Eólicas: a distância da cobertura em relação aos sentimentos dos habitantes locais

Por Eliege Fante*

A descarbonização está na ordem do dia e na pauta político-econômica dos jornais. Os projetos em andamento em todo o litoral brasileiro (cobertura em epbr.com.br/) provenientes de empresas do Norte global, especialmente da Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Espanha, têm muito em comum: implantação de usinas eólicas para geração de energia renovável e limpa. Limpa, considerando-se a menor emissão de gases de efeito estufa, diferença favorável em comparação com a geração de energia termoelétrica a partir de combustíveis fósseis como o carvão. Entretanto, assim como ocorreu há alguns anos a respeito das hidrelétricas, a ciência e os movimentos sociais acumulam descrições, fatos e relatos dos impactos sobre o ambiente e as comunidades tradicionais e povos originários afetados.

Recentemente foram lançados dois documentários sobre os impactos na região Nordeste: Ventos do Delta, dirigido por Gelson Catatau e Ester Farache (assistir) sobre o Piauí  e, Vento Agreste, dirigido por João do Vale (assistir) sobre Pernambuco. Nesses estados, de modo semelhante ao que pode ocorrer no Rio Grande do Sul na região da Lagoa dos Patos, as áreas impactadas são remanescentes de biodiversidade e de modos de vida distintos como a pesca artesanal gaúcha (conferir parecer técnico). Portanto, riscos imensos pairam sobre o que ainda não foi devastado sob o paradigma econômico, e tem fundamental relevância para a conservação da fauna, da flora e para a sobrevivência de milhares de pessoas.

O governo gaúcho tem divulgado a participação em inúmeros eventos, como o recente em Rio Grande, onde poderia ter visitado uma comunidade de pescadores e escutado as diversas demandas ou minimamente esclarecido suas dúvidas. Há uma agenda para o mês de abril em Porto Alegre, porém sem a presença dos representantes locais dessas comunidades. Um estudo de viabilidade econômica parece ser o único feito pelo governo estadual, produzido pela Consultoria McKinsey Brasil e que foi citado neste evento do governo, porém o documento não foi disponibilizado para acesso público em PDF na página do Pró-clima 2050 que reúne as informações sobre os projetos de descarbonização. 

Uma rápida busca nos sites de alguns meios de comunicação jornalísticos no estado com a palavra-chave “eólicas” evidencia a distância da cobertura em relação aos sentimentos dos habitantes locais.  Exceto as cinco notícias deste ano publicadas pelo Brasil de Fato que informam também segundo a visão das fontes das comunidades. A mais recente do Correio do Povo repete o discurso do desenvolvimento social da região com esse tipo de energia renovável, exatamente o que as comunidades contestam. Essa repetição ocorre em Zero Hora e em O Sul. Chamou a atenção o grande uso de notícias provenientes de agências internacionais e ao menos uma de agência nacional em quase todos os sites.

SitesNotícias em 2023 arroladas pelo buscador
Brasil de Fato5
Correio do Povo3
Jornal do Comércio1
Matinal0
O Sul5
Sul210
Zero Hora5

De modo geral, a imprensa (não somente a gaúcha) tem repetido o discurso da descarbonização e do desenvolvimento sustentável do governo e das grandes empresas. Uma escuta ativa e daria-se conta de que descarbonizar a economia foi somente uma das recomendações do Painel Intergovernamental das Nações Unidas, o IPCC. As possibilidades para a mitigação e a adaptação aos efeitos das mudanças climáticas bem como a tentativa emergencial de deter o aumento da temperatura média da atmosfera dependem do diálogo entre todos os setores econômicos e grupos sociais. Sim, existem técnicas e tecnologias sociais locais aguardando a vez para brilhar no céu dos investimentos públicos. E, a pesca artesanal, por exemplo, representa uma significativa fonte de receita nos municípios de origem dos trabalhadores, o que permite afirmar que nem a cobertura econômica tem sido completa para uma leitura elucidativa do público diante de todas as implicações dos projetos em andamento para a dita descarbonização. 

Por fim, a estreita ideia de fontes jornalísticas em prática tem viabilizado a escuta predominantemente de fontes oficiais vinculadas ao poder hegemônico, obstaculizando a circulação de informações imprescindíveis a toda a sociedade. É o que ocorre com o silêncio diante das denúncias provenientes das próprias comunidades, movimentos sociais e de pesquisadores de universidades, quanto ao não cumprimento de acordos internacionais e regulações, principalmente da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a OIT, que estabelece a consulta livre, prévia e informada aos povos originários e às comunidades tradicionais.

* Jornalista, mestra e doutora em Comunicação e Informação, membra do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental UFRGS/CNPq, editora da EcoAgência e Assessora de Comunicação da Rede Campos Sulinos.

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