Oceano perde destaque na decisão final da COP30, mas entra no radar da cobertura jornalística

Foto: samsommer/unsplash

Por Débora Gallas*

Berçário da vida na Terra, hoje o oceano é o principal viabilizador da sobrevivência de nossa e de muitas espécies – mesmo as que, como a nossa, vivem em solo firme. O oceano é responsável por absorver cerca de 30% dos gases causadores do efeito estufa da atmosfera e mais de 90% do excesso de calor gerado por essas emissões. Assim, consegue produzir mais de 50% do oxigênio do planeta. Porém, o aquecimento desenfreado das águas por conta das mudanças climáticas está prejudicando sua capacidade de regular o clima global.

É curioso, portanto, que somente na 30ª Conferência do Clima da ONU tenha recebido mais destaque. De maneira inédita, o tema contou com uma enviada especial, Marinez Scherer, professora da Universidade Federal de Santa Catarina. A Conferência também propôs uma agenda de ação climática, que consiste em caminhos propostos para a implementação de soluções, considerando o oceano como um de seus eixos temáticos.

Durante a COP30, houve, por exemplo, o lançamento da Força-Tarefa Oceânica, liderada por Brasil e França, um esforço de 17 países para incluírem a preservação das áreas marinhas e costeiras nas suas metas voluntárias para o clima, as chamadas NDCs. Também ocorreu o anúncio do Pacote Azul, uma espécie de portifólio de soluções para o oceano já em curso em todo o mundo, em áreas como gestão de resíduos, pesca sustentável e restauração ambiental, a fim de monitorar e acelerar sua implementação.

Questões relacionadas ao oceano também foram pautadas pelo conselho científico da COP30 e em espaços como o Pavilhão da Ciência Planetária e o Pavilhão do Oceano, na Zona Azul – que recebe os participantes credenciados.

Dentro das salas de negociação, o esforço pode não ter obtido os resultados esperados, visto que o oceano foi timidamente citado no documento final – a Decisão Mutirão. Mas o jornalismo notou o tema ao longo da Conferência, ainda que em coberturas pontuais. Verificamos esse interesse através da pesquisa, no Google Notícias, pelos termos “oceano” + “COP30” publicadas entre 6 e 27 de novembro.

A atuação de uma enviada especial para o oceano foi notícia em sites como Agência Brasil, Um Só Planeta, Envolverde e Repórter Brasil. Este, aliás, foi um dos poucos veículos que apresentou algum tipo de continuidade na cobertura sobre o tema, publicando matérias de Vinícius Konchinski. A primeira aborda a ausência de discussões sobre o plástico na agenda da COP30 – muito embora uma reação coordenada dos países sobre a questão tenha sido frustrada também em agosto deste ano com a suspensão das negociações sobre um tratado internacional contra a poluição plástica.

Já a reportagem seguinte traz um balanço final de especialistas sobre o avanço da pauta na COP30. A enviada especial Marinez Scherer avalia que esta edição foi um ponto de virada para o oceano por conta da Força-Tarefa Oceânica e do Pacote Azul. Já o professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo Alexander Turra considerou frustrantes os diversos debates sobre oceano na Conferência não estarem contemplados na declaração final. O Portal NeoMondo, por sua vez, publicou boletins diários do professor sobre sua participação na Conferência.

Publicada antes do encerramento da COP30, em 21 de novembro, a reportagem de Herton Escobar para o Jornal da USP também relatou a expectativa dos especialistas em relação ao tema, mas ainda em um tom mais otimista, em que os entrevistados destacam a edição de Belém como uma arena fundamental para visibilizar a contribuição do oceano no combate às mudanças climáticas. 

Já veículos da imprensa hegemônica, como UOL e O Globo, repercutiram sobretudo as cifras que envolvem o Pacote Azul, antecipado por reportagem de Jéssica Maes para a Folha de S.Paulo em 6 de novembro. O documento prevê investimentos de ao menos 116 bilhões de dólares nos eixos conservação, alimentos, energia renovável, transporte e turismo.

Embora não apareçam nos resultados da pesquisa no Google Notícias, destacamos, ainda, a cobertura de outros veículos que, como Repórter Brasil, integraram a iniciativa da Casa do Jornalismo Socioambiental, na qual mais de 20 iniciativas de jornalismo independente de todo o Brasil organizaram sua cobertura e a publicação conjunta de conteúdos produzidos pelas equipes.

Alice Martins Morais, do Amazônia Vox, conversou com o representante de Tuvalu na COP30, um arquipélago no Oceano Pacífico que corre o risco de desaparecer por conta do aumento do nível do mar. Já Meghie Rodrigues e Chloé Pinheiro, do podcast Ciência Suja e da newsletter Polígono, conversaram com as cientistas Marina Hirota e Regina Rodrigues (UFSC) sobre o papel da ciência na COP. As convidadas abordaram o papel do corpo de cientistas fornecendo e organizando as evidências disponibilizadas aos tomadores de decisão – e mencionam perdas irreversíveis relacionadas ao oceano e ocasionadas pelo aquecimento global, como o branqueamento de corais e o colapso da corrente marítima AMOC, que regula a temperatura climática global.

Sabemos que o aquecimento das águas do oceano está relacionado à maior recorrência e intensidade de eventos climáticos extremos, como ciclones e furacões, além de causar erosão costeira, aumento do nível do mar e impacto direto em atividades produtivas como pesca e turismo. Por isso, é fundamental que não somente sua participação cresça nas próximas decisões multilaterais sobre o meio ambiente, mas que a imprensa siga acompanhando o tema de forma constante e transversal.

Para sensibilizar a população sobre a importância do oceano e gerar mobilizações sociais que alcancem os tomadores de decisão, um caminho incontornável é conectar questões ambientais como a degradação das águas e dos ecossistemas que nela vivem a temas cotidianos dos campos político, econômico e cultural. Como discurso que orienta o olhar coletivo, o jornalismo é essencial nesse processo.

*Jornalista, doutora em comunicação, integrante do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental UFRGS/CNPq e da Rede Ressoa Oceano, pela qual acompanhou a COP30 em Belém.

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