Imagens: Capturas de tela das reportagens citadas
Por Michel Misse Filho*
Os grandes veículos de mídia brasileiros têm dado especial enfoque noticioso, nas últimas semanas, a dois temas ambientais: a discussão em torno da floresta amazônica –e o que ela desencadeia em termos de política externa para o Brasil, concomitantemente à realização da Assembleia Geral da ONU – e, mais recentemente e com menos ênfase, o aparecimento de petróleo cru em mais de cem praias do Nordeste.
O primeiro tema, após sucessivas reportagens e a criação de uma crise internacional para o governo, passa agora pela atuação militar nas missões de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Em meio às empreitadas, reportagem d’O Globo mostra que fiscais do IBAMA acusam o exército de negar apoio às ações de combate aos garimpos ilegais e focar apenas nas de incêndio – ações notadamente de maior visibilidade, afirmam funcionários do órgão ambiental. O descompasso entre as duas instituições ocorreria em função da possibilidade de destruição de equipamentos para mineração ilegal, e é fundamental levarmos em conta a desautorização pública que o governo fez, em abril, da destruição de maquinário em Rondônia – esta semana, o presidente também sustentou que o interesse na Amazônia é na mineração. Já as notícias do crime ambiental que mancha as praias do litoral nordestino passam, agora, pela investigação do rastro de origem da substância, em que a Venezuela desponta como principal suspeito, em matéria da revista Época.
O que as duas matérias têm em comum é a ascensão de um caráter cada vez mais investigativo e menos ambiental, mesmo que essas duas instâncias não sejam contraditórias entre si – muito pelo contrário, se completam. O objetivo aqui não é o de criticar a construção dessas matérias, mas notar uma trajetória aparentemente frequente na pauta ambiental: surge inicialmente com uma tragédia e, como tal, necessita de uma investigação que, ao desenrolar a história, parece ganhar autonomia jornalística frente ao próprio fato ambiental em si.
O jornalismo diário também apresenta abordagens que vão ao extremo oposto das tragédias. Deparei-me quarta-feira (02/10) com a seção “Dias melhores”, da Folha de São Paulo, que noticiou a conquista de um prêmio de sustentabilidade pela cidade sergipana de São Cristóvão, devido à sua política hídrica, com água tratada em quase 100% das casas. A pequena matéria é bonita, importante e inspiradora para outras cidades, mas também se restringe à pequena localidade.
Chama a atenção, ademais, a já conhecida dificuldade de sair da polarização “tragédia” e “bom exemplo localizado”, em que pese a necessidade de trazer complexidade aos fatos noticiados. Comumente perdem-se oportunidades de ir além do factual, podendo abarcar uma visão sistêmica, construtora de um jornalismo ambiental que fosse mais do que simples notícias sobre meio ambiente, como já foi observado e reiterado diversas vezes por pesquisadores deste Observatório.