
Patrícia Kolling*
Nos sites e jornais, já no final da semana passada, se multiplicavam as notícias sobre a previsão de frio histórico para os próximos dias. As previsões já estão se concretizando e o frio chegando, e esta é uma excelente oportunidade para os meios jornalísticos trazerem à tona a pauta das mudanças climáticas. Os eventos extremos, apontados pelo IPCC como uma das características das mudanças no clima, estão se tornando rotina no Brasil e já atingem milhares de pessoas. Em janeiro e fevereiro foram as chuvas intensas nas regiões Sudeste e parte do Nordeste e a seca na região Sul, no ano passado os períodos de estiagem foram prolongados em regiões como Centro-Oeste e Amazonia e o frio foi intenso no Sul e Sudeste. Voltando ao frio desta semana, por enquanto, os enfoques das notícias têm permanecido no factual com informações sobre a temperatura e explicações sobre alguns fenômenos que devem acontecer.
Como o jornalismo necessita do factual e de fatos concretos para tratar de temas complexos como as mudanças no clima, esperamos que nesta oportunidade, a mídia consiga ir além das notícias acima, das fotos bonitas de geada e neve e do inusitado frio no Centro-Oeste e Norte. É necessário explicar a relação do fenômeno com o aumento da temperatura global, e a partir de um olhar holístico, trazer ao debate os impactos desses fenômenos na saúde das pessoas, na produção e no preço dos alimentos, no meio ambiente como um todo, alterando padrões de comportamento da fauna e flora, além dos impactos sociais de pessoas que não têm como se proteger do frio. O tema já foi abordado pelo Michel Misse Filho, algumas semanas atrás, neste observatório quando ele destacou que além dos dados de relatórios e projeções é necessário que os meios de comunicação tragam ao debate “o emaranhado de outras dimensões que envolvem as mudanças climáticas”.
Entre os “emaranhados” deste tema, estão as estreitas relações entre as mudanças no clima e o agronegócio. Ao mesmo tempo, que o agronegócio tem sido o responsável pelos principais índices de desmatamento e pela emissão de gases do efeito estufa, também tem sentido no bolso os prejuízos dos eventos extremos (secas prolongadas, frios e geadas fora de época, imprevisibilidade de temporais e ciclones) que afetam diretamente as lavouras e a criação de animais. Mexer nesses temas exige pesquisa, disposição e dedicação de repórteres e editores, mas sem dúvida, poderia render reportagens com consistência para que leitores e telespectadores pudessem entender o fenômeno a curto e longo prazo.
*Patrícia Kolling é jornalista, doutoranda em comunicação pela UFRGS e professora da Universidade Federal de Mato Grosso – Campus Araguaia