Procura-se a faceta “ambiental” dos problemas urbanos no jornalismo

Imagem: Pixabay

Por Michel Misse Filho*

Problemas ambientais urbanos são antigos e, em sua faceta moderna, estão presentes ao menos desde as primeiras revoluções industriais — ainda que não recebessem a alcunha “ambiental” no significado de hoje. Eles fazem parte, intrinsecamente, do imaginário da emergência das grandes cidades modernas europeias: fumaças das indústrias, rios poluídos, a falta de saneamento e as ruas entulhadas de lixo.

A eclosão de movimentos ambientalistas a partir da década de 1960, num primeiro momento, ainda parecia vir da terra “natural” — a questão dos pesticidas, por exemplo — e de uma ideia unificada do planeta, sob o medo da guerra nuclear. A razão talvez seja as próprias origens de um pensamento ambientalista: algo “romântico” ainda no século XIX, de valorização do natural em oposição ao urbano; e algo também “científico”, focado na conservação de florestas e proteção de parques naturais. De toda forma, apesar dessas origens, o fato é que os movimentos que se seguiram ao ambientalismo dos anos 1960 incluíram, nas décadas seguintes, as questões urbanas e a justiça social no seio do movimento. O ambientalismo migrava de um campo puramente “natural” e “científico” para abarcar também a arena política das grandes cidades.

A pauta ambiental urbana permeia, há décadas, o ambientalismo, as conferências internacionais e o próprio jornalismo. No entanto, ainda hoje é comum que as pessoas façam uma associação direta entre “temas ambientais” e “temas rurais”, como se distantes da cidade. Uma pequena análise da editoria de Meio Ambiente do portal G1 mostra que, das últimas 30 notícias (ao longo de todo o mês de outubro) nenhuma trouxe uma pauta ambiental urbana. A página é tomada por algumas notícias da maior importância: incêndios no pantanal, seca na Amazônia, garimpo ilegal, marco temporal, emissão de gás metano pela agropecuária etc. Outras são notícias mais soft, dificilmente enquadráveis como “jornalismo ambiental”, e sim como “notícias sobre (ou no) meio ambiente”: o prêmio de fotografia pela foto de um tigre; o resgate de uma loba-guará e a caça de um tatu-galinha pelo caseiro de uma fazenda.

A situação muda um pouco quando analisamos a Folha de SP. Lá a gente “lembra” que cidades também são afetadas, como na invasão de fumaça de incêndios florestais sobre a maior cidade boliviana; e na descoberta, por pescadores, de uma garrafa PET de 25 anos atrás em plena Baía de Guanabara. Obviamente, situações extremas como as inundações em cidades no Sul do país também costumam entrar na conta de notícias — mas persiste a escassez de matérias não impulsionadas por tragédias. A realidade urge que o jornalismo dito “ambiental” cruze, com mais frequência, as vielas e ladeiras das grandes cidades brasileiras, mostrando a face ambiental e cotidiana de nossos históricos — e desiguais — problemas urbanos.

*Jornalista, doutorando em Sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) e mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS) e do Laboratório de Estudos Sociais dos Resíduos (Residualab – UERJ). E-mail: michelmisse93@gmail.com.

Toda pauta é ambiental: natal, consumo e o meio ambiente em liquidação

Fonte: Luiz Antonio Toni por Pixabay 

*Por Ursula Schilling

O planeta tem limites. Essa deveria ser a premissa para tudo o que fazemos: trabalhar, produzir, consumir e, claro, informar. Mas caminhamos a passos ligeiros na direção oposta a isso. Agimos como se tudo o que a Terra e a terra nos fornecem fosse inesgotável. E pouco valesse.

É uma lógica, conforme destacou Reges Schwaab no seu texto da semana passada para este observatório (se você ainda não leu, leia), “reflexo de uma relação com o mundo, e com os demais, pautada por fatias de realidade, descompassada do tempo natural e alicerçada em aparências “.

Compramos, usamos pouco, descartamos e compramos de novo, mesmo que algo de qualidade muito duvidosa, que custe pouco ou muito) e que (talvez) tenha explorado trabalho escravo ou mão-de-obra infantil, para que possamos saciar, temporariamente, nossa sede de ter algo, não importa o que.

Como um item de vestuário, por exemplo, custa menos do que a matéria-prima, o processo de manufatura, a confecção e a etapa de distribuição? No mínimo, é uma conta que não tem como fechar. No caso de eletroeletrônicos, tomamos como normal a obsolescência programada.

Fonte: Captura de tela do site Agência Brasil

Seguimos nesse movimento e nos esquecemos de que, como muito bem lembrou recentemente em suas redes sociais o jornalista André Trigueiro, quando jogamos algo fora, por mais que aquilo “suma” da nossa vista, não existe “fora”. Podemos até ignorar o que não é nossa realidade imediata, mas isso não significa que não existam ilhas de lixos de textil, eletrônico e outros, em algum lugar altamente degradado.

No natal, e em outras datas comemorativas que foram mercantilizadas, transformadas em eventos comerciais e não mais sociais, familiares e festivos, não é diferente. Em 2020, apesar da dita crise, e de uma pandemia em níveis ainda críticos, notícias de diversos sites dão conta de que o comércio pretende comemorar as vendas ou, pelo menos, correr para isso.

Mesmo com o aumento dos casos de Covid-19, o horário dos estabelecimentos, em Porto Alegre, por exemplo, foi ampliado.
Defendemos, sustentando o discurso da indústria e do varejo, e que só interessa aos ricos, que é preciso fazer a roda da economia girar, que é preciso consumir para gerar empregos, que é com emprego que a sociedade será mais igualitária e as pessoas terão uma vida mais digna. Por favor, me diga, com fatos e dados, se vivemos num mundo justo e igualitário e se somente eu estou no lugar errado.

Antes de manifestações reacionárias, deixo registrado que não questiono a importância do trabalho, da renda (digna), de bens essenciais para uma vida também digna. Tampouco, que não celebremos datas, que não tenhamos nossos ritos e que não presenteemos pessoas queridas. A questão aqui é vivermos numa eterna black friday e tratarmos o consumo como solução. Não paramos para enxergá-lo, assim como está estabelecido, como um grande causador da degradação da natureza, entendida a natureza como tudo que é vivo na face da mãe Gaia, incluindo nós.

É por isso que o jornalismo tem, para o bem e para o mal, um papel preponderante nessa cadeia. O que se vê, inclusive a partir de diversas análises deste canal, é uma mídia tradicional, e geralmente de massa, que sustenta, apoia e dissemina esse discurso dominante e contribui para manter relações de dominação e produção.

A cada natal, os cidadãos, nesse contexto, meros consumidores, são conclamados a girar a roda da economia. O meio ambiente, que passa ao largo das abordagens, continua aqui, sendo explorado, esgotado e ignorado pelo frenesi coletivo do consumo. Das editorias de economia, de onde pululam projeções, comemorações de alta nas vendas, supersafras e crescimento no PIB, deveriam também surgir perguntas como “e quando a (in)esgotável fonte de recursos acabar?”.

Aqui, mais uma vez, o jornalismo ambiental, destacados dele dois eixos, desponta como um norte. Somente com uma visão sistêmica nas redações, que liga os pontos, que relaciona diferentes esferas da vida, a causa ambiental poderá ser tratada com profundidade e seriedade. Ao mesmo tempo, para que isso ocorra, é preciso que essa seja uma pauta transversal a todos os assuntos possíveis. Ou seja, economia, cultura e política são editorias ambientais, sim. E muito. Cabe ainda um terceiro eixo: nada disso ocorrerá sem uma adequada formação do jornalista.

Não há respostas prontas, mas é certo que, se superarmos um modelo de educação (que também reverbera no jornalismo) que memoriza, replica e não questiona, um modelo que teme o antagonismo, podemos tentar romper barreiras.

É um assunto complexo, que move paixões e, principalmente, que mexe com interesses e forças políticas e econômicas que parecem impossíveis de superar. Mas é preciso começar pelo começo. Pela reflexão, pelo questionamento, pela crítica, é desacomodando velhos e novos conceitos, que nem sabemos se não nossos, e colocando em xeque o status quo, que forças de oposição poderão começar a se mover no sentido de reverter a dramática situação inúmeras vezes aqui constatada.

Não será uma virada de chave fácil, mas, cedo ou tarde, compreenderemos que habitamos TODOS o mesmo planeta. Espero que não tão tarde.
(seja modesto e crítico nas suas compras de natal)


*Jornalista e membro Núcleo de Ecojornalistas do RS e do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS)