Acontecimento global no jornalismo local: é hora de alinhar escalas e rever visões de mundo

Imagem: Edição de Zero Hora
Por Débora Gallas Steigleder*

O planeta se mobiliza pela Amazônia em chamas, e o jornalismo repercute os diferentes vieses que envolvem este conflito ambiental, evidenciado pela chegada de partículas das queimadas a São Paulo em 19 de agosto.

A edição do fim de semana de 25 e 26 de agosto de Zero Hora, que traz o assunto na capa, pretendeu aprofundar alguns tópicos a partir de apuração própria da redação do jornal gaúcho. O texto na primeira página da cobertura, não assinado, traz um apanhado geral dos aspectos políticos que envolvem o conflito por um viés declaratório, com a tradicional reprodução de pronunciamentos das fontes oficiais. Nada de novo aqui, portanto. A dimensão local é abordada em seguida, em texto de Leonardo Vieceli, que faz um gancho com a menção ao risco que a destruição da floresta representa ao acordo comercial recém firmado entre União Europeia e Mercosul. O repórter relata a preocupação de entidades exportadoras do Rio Grande do Sul com os danos do crime ambiental à imagem do país frente aos parceiros comerciais. Esta centralidade nos impactos econômicos segue a posição editorial da empresa e é repercutida por colunistas de Política e Economia na mesma edição. De certa forma, então, nada de novo até aqui também.

A seguir, um quadro informativo com mitos e verdades sobre a Amazônia ajuda a contextualizar o leitor e complementa o texto de Iarema Soares, que apresenta o olhar dos especialistas sobre as possibilidades de restauração e as perdas inestimáveis nos ecossistemas amazônicos. Assim como a entrevista com bombeiro que está trabalhando no combate às queimadas, realizada por Rodrigo Lopes, estes recursos permitem um diálogo entre escalas. Nada substitui a presença do repórter in loco, mas, em um contexto de limitações físicas (e financeiras), uma construção discursiva que oriente o olhar “daqui para lá” é interessante para gerar proximidade. Um passo importante, porém, seria incorporar uma reflexão constante na cobertura sobre os efeitos diretos da perda da Amazônia em nossas vidas independentemente da proximidade geográfica com ela. Afinal, já passou da hora de reconhecermos as interconexões que fundamentam a vida na Terra.

Talvez o conteúdo local mais expressivo da cobertura seja o histórico da destruição da floresta, assinado por Itamar Melo, com gráficos e comparativo da área desmatada na Amazônia com o território do Rio Grande do Sul. O texto menciona que gaúchos foram estimulados a ocupar a região a partir dos anos 50. E, amplificando a questão da continuidade, é interessante ver aqui o deslocamento de sentido sobre o tema em Zero Hora, por meio de uma espécie de reversão do silenciamento: em minha leitura, por exemplo, remeti imediatamente a todas as coberturas do veículo – e do Grupo RBS, em geral – com narrativas heroicas sobre a conquista do Centro-Oeste e do Matopiba por gaúchos envolvidos no monocultivo de soja. Ao longo de décadas, a expansão das fronteiras agrícolas foi relatada – e exaltada – nos veículos da empresa sem contraponto ambiental. Muitos jornalistas têm-se posicionado para apontar o discurso violento e mentiroso de representantes do governo federal como avalizador de crimes ambientais, e com razão. Mas já é tempo de as mídias e seus profissionais fazerem uma autoavaliação: em que medida terem corroborado para o mito do progresso também contribuiu para a “naturalização” da destruição?

* Jornalista, doutoranda em Comunicação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul com bolsa Capes. Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).

Através da nuvem de fumaça: quando os meios de comunicação são os nossos olhos

Imagem: Captura de tela do site El País Brasil
Por Ursula Schilling*

O tópico que eu tinha em mente para minha análise seria, mais uma vez, a questão dos agrotóxicos, visto ser esse o meu tema atual de estudos. Mas não posso ignorar o fato de que, há mais de uma semana, a mídia tem dado amplo espaço para um assunto que, por seu caráter desastroso, não pode ser deixado de lado: as queimadas na Amazônia.

Quando decidi escrever sobre este tópico, fiz um rápido exercício e me questionei: o quanto já sei a respeito e por que meios me informei? Consumo pouco jornal impresso, sendo o online minha principal fonte de informação. Tomei contato com o assunto, num primeiro momento, pelo meu feed de notícias do Facebook. Sim, o algoritmo já entendeu os temas que me interessam e minha bolha informativa me mantém atualizada. Mas me chamou atenção, porém, o fato de não apenas sites voltados ao meio ambiente e veículos de mídia segmentada estarem noticiando a situação, mas grandes portais de notícias, que, usualmente, não se dedicam às pautas ambientais, pelo menos, não com a intensidade de agora.

Já propus isso uma vez e proponho novamente: dê um “Google” e digite a palavra “queimadas”. Não é preciso sequer digitar o resto, para que se auto completem as expressões “queimadas na Amazônia”, “queimadas na Amazônia 2019” e coisas do gênero. Um clique e todos os resultados apontam para grandes canais como Globo.com., El País Brasil, Folha de S.Paulo, entre outros.

Imagem: captura de tela do Google

Numa breve reflexão, quero levantar três pontos.

1) Trago um primeiro ponto: qualquer pessoa que more aqui no Sul do Brasil, por exemplo, a não ser que tenha um parente no Pará, onde teria começado “o dia do fogo“, que relate o caos instalado em função dos incêndios, não tem como saber o que realmente acontece na outra ponta do País. E mesmo alguém que more numa das cidades cobertas pela nuvem de fumaça, que se deslocou por centenas de quilômetros, não tem como saber sua origem. Nesse caso, a mídia são os nossos olhos (não vou entrar aqui na questão das redes sociais), para vermos o que acontece longe de nós. Ou seja, os jornalistas estariam, de fato, cumprindo seu papel de informar.

2) Certo. O assunto foi agendado, as queimadas na Amazônia estão nas rodas mais corriqueiras de conversa. Mas e agora? O que se fala exatamente? E aqui vem meu segundo ponto: a mídia, uma vez expondo a dramática situação da maior floresta tropical do mundo, faz isso sob que vieses? Esclarece as razões da destruição acelerada da mata? Ajuda o leitor/espectador a compreender as dimensões e consequências dos estragos? Mais uma vez, parece que sim. Ainda que seja necessário o acesso a diferentes sites, numa espécie de montagem de colcha de retalhos, é possível se munir de muita informação. A evolução das queimadas, suas motivações políticas e econômicas e suas proporções, estão entre perspectivas possíveis.

3) Contudo, é preciso manter o espírito crítico e a vigilância. Ainda que o tema tenha alcançado visibilidade sob diversas abordagens, cabe questionar: por quanto tempo ele terá o interesse da mídia? Mesmo com os vários pontos levantados, somos levados a pensar nossa relação com a destruição da nossa fauna e da nossa flora? Há um nível de esclarecimento que nos permita compreender a gravidade do que acontece? As notícias conseguem fazer frente aos estragos da desinformação?

Após construir meu mosaico informativo, parece-me, infelizmente, que não. Nesse caso, é necessário um trabalho sistemático e, por que não dizer, educativo. Uma vez cessadas as queimadas, se a mídia voltar a calar e invisibilizar o tema, ficamos sem nossos olhos e ouvidos para aquilo que não é de nosso domínio e do nosso cotidiano.

Por isso, proponho um último desafio: daqui dois meses, quando eu retornar a este espaço para trazer mais reflexões, vejamos juntos o quanto dessa grande crise ambiental brasileira ainda estará sendo problematizada, se ela ainda terá espaço nobre nos grandes veículos, a fim de não cair no esquecimento. Mas não espere por mim, nem todo esse tempo. Faça, diariamente, esse exercício crítico. Ele é fundamental.
E que até lá, reste-nos alguma Amazônia.

*Ursula Schilling é jornalista, mestranda em Comunicação e Informação pela UFRGS e faz parte do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).

Quando o jornalismo ambiental encontra o literário

Captura de tela – Reportagem da edição de agosto da revista Piauí
Por Roberto Villar Belmonte*

Talvez somente nos meses que antecederam a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que aconteceu no Rio de Janeiro entre os dias 3 e 14 de junho de 1992, tenha se falado tanto sobre questões ambientais do Brasil como nesses primeiros meses do Governo Bolsonaro. Os grandes eventos e as catástrofes têm esse efeito nos jornalistas. Eles mobilizam.

O desmonte da governança ambiental planejado no ano passado e colocado em prática no início de 2019 foi descrito detalhadamente em uma reportagem de 11 páginas da revista Piauí assinada por Bernardo Esteves. Na mesma edição de junho, a publicação mensal deu mais 11 páginas para capítulo inédito do livro A Terra inabitável: uma história do futuro, de David Wallace-Wells.

Essa edição tinha ainda um texto de uma página sobre o plantio de milho dos quilombolas do Vale do Ribeira, em São Paulo, e mais cinco páginas sobre uma batalha jurídica para salvar uma árvore amazônica em Copacabana. Essas 28 páginas da Piauí de junho com pautas do campo ambiental poderiam ser atribuídas ao Dia do Meio Ambiente (5 de junho), período em que proliferam juras de amor à sustentabilidade. Mas não é o caso.

A pauta ambiental sempre esteve no radar editorial da publicação de referência criada por João Moreira Salles. Um exemplo é a reconstituição do crime praticado pela Samarco em Mariana (MG) realizada pela repórter Consuelo Dieguez na reportagem A onda publicada na edição de julho de 2016 na Piauí. Esse trabalho entrou para os anais do jornalismo brasileiro e é estudado em sala de aula.

Os recursos do jornalismo literário – imersão do repórter, humanização das personagens, reconstrução de cenas, reprodução de diálogos – ajudam a dar sentido aos dramas e conflitos que envolvem a relação sociedade e natureza. Tais recursos, incentivados na Piauí, são muito produtivos quando a pauta é ambiental devido à complexidade dos temas e as diversas relações necessárias.

A edição de agosto da revista Piauí chegou às bancas com mais uma pauta do campo ambiental: os furtos de abelha no interior de Minas Gerais. A reportagem de quatro páginas do repórter Leonardo Pujol leva o leitor ao mundo dos apicultores, conectando o modo de ver as pautas do jornalismo ambiental aos recursos narrativos do jornalismo literário.

Nesse mundo da criação de abelhas (insetos afetados pela mudança do clima e pelos venenos utilizados nas monoculturas do agronegócio), agora também há ocorrências policiais, como já ocorre há séculos com o gado. Pujol, que contou essa história, faz parte dessa nova geração de jornalistas sensibilizados pelas questões ambientais e, no caso dele, pelo jornalismo literário.

Como salienta o professor Reges Schwaab em um dos capítulos do e-book Jornalismo ambiental: teoria e prática, “o espaço da reportagem ampliada ou em profundidade e o pensamento socioambiental têm, em termos de estrutura de pensamento, um parentesco” (p.71). Prova disso é a revista Piauí, publicação que não apenas abre espaço para temas ambientais, mas também para novos talentos do jornalismo brasileiro.

*Roberto Villar Belmonte é jornalista, professor e pesquisador dedicado à cobertura ambiental. Membro do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).

O problema dos agrotóxicos não está somente na comida

Imagem: Captura de tela – Notícia publicada no site G1
Por Nicoli Saft*

No último dia 6, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou que “nenhum consumidor está sendo intoxicado” por agrotóxicos. Sua fala vem após a adoção de novas regras de classificação dos pesticidas, que na prática diminuiu de 702 para 43 o número de agrotóxicos extremamente tóxicos . Com a nova classificação, apenas os produtos letais são caracterizados como “extremamente tóxicos”. Os produtos que causam úlceras, corrosão na pele e opacidade da córnea também eram classificados assim. As informações dos rótulos destes produtos também terão novo sistema, com a adoção de símbolos, por exemplo.

Resolvi tratar nesse texto não apenas de uma ou duas matérias, mas tratar do contexto, algo que falta nas três matérias da Folha linkadas acima. A ministra fala sobre o perigo de se alardear que a “comida está envenenada”, que isto seria um desserviço para o Brasil e que poderia prejudicar a imagem do país perante o mercado internacional. Entretanto, um dos grandes problemas do uso de agrotóxicos e das novas regras de classificação não está no consumidor final. Está na aplicação.

Na última segunda-feira, dia 5, também foi publicada uma reportagem no jornal El País Brasil sobre uma aldeia Guarani Kaiowá que foi intoxicada por uma nuvem de pó de calcário e agrotóxicos. A aldeia Guyraroká está localizada em Caarapó, no Mato Grosso do Sul, e aguarda a demarcação de suas terras. A escola da comunidade está a 50 metros da cerca que separa o território indígena de uma fazenda. As crianças comiam merenda quando a nuvem chegou e foram as primeiras a serem atingidas. Em poucos minutos, toda a aldeia ficou coberta de poeira, inclusive as hortas. Vários indígenas, principalmente crianças e idosos, apresentaram sintomas de intoxicação por pesticidas – enjôos, irritação na pele, diarreia e dores de cabeça. Animais, como cães e galinhas, morreram. E falamos somente dos sintomas imediatos, pois a poeira também está ligada a problemas respiratórios.

A Guyraroká é cercada por plantações de cana, soja e milho e os cerca de 120 Guarani Kaiowá que vivem na aldeia são constantemente expostos a pesticidas, que são aplicados por aviões e tratores. Na reportagem, uma senhora da aldeia conta que recorrem a raízes e plantas medicinais para tratamento, pois o acesso a médicos e remédios é difícil. Entretanto, ela tem medo de que logo não restará mais essas plantas, pois as “nossas florestas estão virando pastos e lavouras”.

Com os cortes de orçamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), funcionários que atendam os indígenas são raros. Na região de Caarapó, com cerca de 10 mil indígenas e grandes conflitos, só há uma servidora da Funai . E quando os índígenas buscam o hospital regional, sofrem ameaças. Os fazendeiros chegam a pedir aos funcionários para não os atenderem ou darem remédios trocados.

E não são somente indígenas que sofrem com a pulverização de pesticidas em áreas impróprias. Reportagem da Agência Pública e da ONG Repórter Brasil aponta que agrotóxicos estão sendo utilizados como arma química no Pará. Três acampamentos de agricultores sem-terra de uma comunidade quilombola foram alvos de ataques desde 2013. A reportagem trata do caso do acampamento Helenira Rezende, localizado na zona rural do município de Marobá, nas terras do complexo Cedro, área reivindicada pela Agropecuária Santa Bárbara Xinguara S.A., empresa que pertence ao banqueiro Daniel Dantas. Cerca de 150 famílias foram vítimas do que chamam de “ataque químico”, ocorrido no dia 17 de março de 2018. Segundo os moradores, uma pequena aeronave sobrevoou a região durante toda a tarde, pulverizando agrotóxicos. A disputa judicial que trata dessas terras já completou 10 anos.

A guerra travada entre latifundiários e indígenas, entre latifundiários e agricultores sem terra, entre latifundiários e pequenos agricultores não é novidade. Em julho, se atingiu o número recorde de 290 ‘defensivos agrícolas” aprovados. Com as novas regras, os aplicadores saberão quais os produtos letais e quais os que “apenas” causam úlceras. O jornalismo brasileiro tradicional precisa entender que agrotóxicos não são apenas sobre alimentos, podemos observar que os agrotóxicos estão sendo utilizados até mesmo como armas pelos grandes fazendeiros. Para problematizar os agrotóxicos deve-se pensar também nos conflitos territoriais brasileiros e em quem sofre na pele com isso.

* Jornalista, mestranda em Comunicação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul com bolsa Capes. Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).

Desmatamento: o jornalismo precisa nos aproximar da Amazônia. 

Imagem: Captura de tela – Notícia publicada no site G1.
Por Patrícia Kolling*

O desmatamento na Amazônia, a partir de dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe), foi a principal pauta política e ambiental da semana. Conforme matéria publicada na Folha de São Paulo, com base em imagens de satélite, o órgão federal mostrou que mais de 1.000km2 de floresta amazônica foram derrubados na primeira quinzena do mês de julho deste ano, um aumento de 68% em relação a julho de 2018. O valor mensal registrado em julho de 2019 é o mais alto da série divulgada desde agosto de 2015. Os dados mensais são do Deter, órgão do Inpe, que não mede o desmatamento, mas indica tendência de desmatamento, para auxiliar na fiscalização.

A divulgação dos dados gerou uma crise política no Brasil, que culminou com a exoneração do diretor do Inpe, Ricardo Galvão, na última sexta-feira, dia 02. Sobre os dados do Inpe, o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que o percentual de aumento de desmatamento obtido pelo sistema Deter não condiz com a verdade. O Presidente da República também questionou o órgão federal.

Diante desta e de outras crises criadas atualmente sobre as questões ambientais, é necessário que o jornalismo se posicione pela informação e conscientização dos cidadãos brasileiros. Mas o que se vê em muitos veículos jornalismo é o que chamamos de jornalismo declaratório, reproduzindo somente as falas do ministro, do presidente, de representantes de órgãos ou autoridades. Na matéria apresentada acima, a maior parte do texto foca nas falas e respostas do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que é destacada no título, do ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, do diretor do Inpe, Ricardo Galvão. Busquei na Folha de São Paulo outras matérias a partir das palavras Amazônia e desmatamento e não encontrei nenhuma que aprofundasse, contextualizasse e simplificasse os dados do Inpe. Essa característica não é exclusividade deste jornal, e nem desta temática, mas de vários meios de comunicação. Para entendermos quem das autoridades acima está falando a verdade, precisamos de apuração detalhada e aprofundada e não apenas saber o que um disse e o outro falou.

A maioria dos brasileiros mora longe da Amazônia. Não tem a mínima ideia do que 1000 km2 de desmatamento em quinze dias na Amazônia pode representar em suas vidas. O que o desmatamento tem a ver com as secas frequentes? Com o aumento das temperaturas? Com a falta de água nas torneiras do sudeste? Como interfere nos mananciais das águas e assoreamento dos rios? E para os que moram na Amazônia, o que esses números representam? O que isso representa para as famílias extrativistas, tradicionais e indígenas que lá vivem? As áreas desmatadas se transformarão em que: pastagens e lavouras de soja? Que impactos essas atividades tem na região e na emissão de gases poluentes? Como nós, através dos produtos que consumimos, estamos contribuindo com esse desmatamento? Essas são algumas questões que nos surgem quando vemos dados sobre desmatamento na Amazônia que precisam ser respondidas pelos meios de comunicação para que a sociedade brasileira compreenda o tema e se posicione de forma cidadã.

Jornalisticamente, a pauta é quente, os dados são atuais e a oportunidade de produzir reportagens sobre o assunto é evidente. E a mídia internacional compreendeu muito bem essa oportunidade de aproximar o mundo da Amazônia. A revista Economist tratou o tema com reportagem de capa , contextualizando a crise política com informações ambientais. Os jornais The New York Times e The Guardian também abordaram o assunto.

*Patrícia Kolling é jornalista, doutoranda em comunicação pela UFRGS e professora da UFMT.

Jornalismo torna complexo o olhar para a peleteria

Fonte: Captura de tela de notícia publicada no Portal G1
Por Eutalita Bezerra*

Há muitos anos foi extinta a necessidade humana de proteger-se usando pele de animais. Apesar disso, este ainda é um dos argumentos utilizados em defesa da peleteria, atividade que extrai tecido animal para vestimenta. Na reportagem publicada no último dia 18, no Portal G1, esta explicação ainda aparece, porém, já se percebe certa vontade de mudança.
Impondo à atual juventude – os chamados Millennials – a responsabilidade pela pressão sobre as indústrias de moda, a reportagem afirma que vem do ativismo e da preocupação com a sustentabilidade desta geração a redução do uso de pele animal na moda. Contando com fontes como a Peta – e citando grandes labels, tais como Burberry, Gucci, Michel Kors e, mais recentemente, Chanel, o texto admite um recuo na utilização de couros considerados exóticos, extraídos, dentre outros, de cobras, lagartos e crocodilos. Os demais tipos de pele e outros tecidos provenientes de animais, como lã e seda, são citados muito brevemente, o que nos parece uma tentativa de tornar o questionamento mais palatável. Pudera: basta uma pesquisa rápida e se sabe, conforme o Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil, por exemplo, que o Brasil, conta com mais de 260 estabelecimentos do ramo e exporta mais de 2 bilhões de dólares por ano em couro para 80 países.
Porém, trazendo uma professora de moda da FAAP, a reportagem consegue navegar nos meandros da questão. Isto porque apresenta o consumo de pele animal como insustentável, com grandes danos ao meio ambiente, além do próprio sofrimento animal e do excessivo consumo de água. Afirma, ainda, que não é suficiente trocar o couro animal pelo sintético, que vem de matéria-prima derivada de petróleo.
E, o que mais nos agrada: se preocupa em apontar caminhos. Apresentando o couro de abacaxi, material preparado com as fibras das folhas do vegetal, como parte das coleções de grandes marcas, o jornalista mostra ao seu leitor que é possível, mesmo dentro da lógica de consumo atual, repensar a relação entre consumidores e insumos. O piñatex, que já foi tema de reportagem na Forbes e na Exame, é produzido nas Filipinas como subproduto da agricultura. Sua criadora, a designer Carmem Hijosa, trabalhou durante anos na indústria do couro animal, antes de buscar outras alternativas.
Podemos dizer que o jornalista se preocupa em olhar para os diversos viéses da situação e o faz com algum fôlego. Complexifica o assunto. Escolhe suas fontes com clareza daquilo que busca. Fala de moda trazendo à luz da Ciência. Fala de sofrimento animal como demonstração da insustentabilidade atual. Fala de indústria e suas controvérsias. E fala de futuro apresentando caminhos.

* Jornalista, doutoranda em Comunicação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul com bolsa Capes. Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).

No tempo das catástrofes, jovens jornalistas questionam critérios de noticiabilidade

Fonte: Captura de tela de notícia publicada no portal Humanista
Débora Gallas Steigleder*

No último dia 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, participei do podcast #ConversaHumanista, produzido por estudantes da disciplina Laboratório de Jornalismo Convergente, do curso de Jornalismo da UFRGS. Em pauta, por ocasião da data, a cobertura jornalística sobre meio ambiente no Brasil. Representando o Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental, dividi a mesa com a estudante Camila Souza, que reportou ao portal Humanista as ameaças à produção agroecológica, a comunidades rurais e urbanas e à conservação da biodiversidade representadas por um grande empreendimento de mineração de carvão nas adjacências de Porto Alegre – assunto sobre o qual temos nos debruçado neste Observatório.
A reportagem do Humanista apresenta abordagem sistêmica diante do risco multifacetado que envolve o projeto. Assume um lado – o direito de existência das comunidades humanas e não-humanas – e dá voz ao contraditório, ouvindo o representante da mineradora Copelmi. Reconhece que a pluralidade de vozes vai além da pluralidade de fontes ao mapear a diversidade da produção agroecológica no assentamento Apolônio de Carvalho, no município de Eldorado do Sul, e relacioná-la à luta das famílias ali estabelecidas. Neste sentido, traz um relato sobre o modo de vida local, buscando proximidade leitores – quem mora em Porto Alegre, por exemplo, pode identificar consequências diretas da mineração em sua própria vida por conta da potencial contaminação da água e de alimentos.
E, mais importante do que corresponder individualmente a preceitos que identificamos como próprios do jornalismo ambiental, vemos que a reportagem foi apenas um primeiro movimento de cobertura contínua sobre o tema. O Humanista repercutiu a Audiência Pública realizada em Eldorado do Sul em 27 de junho e vem aproveitando o gancho para aprofundar o assunto, como nesta entrevista com Rualdo Menegat, autor do Atlas Ambiental de Porto Alegre. Este foi um desafio que apontamos como central ao jornalismo durante o #ConversaHumanista. Por que falar sobre problemas ambientais somente no dia 5 de junho? Por que limitar a cobertura à repercussão de crimes ambientais como os das mineradoras Samarco e Vale e não aprofundar os questionamentos sobre o sistema político e econômico em que vivemos, o qual permite relativizar a importância da precaução sob o pretexto do lucro financeiro?
O futuro é agora, e cabe orientarmos os jornalistas em formação a repensarem e atualizarem os critérios de noticiabilidade que engessam a agenda de repórteres e nos distanciam de um valor comum – a viabilidade de nossa existência neste planeta. Neste contexto, bem-vindas são as iniciativas que reconhecem a inovação no jornalismo como o fomento de uma consciência crítica da realidade, para além da mera inserção de gadgets e ferramentas tecnológicas na rotina de trabalho.

* Jornalista, doutoranda em Comunicação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul com bolsa Capes. Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).

Projeto de megamina na região metropolitana de Porto Alegre merece maior aprofundamento pela grande imprensa

Fonte: Reprodução de ILEA UFRGS Vídeos.
Por Eliege Fante*

Audiências públicas já foram realizadas em Charqueadas e Eldorado do Sul (RS) onde o projeto Mina Guaíba da Copelmi é endereçado. Mas, Porto Alegre também reivindica a realização de uma audiência pública, cuja zona central fica a apenas 16 km da proposta de megamina de quase cinco mil hectares. Em geral, as notícias da grande imprensa têm abordado a geração de renda, empregos e novas tecnologias conforme a divulgação da empresa, e a poluição e os riscos impressos no projeto segundo técnicos ambientais. Contudo, ainda há muito a ser dito e debatido. Para tentar dar conta da complexidade entorno da tomada de decisão sobre autorizar ou não o projeto, jornalistas podem recorrer ao trabalho dos pesquisadores do Grupo de pesquisa Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade da UFRGS (TEMAS), protocolado no último dia 4 na Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (Fepam), órgão responsável pelo licenciamento ambiental. Trata-se de um contra laudo sobre o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) do projeto Mina Guaíba da Copelmi. A motivação decorre das inconsistências e erros percebidos pelos professores e pesquisadores.

A própria Fepam tem estudos em andamento sobre a mineração no Estado (Programas e Projetos, no site). Por se tratar de um projeto de implantação da maior mina a céu aberto da América Latina, seria pertinente apurar estes dados acumulados e a situação ambiental e econômica das regiões. Conferir a qualidade do ar, do solo e da água, bem como da saúde das comunidades afetadas, como se fosse uma radiografia da mineração gaúcha. No livro da Fepam de 2002, Meio Ambiente e Carvão, Impactos da exploração, o então diretor-presidente da Fundação, Nilvo Luiz Alves da Silva, alertava: “Um desenvolvimento energético sustentável significa que devemos ir além de algumas questões tradicionalmente abordadas como viabilidade técnica e econômica. O processo deve incorporar os impactos no ambiente e na saúde, esgotamento de fontes energéticas, equidade intra e intergeracional e a definição das políticas públicas relativas ao setor.”.

A questão intergeracional também preocupa o geólogo, professor e pesquisador da UFRGS, Rualdo Menegat. “O projeto não garante sustentabilidade ambiental, não convence do ponto de vista técnico, o EIA-Rima não é confiável. É uma injustiça geracional enorme, podemos deixar este problema para nossos filhos e netos gerenciarem este passivo daqui a 23 anos? Temos este direito?” Estas e outras questões levantadas por Menegat, como a do uso da água de dois aquíferos (Quaternário e Rio Bonito) pela pretendida Mina Guaíba, merece ser considerada pela grande imprensa com o aprofundamento correspondente à importância que o recurso tem para a vida. Menegat pergunta se não seria o caso de optarmos pela conservação deste recurso imprescindível já que a capital e municípios vizinhos têm o abastecimento dependente do Lago Guaíba. Ainda mais, diz ele, que não há plano de substituto em caso de haver uma impossibilidade para a captação. Antes da autorização do projeto pelo órgão licenciador, há respostas cruciais a serem buscadas. De fato, uma audiência pública em Porto Alegre poderia proporcionar este espaço.

* Eliege Fante é jornalista, doutoranda em Comunicação pela UFRGS, integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS) e bolsista Capes.

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Sobre o desmatamento do Bioma Pampa: é possível fazer jornalismo para além do senso comum

Imagem – Captura de tela de notícia publicada no site Folha de S.Paulo
Por Ursula Schilling*

Repetidas vezes, em nossas análises para este observatório, damo-nos conta de um cenário nada animador, de acordo com o qual as pautas ambientais carecem de espaço na mídia e, quando o recebem, esses espaços trazem abordagens superficiais, enviesadas (com uma olhar desenvolvimentista ou da dita economia verde), sem propor um verdadeiro debate sobre o tema.
Mas se isso é verdade, também é verdade que há sinais de que um jornalismo sério e comprometido com a qualidade da informação não só é possível, como já existe em alguns casos. Um exemplo disso é a matéria “Pampa gaúcho sofreu desmate de 44%, aponta novo monitoramento do Inpe“, de autoria da jornalista gaúcha Paula Sperb, para a editoria de ambiente do site do jornal Folha de S.Paulo. Publicado em 5 de junho, o texto trata da questão do desmatamento do Bioma Pampa, trazendo dados inéditos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe, segundo o qual, em 2016, 43,7% da vegetação nativa já estava suprimida, ou seja, desmatada.
O interessante da matéria não são os dados em si – o que já é “positivo”, uma vez que não se ouve ou não se lê comumente sobre o Bioma Pampa em veículos jornalísticos de referência – mas o fato de eles não virem sozinhos. Mesmo que de forma sucinta, há uma problematização do tópico, uma vez que são apontadas algumas das possíveis causas da destruição do Pampa, um dos seis biomas brasileiros, que só existe no Rio Grande do Sul.
A começar, o texto destaca, brevemente, o que é o Bioma Pampa, para que o leitor minimamente se situe, entenda do que se trata e, mais que isso, perceba a dimensão do que é tratado. Pode não parecer importante, mas quando o assunto são questões ambientais, trazer para a realidade próxima, explicar termos não muito conhecidos, faz diferença para que as pautas não sejam tão abstratas ou distantes para quem as lê. Além disso, há uma explicação sobre os impactos do desaparecimento desse bioma, envolvendo, até mesmo, questões culturais, geralmente tão caras ao povo gaúcho.
Em seguida, Sperb traz a fala de um professor da Universidade Federal do Pampa – Unipampa, apontando que o Bioma Pampa está perdendo espaço para o plantio de soja. Aqui, o trecho é duplamente interessante, pois além de apontar uma das possíveis causas para a destruição do bioma, ainda levanta, paralelamente, a problemática das monoculturas, hoje ainda pouquíssimo abordada. Vale destacar que a expressão “monocultura da soja” vem com link para um texto intitulado “Terras indígenas foram invadidas com soja transgênica, conclui Ibama”.

Imagem – Captura de tela de notícia publicada no site Folha de S. Paulo

A notícia publicada por Sperb é curta, mas isso também é uma prova de que não são necessárias extensas reportagens para que se aborde um tópico com o mínimo de aprofundamento e problematização, saindo do senso comum. Até porque um assunto não há de se encerrar numa única abordagem. Trazer à luz, sistematicamente, temas que precisam de repercussão e espaço, como são os relacionados ao meio ambiente, é um princípio importante para proporcionar ao leitor um conhecimento mínimo acerca dessas questões e, com o tempo, o espírito crítico que se espera que o bom jornalismo nos ajude a desenvolver.

*Ursula Schilling é jornalista, mestranda em Comunicação e Informação pela UFRGS e faz parte do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).

O que o Jornalismo tem a ver com a nova fronteira da mineração?

Imagem – Captura de tela de reportagem publicada no site Sul21
Por Carine Massierer*

A mineração não é assunto novo no Brasil, mas passou a chamar mais atenção da imprensa quando ocorreram grandes acidentes em minas de propriedade da empresa Vale S/A localizadas em Minas Gerais. No Rio Grande do Sul a imprensa até então se dedicava a reproduzir notícias sobre estes acontecimentos e muito poucas vezes pautou a mineração no Estado.

Porém, em novembro de 2018, foi apresentado pelo governo do Estado um diagnóstico sobre a mineração e manifestada a intenção do poder público de atrair para o Rio Grande do Sul empresas com interesse na exploração das riquezas minerais. No momento, quatro grandes empreendimentos tramitam junto aos órgãos ambientais.

A partir disto, jornais de grande repercussão estadual e nacional, como Brasil de Fato, Sul21, Jornal do Comércio, ZH, Extra Classe e Correio do Povo passaram a noticiar o tema. Porém com uma rápida análise se percebe que os veículos de esquerda e jornais que tem como base os movimentos ressaltam os malefícios e se cercam de fontes e entrevistas para demonstrar o que pode ser causado pela nova fronteira da mineração. A imprensa com maior expressividade no Estado foca em relatar os acontecimentos sociais que envolvem a mineração.

E o que o Jornalismo tem a ver com a nova fronteira da mineração?
O jornalismo tem que contribuir para que a população tenha informações sobre de que forma a mineração pode afetar a sua vida e deve apresentar elementos para que as pessoas possam se manifestar. Além disto, ele pode e deve dar voz a quem mais precisa: as pessoas que podem ser afetadas pela mineração.

Na matéria publicada pelo Sul21 em 19 de junho, pode-se perceber que o jornalista Marco Weissheimer consegue dar voz a muitas fontes a respeito da mineração. A reportagem trata da formação de um comitê que envolve mais de 50 entidades contrárias aos projetos de megamineração no Estado e ouviu todos que participaram da reunião de formação do comitê, mostrando a preocupação dos movimentos com relação aos projetos que estão em processo de licenciamento ambiental.

O Mina Guaíba pretende extrair carvão a céu aberto em uma área localizada entre os municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas; o projeto Caçapava do Sul quer minerar zinco, chumbo e cobre às margens do rio Camaquã; o projeto Três Estradas pretende extrair fosfato em uma região de Lavras do Sul; e o projeto Retiro quer extrair titânio em uma área localizada entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico. Fala inclusive o líder do assentamento de Eldorado do Sul, pois as famílias seriam afetadas.

Porém, não consta no texto, sequer em link, a proposta do governo a respeito, muito menos informações que deem ao leitor uma noção cronológica da nova fronteira da mineração e como o legislativo e o judiciário têm se posicionado. Ou seja, apesar de ter muitas fontes, o “outro lado” também buscado pelo jornalismo, não está presente no texto.

*Carine Massierer é jornalista, mestre em Comunicação e Informação pela UFRGS e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).