O Jornalismo entre políticas

05.05

Imagem: Reprodução de notícia publicada no dia 18.04.19 no jornal Correio do Povo (p.6)
Por Eliege Fante*

Toda vez que leio a respeito da “ineficiência das políticas públicas” referente à redução das emissões de gases de efeito estufa causadores da mudança climática, fico pensando se seriam as políticas ambientais ou as econômicas…

O motivo da crítica às políticas públicas é o dado apresentado na notícia Aquecimento Global: Concentração de CO2 bate novo recorde histórico, publicada no site Apolo11, onde diz que “2018 registrou o quarto maior crescimento de emissão de CO2 na atmosfera nos últimos 60 anos”. Este resultado revela a distância que tomamos da ideia de voltar ao patamar de 350 ppm (partes por milhão)  – acesse a campanha 350 – de dióxido de carbono na atmosfera, já que atualmente alcançamos a presença de 410 ppm.

Uma rápida pesquisa no acervo do jornal Correio do Povo (RS) no mês de abril de 2019, através do seu buscador online, com a palavra-chave “Petrobras”, indicou a abordagem de alguns assuntos ligados ao petróleo. Sem surpresas, nenhuma menção ao iminente fim desse recurso natural.

As datas das edições encontradas foram: 12, 13, 15, 16, 18, 20 e 27 de abril. Tratar do aumento ou não do preço do diesel e da gasolina não é o suficiente, mesmo que essa seja a única abordagem do governo. Aliás, um dos papeis do Jornalismo é difundir justamente o que não é dito pelos governantes a respeito das questões de interesse público.

Pelo contrário, uma notícia local de 16 de abril, p. 5, citava a iniciativa “Gás para crescer”. Notícia anterior sobre o mesmo evento, em 12 de abril, p. 10, adiantava que a discussão seria sobre a “modernização do setor de gás natural e […] criação de um mercado nacional com oferta abundante e preços competitivos.” As palavras que destaquei seriam a justificativa para o aprofundamento da exploração do gás, também energia fóssil.

Certamente governo e empresários estão a par da mudança do clima por causa do aumento da temperatura da atmosfera, que não pode superar 2º C, mas temos atualmente 50% de chance de isso não ocorrer, visto o aumento de um grau confirmado em 2018. Então, a pergunta seria: como pretendem ou imaginam dar continuidade aos seus ramos de negócio se a sua matéria-prima original está com os anos para a exploração (ou produção) contados? (Leia Antecipar o fim do petróleo, publicado no Le Monde Diplomatique Brasil).

A resposta à pergunta feita provavelmente apontaria como solução o uso de tecnologias mais modernas como o fracking (Leia mais informações sobre o assunto aqui) ou aquelas empregadas para a extração do Pré-Sal.

A notícia de 18 de abril, p. 6, reproduzida no começo da análise, abordou a ajuda aos estados com o repasse de recursos provenientes dessa exploração nos próximos anos. Se o governo brasileiro quisesse mesmo ajudar os estados, além de manter intocado o Pré-Sal, não teria determinado um teto de gastos (por 20 anos!) nas áreas da educação, saúde e segurança. As mais lembradas durante as campanhas eleitorais.

Sobre o teto, vale recordar a manifestação da Organização das Nações Unidas feita em 2016 (Brasil: teto de 20 anos para o gasto público violará direitos humanos, alerta relator da ONU): “É completamente inapropriado congelar somente o gasto social e atar as mãos de todos os próximos governos por outras duas décadas. Se essa emenda for adotada, colocará o Brasil em uma categoria única em matéria de retrocesso social.”

O governo não parece mesmo interessado em ajudar, já que as políticas públicas atuais convergem com este cenário de retrocesso social arquitetado há mais de dois anos. Afinal, o mês de abril não terminou sem o anúncio do “corte de 30% em verbas para todas as universidades federais” (veja notícia do Correio do Povo publicada no dia 30.04.19). Mais uma questão apenas repassada pela imprensa e carente de justificativas por parte do governo.

Os preceitos do Jornalismo determinam o interesse em ajudar a sociedade, trabalhando em busca de respostas às questões de interesse público. O que o público espera da nossa profissão é mais profundidade ao reportar os temas e menos repasse de informações oficiais. Podemos transcender às políticas que fixam os temas em editorias assim como em Ministérios e Secretarias dos governos.

* Eliege Fante é jornalista, doutoranda em Comunicação pela UFRGS, integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS) e bolsista Capes.

 

 

 

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