Conteúdos patrocinados vão esvaziar ainda mais a dimensão coletiva e política da pauta ambiental?

Imagem: Captura de tela do Estadão

Por Reges Schwaab*


Tendência entre grandes grupos de jornalismo, os estúdios de conteúdo – que se ancoram em elementos do fazer jornalístico, mas oferecem conteúdo sob encomenda -, começam a ter nas temáticas ambientais um filão de mercado. O fenômeno também pode ser lido no contexto de uma discussão sobre os rumos da economia no pós-pandemia e da própria crise do jornalismo (ou das empresas de mídia).


Um exemplo recente é o Estadão Blue Studio, do jornal O Estado de S. Paulo, que nos últimos dias entregou diversos conteúdos relacionados ao ambiental sob o guarda-chuva do projeto Retomada Verde, lançado no ano passado. O argumento central do Retomada é, justamente, dar conta de um “movimento global” que estaria ganhando espaço no Brasil, “com empresários, economistas e personalidades endossando a necessidade de fortalecimento da bioeconomia, de cidades mais sustentáveis e de um novo modo de vida e consumo”.

Tais projetos editoriais evidenciam o ambiental como eixo central do contemporâneo, e um “verde” tomado como objeto pelo próprio jornalismo. O extinto Movimento Planeta Sustentável, da editora Abril, revistas com edições verdes ou guias de sustentabilidade, o movimento Um só Planeta, do Grupo Globo, bem como o exemplo aqui assinalado, traduzem também uma tentativa de apaziguamento da natureza complexa e plural de um tema multifacetado.


Essas proposições estão ancoradas na parceria com atores econômicos selecionados, bastante cientes da importância de estarem colados a um discurso de referência. Os próprios causadores da degradação ambiental se apropriam da crítica à sua atuação para usá-la a seu favor, como argumenta André Soares em “A natureza e a cultura do eu” (Ed. Univali, 2003). Os jornais, por sua vez, utilizam seu valor simbólico e a imagem que usufruem na comunidade discursiva que alimentam como seus grandes produtos. Uma perspectiva crítica não deve ser perdida, uma vez que o viés jornalístico nem sempre é o preponderante, os horizontes editorial e empresarial têm sempre mais força nessas iniciativas. Fosse somente pelo interesse jornalístico, as editorias de meio ambiente seriam permanentes e alvo de real investimento.

Imagem: Captura de tela do Estadão

Neste exemplo, temos um texto bem escrito, com a utilização de fonte de alta credibilidade e reconhecida competência no tema. Ao navegar pela página do Retomada, os conteúdos que têm origem em ações com empresas, sob encomenda, recebem uma tarja de conteúdo patrocinado. Todavia, ao termos o tema assumido como projeto editorial e empresarial do próprio grupo de mídia, sempre caberá perguntar quem define a agenda. As pautas emergem naturalmente da observação apurada da realidade cotidiana? Ou elas estão determinadas por um contrato? Todas ou somente algumas? E se, eventualmente, algum dos patrocinadores estiver no centro de um acontecimento negativo, como isso se processará jornalisticamente? E mais: em um país assolado por ondas sucessivas de informação fraudulenta (fake news), em que a estética da notícia é usada para gerar identificação com conteúdos falsos como se fossem verdadeiros, haverá, no exercício da leitura e visualização desses conteúdos, o real entendimento e separação do que é genuinamente jornalístico do que atende a interesses acordados previamente? Com o andar da carroça, as abóboras não estarão tão acomodadas a ponto de não mais haver diferença de tom ou enquadramento entre os dois tipos de conteúdo?

Talvez estejamos observando, nesse caso, movimentos da busca por sobrevivência das empresas jornalísticas. Se for, que resultados trarão para a pauta ambiental nos jornais e revistas? Tudo isso merece ser debatido também a partir do estatuto do jornalismo, questionando se ele ainda pode ser preservado. Pensando nas premissas da liberdade, da pluralidade e da independência, a produção de conteúdo sob demanda pode ser classificada como produto jornalístico, pode figurar no mesmo espaço do jornal/site? E quando tudo está no mesmo espaço, seguindo o mesmo formato e linguagem, a tarja de conteúdo patrocinado é suficiente? Vale lembrar que lavouras de milho transgênico interferem e modificam as variedades tradicionais plantadas nas lavouras vizinhas.

Em se tratando de jornalismo, o interesse privado, que é igualmente central na economia verde, jamais trará resultados de matiz coletivo, ou seja, no sentido de amplificar a compreensão do social e ajudar a produzir o bem comum de forma equânime. Considerando a necessidade de um debate público realmente abrangente, e diante do cenário de desmonte das políticas ambientais no Brasil, a fragilidade do jornalismo enfraquece ainda mais a compreensão macro do ambiental, e sempre acaba por esvaziar a dimensão política do tema. Certamente a tecnologia tem seu papel no desenho de soluções, há muito que se discutir. Como adverte o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, no entanto, o caminho não está em transformar problemas éticos em problemas técnicos apenas.

* Jornalista, doutor em Comunicação e Informação, professor na UFSM e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).

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