Fotografia de charlesricardo/ Pixabay
Por Ursula Schilling*
Os agrotóxicos são um dos temas que vêm ganhando espaço na mídia nacional, o que poderia indicar uma quebra do silenciamento sobre o assunto. Infelizmente, os destaques têm sido sobre o aumento recorde na liberação de novas licenças no país, sobre a manutenção da venda do glifosato, o agrotóxico mais utilizado em terras brasileiras, bem como sobre a contaminação na água e no solo, inclusive em áreas urbanas, o que deixa clara a utilização de tais produtos em níveis preocupantes.
No entanto, apesar da aparente atenção ao tópico, cabe a pergunta: que enfoque tem sido dado à questão? Uma rápida busca pelas notícias mais recentes trará exemplos como: Glifosato: Por que a Anvisa propõe manter liberada a venda do agrotóxico mais usado no Brasil (BBC Brasil, fevereiro de 2019), Registro de agrotóxicos no Brasil cresce e atinge maior marca em 2018 (Folha de S.Paulo, março de 2019), 1 em 4 municípios tem ‘coquetel’ com agrotóxicos na água (Exame, abril de 2019).
Outro ponto a ser levantado é onde essas notícias estão sendo veiculadas. Isso importa, porque não basta um assunto ser abordado. Ele tem que chegar até quem o leia, assista, ouça. Vale a ressalva, pois não é incomum observar que, na maior parte, as matérias aparecem em canais segmentados, ou seja, só quem já se interessa por determinada área terá acesso a eles.
Basta o simples exercício de “dar um Google”, buscando pela expressão “agrotóxicos no Brasil 2019”. Dos dez primeiros resultados, dois são de grandes canais, a saber, Globo e Folha de S. Paulo. Os demais são de sites e veículos específicos dedicados à causa ambiental.
Imagem: Captura de tela – busca realizada no Google
Isso não quer dizer que a grande mídia não tenha se manifestado. Programas de grandes emissoras, como o Globo Rural, da Rede Globo, tomaram sua parte no assunto. Sobre esse exemplo, vale a leitura do primeiro texto publicado neste observatório, que destaca o fato de não só não haver uma problematização sobre o ostensivo uso dos agrotóxicos, como de existir, ao invés, uma defesa. Um dos argumentos seria a necessidade da produção de alimentos em larga escala.
Só aqui haveria um amplo espaço para contrapor a teoria malthusiana de que a população cresce mais do que a produção de alimentos. Quantas matérias questionam o desperdício de um terço da produção mundial de comida (segundo estimativa da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, a FAO)? Quantos agroecologistas são ouvidos para defender que a produção familiar é mais segura e perfeitamente viável? Quem explica a lógica por trás do fato de o Brasil utilizar substâncias proibidas em outros países? Quantas vezes se viu uma visão histórica sobre a criação dos primeiros agrotóxicos e fertilizantes durantes as duas grandes guerras?
Se resgatarmos o papel social do jornalismo, vale a provocação: o que a mídia tem falado a respeito mune as pessoas das informações necessárias para que entendam globalmente a problemática do uso indiscriminado de substâncias tóxicas naquilo que nos servirá de alimento e das consequências? Não estará o jornalismo exercendo uma função meramente denuncista ao invés de propor um olhar crítico e um debate mais polifônico?
Um começo, seria dar voz a diferentes atores nesse cenário: à indústria, aos fazendeiros, sim, mas também aos pequenos agricultores, a pesquisadores e médicos… e, claro, a quem consome o que resulta desse sistema de produção, os consumidores.
Precisamos manter a visão crítica, seja como produtores ou consumidores de conteúdo, pois, mesmo que muito já seja dito, para cada dito, há muito ainda sendo silenciado.
*Ursula Schilling é jornalista, mestranda em Comunicação e Informação pela UFRGS e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).