Desmatamento recua, mas não há o que celebrar

Por Ângela Camana*

Foto: USP Imagens

Lançado na semana passada, o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil indicou, pela primeira vez na série histórica, queda no desmatamento em todos os biomas do país. Os dados, que se referem a 2024, são da iniciativa MapBiomas, que há seis anos reúne informações sobre a perda de vegetação nativa no Brasil. As chamadas dos principais portais de jornalismo destacam a tendência de queda, mas, quando muito, relegam à linha de apoio o fato de que os dados ainda são alarmantes.

Ultrapassando a Amazônia, o bioma com maior área desmatada é o Cerrado, pelo segundo ano consecutivo. A região conhecida como Matopiba, que reúne os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, concentrou 75% dos mais de 650 mil hectares perdidos no bioma. Já no acumulado de 2019 a 2024, o Pará, onde neste ano se realiza a COP-30, é o estado com maior área desmatada com cerca de 2 milhões de hectares suprimidos.

Estes dados não são triviais, já que correspondem justamente a regiões cuja força motriz tem sido o agronegócio. De acordo com a série histórica do MapBiomas, 97% de toda a perda de vegetação nativa no Brasil esta conectada à expansão de fronteira agropecuária. O Brasil de Fato foi o único veículo a destacar este dado, convocando outros dados para além do release amplamente divulgado na imprensa e criticando, inclusive o desmatamento considerado legal, nos marcos do Código Florestal.

Também chama a atenção que o relatório pondera o papel do desastre ocorrido no Rio Grande do Sul: o estado passou a ocupar o terceiro lugar dentre os estados da Mata Atlântica com maiores perdas de vegetação nativa em 2024. Isso se dá em função dos eventos climáticos extremos, que desencadeiam deslizamentos de encostas, revelando mais uma face da intrincada relação entre desmatamento e mudanças climáticas.

Com uma cobertura que foca em números, sem esforço amplo de contextualização, o desmatamento e a perda de vegetação nativa se resumem a dados abstratos. Após o recente desmantelamento das políticas ambientais e de monitoramento, evidente que qualquer redução nos índices de desmatamento representa um alívio, mas falta ao jornalismo abordar com seriedade os vetores desta derrubada – e quem lucra com estas atividades extrativas.

*Jornalista e socióloga. Pesquisadora em pós-doutorado no PPG Agriculturas Amazônicas na UFPA. Colaboradora no Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental e no grupo de pesquisa TEMAS – Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade. E-mail: angela.camana@hotmail.com

Recorde de conflitos no campo: qual a repercussão para além do release?

Imagem: Polícia Federal / Gov

Por Ângela Camana*

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou nesta segunda-feira, dia 22, o relatório “Conflitos no Campo 2023”, publicação anual que reúne dados da violência no meio rural brasileiro. Os dados são alarmantes: o país registrou o maior número de conflitos desde 1985, quando a série começou a ser publicada. Foram 2.203 ocorrências, envolvendo 950 mil pessoas; também foi recorde a quantidade de vítimas do trabalho escravo, com 251 casos denunciados e 2.663 pessoas resgatadas. A divulgação do relatório ganhou as páginas dos principais portais de notícias no Brasil, o que indica a consolidação do trabalho da CPT nas últimas décadas. Contudo, raros foram os veículos que se dedicaram a algo mais que a simples reprodução dos dados do documento – a exceção até aqui é A Pública.

Imagem: Captura de tela

Ao buscar fontes para ampliar as possibilidades interpretativas do que o relatório informa e ao elaborar um conjunto de gráficos e representações visuais, a Pública parece levar a sério a publicação e, ainda mais, o panorama dos conflitos no campo. Isto, evidentemente, não é fortuito, já que o portal possui um Mapa dos Conflitos alimentado com os dados da própria CPT, além de rotineiramente se dedicar ao tema das disputas ambientais no Brasil.

De acordo com os dados do relatório, as disputas por terra persistem sendo o principal motor dos conflitos no campo, seguidas por confrontos em torno à água. Em paralelo, os dados da CPT informam que indígenas, pescadores, ribeirinhos, quilombolas e assentados são os grupos que mais sofrem com a violência. O único texto que busca repercutir o sentido de tais dados é, novamente, o da Pública: de fato, talvez esta seja um dos poucos, senão o único, veículo que se dedica a uma cobertura contínua dos conflitos no campo e às relações entre as disputas e a forma predatória de ocupação da terra. Justamente pela ausência desta temática em outros veículos, não deixa de ser curioso que a repercussão do relatório no G1 esteja abrigada sob a cartola “Agro” – a despeito do termo não aparecer nenhuma vez ao longo do texto. É uma pena que a relação não tenha sido mais bem explorada, para além da meia palavra na editora.

Imagem: Captura de tela

Não é novidade que, por seu caráter sistêmico, os conflitos no campo pouco repercutam, à exceção de momentos em que a violência irrompe deixando mártires – o que parece se enquadrar melhor nos valores-notícia ainda em voga no país. Ainda que o relatório da CPT seja um importante esforço de catalogação dos conflitos no Brasil e que sua publicização pelos principais veículos já represente um ganho para aqueles que se ocupam de questões fundiárias e ambientais, o jornalismo convencional, ao se concentrar na reprodução de números de release e em histórias póstumas, parece ter escolhido um perigoso caminho.

*Jornalista e socióloga. Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisadora colaboradora no Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental e no grupo de pesquisa TEMAS – Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade. E-mail: angela.camana@hotmail.com.

Manchetes sobre desmatamento encobrem parte importante do problema

Mapa mostra as áreas sob risco / Imagem: Plataforma PrevisIA

Por Heverton Lacerda*

No dia 9 de novembro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou os números do desmatamento na Amazônia entre agosto de 2022 e julho de 2023. No período, a área desmatada foi de 9.001 km², segundo o órgão do governo federal, com base no relatório anual do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes).

As manchetes da imprensa, em geral, destacaram da seguinte forma:

G1: Inpe: taxa de desmatamento na Amazônia cai 22%
Folha de São Paulo: Desmatamento na Amazônia fica abaixo de 10 mil km2 pela primeira vez desde 2018
Poder 360: Desmatamento na Amazônia tem redução de 22% em 1 ano
Congresso em Foco: Desmatamento na Amazônia cai 22% em 2023. AP e PA puxam a queda
Gazeta do Brasil: Inpe: Desmatamento na Amazônia tem queda de 22,3%
CNN Brasil: Desmatamento na Amazônia cai 22% em um ano, mas onda de queimadas preocupa

Ainda que seja possível perceber uma ampliação do nível de detalhes e aprofundamento nas matérias jornalísticas sobre meio ambiente nos últimos anos, o que já era de se esperar, em função da previsível e fartamente anunciada ampliação da crise climática no último meio século, os enfoques ainda carecem de contextualização. No caso específico dos números do desmatamento na Amazônia, a comparação está sendo feita e divulgada com os mesmos parâmetros percentuais que se mede, por exemplo, os índices da inflação ou do Produto Interno Bruto (PIB). Ou seja, o destaque está para a variação entre períodos, sejam eles mensais ou anuais, quando, na verdade, o que mais importa neste caso da supressão de área de floresta pelo desmatamento é o total e, ainda, o aumento contínuo, mês a mês, ano a ano.

Algumas matérias chegam a avançar, apresentando informações sobre a complexidade da questão, quando apontam, por exemplo, que a floresta tem perdido sua circunferência de proteção (zona de amortecimento) e que isso afeta mesmo o interior mais profundo da mata, ou ainda que a qualidade natural de alguns setores já não apresentam mais a mesma diversidade que protege o ecossistema.

O gráfico do Inpe apresentado na matéria do G1, com dados de 2001 a 2023, mostra que o recorde do desmatamento foi de 27,7 mil km² em 2004 (não consta no gráfico do G1, mas o Inpe informa que o maior desmatamento registrado desde a criação do sistema Deter foi em 1995, com 29 mil km² desmatados). O texto do G1 também ressalta que 2012 foi o ano que teve a menor área desmatada, 4,5 mil km². Em geral, as matérias também destacam os esforços dos governos para diminuir o desmatamento a partir de 2004, assim como a retomada da ampliação de áreas desmatadas no governo Jair Bolsonaro.

No entanto, um número importante e que não aparece é o resultado da soma do desmatamento, que, de 2001 até hoje, apresenta um total de 235.102  km² de área suprimida da Amazônia. Outros números ainda precisam entrar nessa contabilidade ambiental para que não se perca a dimensão total do que está acontecendo com a Amazônia. Em 2013, na ocasião do aniversário de 25 anos do Prodes, foi publicado no site do Inpe um número ainda mais impactante: a Amazônia, conforme dados de satélite, já havia perdido “752 mil km², cerca de 19% da floresta original”, na época.

Ou seja, as manchetes que se limitam a informar números parciais, ainda que estejam corretas, acabam por encobrir parte importante do problema, a sua dimensão total. É evidente que nem toda a informação cabe em uma manchete, mas quando nem o miolo do texto apresenta dados fundamentais, podemos estar com algum problema sério (e simples) para resolver. Duas sugestões de manchetes, para que encontrem variações criativas, são Desmatamento da Amazônia continua aumentando; Desmatamento cresce e atinge X% da floresta amazônica. A variação anual da taxa poderia ficar para a linha de apoio. São escolhas editoriais que podem auxiliar o leitor a ter uma compreensão mais apurada da gravidade o desmatamento na Amazônia.

*Jornalista, ativista ambiental, especialista em Ciências Humanas, mestrando no Programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCPM/UFRGS) e presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).

A causa da tragédia é o El Niño. Será?

Nasa capta imagem do El Niño / Imagem: Sentinel-6 Michael Freilich/Nasa

Por Clara Aguiar* e Eloisa Beling Loose**

Em toda a sua extensão, o Brasil tem vivenciado uma série de ocorrências de eventos climáticos extremos. Enquanto o Rio Grande do Sul tenta se recuperar após a passagem de nove ciclones em apenas três meses, estados da Região Norte enfrentam uma das mais graves estiagens de sua história. Os rios da região amazônica estão se transformando em bancos de areia, minando as possibilidades de deslocamento das populações — não é possível ir à escola nem aos postos de saúde. No Rio Negro, as embarcações encalham, prejudicando o abastecimento de água potável e alimento para os ribeirinhos. O combustível também não chega para fins de iluminação. Em outros pontos, a baixa profundidade e o aquecimento das águas têm causado a mortandade de peixes e mamíferos aquáticos, como no Lago Tefé em que mais de 100 botos foram encontrados mortos. Soma-se a isso a facilidade de expansão dos focos de incêndio em razão das temperaturas, estiagem e descida do nível das águas dos rios.

Esse cenário observado nos últimos meses pode, em parte, ser atribuído à influência do El Niño, caracterizado pelo aumento de chuvas no sul e secas prolongadas no norte e nordeste, combinado com o aquecimento do Oceano Atlântico Norte. Os dois fenômenos inibem a formação de nuvens e chuvas no Norte do País, o que acentua as características típicas do chamado “verão amazônico”, que costuma ser mais seco. Entretanto, de acordo com especialistas, a intensificação desses fenômenos precisa ser vista a partir de um contexto mais amplo, de transformação do ambiente e alteração do que até então se conhecia sobre o clima.

No caso da seca histórica que afeta os estados da Região Norte, a combinação do desmatamento e das queimadas na Floresta Amazônica tem relação direta, pois prejudicam a capacidade que o bioma possui de produzir umidade e de reter gases do efeito estufa. Por conta disso, a região se torna mais suscetível aos mais variados tipos de desastres climatológicos. Carlos Nobre, climatologista, explica que a seca, quando somada ao desmatamento da região, desregula o oferecimento de chuvas e prolonga esse período: “Em todo o sul da Amazônia, nós temos mais de 35% de áreas desmatadas e degradadas. Durante a estação seca, a Amazônia recicla muita água, cerca de 4,5 mm de água por dia. São 4,5 litros de água por metro quadrado de floresta. Já na pastagem muito degradada, ela recicla no máximo 1,5 mm. Com isso, há menos vapor de água na atmosfera, menos chuva durante a estação seca”.

Desde agosto — quando a seca no Amazonas ganhou repercussão nacional — o Portal g1 tem realizado a cobertura dos impactos no âmbito social, econômico e ambiental. No entanto, percebe-se que ao focalizar nos efeitos imediatos, o g1 acaba por não relacionar a situação com o desmatamento e com a crise do clima. 

Foram analisadas 47 notícias publicadas no período de 1º de agosto a 3 de outubro de 2023. O filtro das matérias foi realizado no buscador disponível no site do g1, por meio das palavras-chave “seca”, “estiagem” e “Amazonas”. 

Desse total, apenas quatro notícias estabelecem uma conexão entre o evento extremo de seca e as mudanças climáticas. São elas: “Especialistas analisam causas dos fenômenos climáticos catastróficos dos últimos meses no planeta”; “Seca fora do normal em rios da Amazônia tem relação com El Niño e aquecimento do Atlântico Norte; entenda” (traz uma citação da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva); “Sem água na torneira, comida mais cara: o suplício das famílias em seca histórica na Amazônia” (apresenta a análise de José Genivaldo Moreira, doutor em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos e professor da Universidade Federal do Acre); e “Temperatura em lago no AM chegou a 40ºC em dia com pico de morte de botos; instituto soma 125 mortes” (entrevista Miriam Marmontel, líder do Grupo de Pesquisas em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Instituto Mamirauá).

Além disso, verificou-se que o enquadramento predominante é sobre os efeitos imediatos, sem trazer uma contextualização que relacionasse a degradação do bioma com o agravamento da estiagem. Quando há uma tentativa de explicação sobre as causas do problema, detém-se em mencionar a combinação de fatores naturais, construindo uma (falsa) ideia de inevitabilidade. Como ocorre nas matérias “Seca no Amazonas deixa cidade em emergência, afeta navegação e dificulta acesso a água potável”, que traz uma nota da Defesa Civil atribuindo a intensificação da seca e o aquecimento anormal nas águas somente ao fenômeno El Niño, e “O que é o fenômeno El Niño e como ele vai afetar o inverno”, que chega a afirmar em determinado trecho do texto que não há nenhuma relação entre El Niño e o aquecimento global, embora na sequência diga que as mudanças climáticas podem alterar fenômenos como esse. A afirmação é dúbia e gera desinformação. Especialistas já apontam o aquecimento global como um fator determinante da frequência e da intensidade do fenômeno. Tal abordagem invisibiliza o debate da responsabilidade da atuação humana no desequilíbrio climático.

A devastação da floresta é um propulsor da emergência climática, que tende a ser mais sentida justamente por aqueles que dependem diretamente da natureza para sua sobrevivência e não conseguem manter seus modos de vida. Com um tempo mais seco e escassez de água, os incêndios terão mais chance de se propagar e alimentar ainda mais o contexto de superaquecimento ou fervura climática. Uma crise humanitária, com aumento de doenças respiratórias decorrentes das queimadas, e falta de água e comida, está em curso. Mais de 170 mil pessoas já foram impactadas e outras ainda deverão ser atingidas, pois a previsão é de um processo longo e intenso. 

O Jornalismo tende a reportar os desastres longos, como é o caso das secas, quando se evidenciam situações-limite em que a possibilidade de ação está na fase de resposta, dificultando a cobrança por ações de mitigação e prevenção a partir da invisibilidade, do apagamento da questão na agenda pública. Diante das manifestações frequentes da crise ambiental, cabe aos jornalistas incluírem o clima como valor-notícia não apenas na cobertura dos extremos, mas no rol das pautas cotidianas. Só assim poderemos conectar causas e consequências, e, tomara, agir sobre o planeta de forma mais responsável.

*Estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: claraaguiar14@hotmail.com.

**Jornalista e pesquisadora na área de Comunicação de Riscos e Desastres. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: eloisa.beling@gmail.com.

Críticas da sociedade civil dão o tom da cobertura jornalística na Cúpula da Amazônia

Imagem: Canva

Por Patrícia Kolling*

A Cúpula da Amazônia terminou sob críticas da falta de comprometimento com o desmatamento zero e com o fim da exploração de combustíveis fósseis. O evento reuniu líderes dos oito países amazônicos (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela), em Belém, capital do Pará, nos dias 08 e 09 de agosto. Organizações socioambientais apontam que o documento final do evento, a Declaração de Belém, não apresenta metas concretas e não define prazos, além não apresentar consenso entre os países sobre temas considerados chave para a região.

Foram exatamente as críticas das organizações da sociedade civil à falta de contundência no documento final do encontro, que será levado a COP 28, que repercutiram na imprensa brasileira. A Folha de São Paulo publicou: “Declaração da Cúpula da Amazônia não tem ações concretas, criticam ongs”. A primeira fonte citada no texto é Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, que integra 80 organizações da sociedade civil brasileira. Ele diz: “Não é possível que, num cenário como esse, oito países amazônicos não consigam colocar numa declaração, em letras garrafais, que o desmatamento precisa ser zero e que explorar petróleo no meio da floresta não é uma boa ideia”. Na sequência, a notícia cita falas do Leandro Ramos, diretor de programas do Greenpeace Brasil e de Marcelo Furtado, fundador da Coalizão Brasil e diretor da Nature Finance. Como eles, várias outras representantes da sociedade civil foram ouvidos pelas equipes de reportagem e foram citadas no texto, diversidade de fontes que merece destaque quando consideramos o histórico de coberturas de cúpulas e reuniões entre Estados.

O Jornal Hoje, do dia 09, apresentou também reportagem “Evento chega ao fim sem a definição de uma meta comum contra o desmatamento pelos oito países membros da OTCA”, em que representantes das entidades socioambientais são entrevistados mostrando seu descontentamento. Uma das críticas à Declaração de Belém se dá pela falta de acolhimento das propostas apresentadas no âmbito do Diálogos Amazônicos, evento realizado no final de semana que antecedeu a Cúpula. Nos Diálogos estiveram presentes cerca de 20 mil pessoas, representantes 400 organizações socioambientais, que debateram e trabalharam sobre temas ambientais, e entregaram documentos para embasar as decisões da Cúpula da Amazônia. As fontes ressaltam que que essa participação da sociedade civil parece não ter produzido resultados significativos, ou seja, as decisões propostas não foram consideradas pelos líderes. André Trigueiro ressalta, porém, que a participação ativa da sociedade civil deu ao evento um caráter inclusivo, que foi o seu principal diferencial, pois garantiu debates e acordos de organizações fora das ações da Cúpula.

Uma das falas mais repercutidas pela imprensa, durante a semana, foi a do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que disse haver um “conflito ético” na exploração de petróleo na região, especialmente no caso de países liderados pela esquerda. Petro tem um plano de redução progressiva de exploração de petróleo na região amazônica. A fala de Petro ganhou imensa noticiabilidade, principalmente diante do fato da Petrobras, maior estatal brasileira, planejar explorar poços de petróleo no fundo do mar da margem equatorial, onde fica a foz do rio Amazonas. O tema já foi abordado nesse Observatório. A Declaração de Belém, porém, trata o tema com muita sutileza, destacando a necessidade de “iniciar um diálogo” sobre a sustentabilidade de setores “como mineração e hidrocarbonetos”.

É evidente que a imprensa brasileira também destacou os pontos positivos do encontro, expostos da Declaração de Belém, entre os quais podemos citar: a consciência quanto à necessidade urgente de cooperação regional para evitar o ponto de não-retorno na Amazônia, a criação da  Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento, a criação de um centro integrado de policiamento contra o crime organizado e a criação de mecanismos financeiros de fomento do desenvolvimento sustentável.

Mas, como ressaltamos no título, as ações e mobilizações da sociedade civil deram os direcionamentos às pautas de cobertura jornalística do evento. A Folha de São Paulo, publicou o artigo “O verdadeiro valor do petróleo na Foz do Amazonas” mostrando quanto o Brasil ganharia se mantivesse as reservas de petróleo nas profundezas do mar. O texto foi escrito pelo coordenador da ONG Projeto Saúde & Alegria, membro da coordenação do Observatório do Clima e integrante da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais, Caetano Scannavino.

O protagonismo das organizações ambientais definindo o rumo das pautas e a escolha das fontes, e consequentemente, oportunizando o debate das perspectivas temáticas que talvez nem seriam abordadas, além da presença de jornalistas do mundo inteiro em Belém, foram na cobertura jornalística os principais ganhos do evento.

*Doutora em Comunicação pela UFRGS, docente no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus do Araguaia, integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: patikolling@gmail.com.

Altos índices de desmatamento e desconhecimento sobre o Cerrado: a mídia precisa fazer seu papel

Imagem: José Cícero/Agência Pública

Por Patrícia Kolling*

Notícias recheadas com muitos números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) informavam no final da semana passada a queda nos índices de desmatamento na Amazônia. Segundo notícia do site uol, a queda foi de 33,6% no primeiro semestre de 2023, em comparação ao mesmo período do ano passado. Os números foram divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima, na quinta-feira, dia 06.

Enquanto, porém, os números de desmatamento na Amazônia Legal estão caindo, como resultado de muitas ações do atual governo, o bioma Cerrado registrou aumento de 21,1% no desmatamento no primeiro semestre. Segundo dados do Deter/Inpe, citados pela notícia da Agência Pública, foram desmatados 4.407,7 km² no bioma até 30 de junho. Somando os índices de Cerrado e Amazônia, foram desmatados 7.056,5 km² entre janeiro e junho, 7,4% a menos do que no mesmo período do ano anterior, quando a soma foi de 7.625,5 km².  A notícia também destaca na área do estado de Mato Grosso, que congrega a Amazônia Legal, o desmatamento cresceu 7,1%, ante os seis primeiros meses de 2022, registrando 905,3 km² de corte raso. “O Estado foi o mais desmatado da região – o que não ocorria desde 2017 – e respondeu por 34,1% da perda florestal na Amazônia Legal em 2023. A área equivale a 573 Parques do Ibirapuera”, ressalta o texto. Interessante destacar que Mato Grosso, tem parte do seu território no bioma Amazônia, parte no bioma Cerrado e outra parte no Pantanal.

O site G1 somente publicou sobre o assunto no domingo, dia 09 de julho, e buscou contextualizar o cenário, com o texto: “Porque o desmatamento cai na Amazônia e aumenta no Cerrado?“, ouvindo especialistas e justificando os dados. O texto atribui a redução do desmatamento na Amazônia a retomada das cobranças de multas a infratores ambientais, a intensificação da fiscalização e o retorno da aplicação desembargos em áreas que cometeram crimes ambientais.

Já quanto ao Cerrado, a matéria apresenta como principais desafios: as dificuldades de monitorar autorizações para o desmatamento liberadas por órgãos ambientais regionais, o fato das áreas de cadastro (CAR) liderarem o desmatamento, sendo que 76% dos alertas foram registrados em áreas cujos donos são cadastrados, além da falta de reconhecimento do território ocupado por povos tradicionais, sendo que só 8% do bioma são legalmente protegidos com unidades de conservação. O texto também destaca que o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado ainda está em elaboração, enquanto o plano da Amazônia existe desde 2004.

Uma reportagem publicada, em junho pela BBC Brasil, já destacou esse assunto “Como a destruição do Cerrado é ofuscada por ‘prioridade’ a Amazônia” . O texto traz uma importante reflexão sobre as diferenças de prioridades entre os biomas, como: a legislação mais permissiva no Cerrado em relação a Amazônia e o Código Florestal, que protege 80% da mata localizada em áreas privadas na Amazônia, enquanto apenas 20% a 35% das áreas de Cerrado são reservas legais. Portanto, a lei estabelece uma proporção quase oposta para os dois biomas. Na reportagem, os especialistas argumentam que essas diferenças não fazem sentido “já que as duas áreas estão fortemente relacionadas e dependem uma da outra para sobreviver. Todos os rios da margem direita do Amazonas dependem da água das entranhas do Cerrado.(…) Se o Cerrado morrer, metade da Amazônia morre junto”.  

A reportagem faz importantes comparações e reflexões sobre aspectos econômicos, políticos, de legislação e sociais que envolvem o Cerrado. Mostra que o bioma não é considerado patrimônio, como a Amazônia, não é foco de políticas públicas e não desperta atenções internacionais. Consequentemente, também não é pauta da cobertura midiática nacional e internacional.

O texto também caracteriza esse que é o segundo maior bioma brasileiro, mostrando a sua importância na distribuição das águas das bacias hidrográficas e que ele concentra 1/3 da biodiversidade brasileira. Ou seja, é uma reportagem que se contextualiza com profundidade o tema, o que é fundamental, pois como dizem os especialistas no texto: “A população não conhece o Cerrado e, portanto, não luta para defendê-lo”. E neste aspecto os veículos jornalísticos tem responsabilidades. Enquanto a Amazônia está na pauta dos principais veículos de comunicação nacionais e internacionais, qual é o espaço que o bioma Cerrado ocupa? Quando se fala da sua biodiversidade? Da importância dele para a regulação do clima? De suas características de raízes profundas para a manutenção das águas subterrâneas? Da sua importância para a produção de alimentos?

*Doutora em Comunicação pela UFRGS, docente no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus do Araguaia, integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: patikolling@gmail.com.

‘Nem um cm demarcado’: série da Folha escancara a rotina de violência diante das omissões do Governo Bolsonaro

Capa da Folha no dia 10 de outubro (reprodução)

Por Ângela Camana*

Tomado pelo clima eleitoral, o noticiário brasileiro tem se desdobrado para analisar as tendências para o próximo dia 30, desmentir informações falsas e repercutir as agendas dos candidatos. Diante de tarefas árduas e sem grandes propostas que a mencionem, a pauta ambiental parece perder fôlego no jornalismo nacional – uma exceção louvável é a série “Nem um cm demarcado”, cujas reportagens vêm sendo publicadas pela Folha de S. Paulo. Neste esforço de investigação, Vinicius Sassimi e o fotógrafo Lalo de Almeida percorreram 6.000 quilômetros pela Amazônia a fim de averiguar os efeitos da política de “demarcação zero” do Governo Bolsonaro.

O nome da série, aliás, é uma referência à fala de Jair Bolsonaro em 2018, quando o então candidato à presidência afirmou que, em sua gestão, não demarcaria “nem um centímetro sequer” de Terras Indígenas. A promessa não só foi cumprida como o desmonte da FUNAI e da política ambiental atuam para a intensificação da violência na região amazônica. Nos últimos anos, tornou-se notícia comum a invasão de territórios tradicionais por garimpeiros, madeireiros, piratas e outras práticas ilegais. As reportagens da série, como a que figurou na capa da Folha neste dia 10, indicam que a omissão do Estado modificou a forma como povos indígenas vivem e, em uma tentativa de defenderem as suas próprias vidas e a floresta, se organizam. Estratégias como a autodemarcação e criação de guardas florestais indígenas surgem no vácuo do Estado a fim de conter a escalada da violência, ainda que se mostrem insuficientes diante do cenário que se impõe.

Não parece, então, ser por acaso a coincidência entre o chamado arco do desmatamento e a prevalência de votos para Jair Bolsonaro no primeiro turno. As reportagens da série da Folha nos convidam a identificar os efeitos políticos de escolhas institucionais realizadas nos últimos quatro anos. É justamente por isto que preocupa a ausência da pauta ambiental no cenário eleitoral, seja nas agendas dos candidatos ou na cobertura cotidiana, que não os demanda suficientemente a se posicionarem. A despeito das dificuldades que o debate público tem enfrentado, talvez caiba ao jornalismo brasileiro, por meio de trabalhos de qualidade como os da série em questão, contribuir para sua qualificação.

* Jornalista e socióloga. Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisadora colaboradora no Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental e no grupo de pesquisa TEMAS – Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade. E-mail: angela.camana@hotmail.com.


O desmatamento em números, sem causas e consequências

Imagem: Captura de tela de notícia do dia 18.11.21 publicada na Folha de S. Paulo

Por Patrícia Kolling*

Na última semana a pauta foi, novamente, o aumento da taxa de desmatamento na Amazônia, que cresceu 22% em um ano, com a devastação de 13.235 km2 entre agosto de 2020 e julho de 2021. Os dados foram divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e mostram o maior desmatamento dos últimos 15 anos. O novo levantamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) confirmou o aumento no desmatamento, com dados de janeiro a outubro de 2021, chegando a uma área de 9.742 km2, o equivalente a mais de 6 vezes o tamanho da cidade de São Paulo.

Sobre o tema, repercutiram na imprensa também as declarações de autoridades brasileiras contradizendo ou justificando os dados divulgados. O presidente Jair Bolsonaro afirmou na segunda-feira, dia 15, durante evento com investidores em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, que “os ataques que o Brasil sofre em relação à Amazônia não são justos”, que a floresta “tem mais de 90% de área preservada” e que está “exatamente igual a como era em 1500”. Na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26), o presidente havia ressaltado que tem protegido a Amazônia e o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, anunciou que o Brasil deverá zerar o desmatamento ilegal em 2028.


O ministro do Meio Ambiente também sustentou na semana passada que os números do INPE “não refletem a ação do Governo nos últimos meses” com o destacamento dos integrantes da Guarda Nacional. Para completar o vice-presidente, Hamilton Mourão, disse que o crescimento do desmatamento na Amazônia está associado ao avanço da população na região.


Ainda ganhou destaque na imprensa o fato de que o documento do INPE com os dados oficiais ter a data de 27 de outubro, mas ser divulgado apenas em 18 de novembro, depois de ser encerrada a COP 26, em Glasgow.

Números, declarações oficiais, questões políticas vieram à tona com o relatório do INPE. Mas, e o desmatamento: quais as causas, quem são os responsáveis, quais os prejuízos sociais, ambientais e econômicos, qual a importância da floresta em pé para a manutenção do clima brasileiro e mundial, quais as relações do desmatamento com a agropecuária, quais os riscos que o Brasil corre ao desmatar a Amazônia? Infelizmente, nenhuma das matérias jornalísticas, acessadas, respondiam essas questões.

A causa ambiental é urgente, e independente da política editorial de cada veículo e da busca pela imparcialidade, já não é mais possível deparar-se com textos que trazem números e declarações contraditórias e, muitas vezes, falsas, como já abordadas neste observatório, e que confundem o leitor que busca informação. Já que a imprensa brasileira se alimenta do factual, precisa aproveitar esses momentos, no caso, a divulgação dos dados do INPE, para tratar em profundidade e com informações contextualizadas as questões ambientais. A informação é a chave para a educação e as ações na preservação do meio ambiente e a imprensa um dos principais canais de difusão.


Deveria estar no manual de redação de todas as organizações jornalísticas, a obrigatoriedade de que todas as notícias ambientais, que são factuais e sintéticas, viessem acompanhadas por reportagens que tratassem a temática em profundidade, abordando causas e consequências.

*Patrícia Kolling é jornalista, professora da Universidade Federal de Mato Grosso – Campus Universitário do Araguaia e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.