tomamos como foco o Paraná, considerando a repercussão mais significativa, dada a singularidade do fenômeno. Optamos por utilizar o ChatGPT como ferramenta de busca**. Valemo-nos do seguinte prompt: “Na ultima sexta-feira (7), o Paraná foi atingido por uma tempestade severa e por tornados. Me indique links de veículos jornalísticos com presença digital consolidada que tenham divulgado essa notícia.”. A pesquisa inicial retornou sete links, entre veículos brasileiros e estrangeiros (Associated Press, India Times e El Pais), dos quais um, o da AP News, apareceu duas vezes. Um dos textos foi descartado por não se tratar de veículo reconhecidamente jornalístico, embora produza notícias: o Climatempo. 

Chegamos à publicação da CNN Brasil, “Tornado no Paraná deixa ao menos 1.000 pessoas desalojadas”, veiculada em 8 de novembro. As fontes ouvidas foram o Governo do Paraná e a Coordenadoria Estadual da Defesa Civil, mas há citação direta apenas do governador. O texto inicia contabilizando as perdas verificadas até aquele dia. Também relaciona as ações emergenciais do Governo do Paraná, citando abrigos e estruturas montadas para alimentação, triagem e encaminhamento dos afetados. Apresenta-se o número de mortos e feridos. De forma educativa, a repórter também diferencia “desabrigados” e “desalojados”. A publicação é finalizada com hiperlinks para uma reportagem sobre a classificação do tornado e outra metodológica, explicando como a categorização é feita. 

Ao longo do texto, outras hiperligações também são disponibilizadas, quais sejam: para publicação sobre luto oficial de três dias no estado, para pronunciamento do secretário de saúde citando “cenário de guerra” após tornado e para entrevista do governador, segundo o qual esta seria uma catástrofe sem precedentes na história do Paraná. Na mesma publicação também há uma subdivisão chamada “Leia mais”, que direciona para outras três publicações: “Veja quem são os mortos na catástrofe”, “Passagem de três tornados causa destruição no Oeste de Santa Catarina” e “O que é um ciclone extratropical? Saiba o que fazer durante uma tempestade”.

A segunda publicação disponibilizada pela ferramenta de busca foi da Agência Brasil, “Tornado destrói 90% de Rio Bonito do Iguaçu (PR) e causa seis mortes”, também do dia 8. A publicação tem como foco a cidade mais afetada, com imagens da destruição, citando dados de Defesa Civil, Governo do Paraná e Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar). Do mesmo modo que no texto anterior, citações diretas apenas do governador Ratinho Júnior, que fala sobre as ações emergenciais e que os estudos sobre a força do fenômeno ainda estavam em andamento. A publicação é finalizada com duas matérias relacionadas: Ciclone causa destruição, deixa 4 mortos e 400 feridos no Paraná e outra de alerta para ciclone em São Paulo na mesma data

O ChatGPT retornou, ainda, a publicação do The Times of India, veiculada em 9 de novembro, intitulada “Video: Moment tornado hit Brazil’s Parana; six killed hudreds injured”. Além de descrever o evento climático, a matéria trouxe vídeo do momento em que o tornado atingiu Rio Bonito do Iguaçu, replicado do perfil “WeatherMonitors” no X, antigo Twitter. Também se referiu a imagens aéreas que demonstraram o estrago deixado pelo tornado, embora não as tenha mostrado. Como fontes, foram citadas a Al Jazeera; o Governador do Paraná e o Presidente da República.

A Associated Press publicou que “Powerful tornado in Brazil kills 6 people and injures hundreds more”. De forma bastante breve, a publicação descreveu brevemente o fato, sem contextualizá-lo, e referiu-se ao luto oficial e à expressão de solidariedade do Presidente Lula. Embora cite “autoridades estaduais” para descrever a situação naquele momento, não especifica quem foi o emissor da informação.

Com efeito, entendemos que a ferramenta nos permitiu um panorama breve, mas indicativo de como tem se dado a cobertura sobre eventos climáticos extremos: a abordagem apressada de desastres que pedem profundidade.  Quando o jornalismo se limita a contabilizar perdas sem explicar causas, contextos ou conexões, ele se distancia de sua função social mais profunda: a de ajudar o público a compreender, e não apenas a lamentar, o que o vento levou.

Nenhuma das publicações contextualizou o fato, classificou como evento extremo ou localizou Rio Bonito do Iguaçu no mapa ambiental. Aqui o fazemos: a cidade, ao longo dos anos, foi transformada pelo desmatamento, colocando-se como o município brasileiro que mais desmatou a Mata Atlântica entre 1985 e 2015, segundo a ONG SOS Mata Atlântica. De acordo com publicação da BBC , ainda em 2021, até aquele momento já haviam sido destruídos 24,9 mil hectares de floresta no município. Eis a reflexão e, por que não, a sugestão de pauta.

*Eutalita Bezerra é jornalista, doutora em Comunicação e Informação e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).

**Por ser a primeira utilização deste formato de busca no Observatório, optei por descrevê-la mais aprofundadamente nesta nota. A opção deveu-se à experimentação: consideramos estudos recentes que demonstram uma incipiente mudança no comportamento de usuários que migram de buscadores tradicionais para ferramentas de Inteligência Artificial, como o ChatGPT (Tibau, Siqueira e Nunes, 2024; Reuters, 2025). Também questionamos, na oportunidade, a ferramenta, a fim de verificar os critérios para a indicação de tais links. Segundo o ChatGPT, observou-se o critério de relevância jornalística (Histórico de produção noticiosa contínua, independência editorial e registro formal como empresa de mídia, equipe de redação identificável e canais oficiais); presença digital consolidada (domínio verificado, SEO e histórico indexado pelo Google Notícias, política de correção ou contato editorial visível no site); variedade geográfica e editorial.

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