“É impressionante a imprensa dar espaço para esses adultos aí”

Por Reges Schwaab*

Diz. Afirma. Duas expressões recorrentes nas manchetes dos jornais de referência, em especial em seus portais digitais. Mas não só. Nesta quarta, 14, a manchete de terça ainda se repetia: “Bolsonaro chama Greta de ‘pirralha’ e diz ser contra desmatamento ilegal”. Diz. Afirma. E o fato de alguém dizer parece desobrigar o jornalismo da apuração. A triste frase do presidente, que rodou o mundo, e fez com que Greta Thunberg alterasse sua descrição no Twitter (imagem a seguir), pode não parecer caso para uma grande análise.  Mas, na verdade, faz lembrar do contexto mais amplo da disputa de sentidos acerca da emergência climática, a bandeira de protesto de Greta e outras milhares de pessoas, luta que mobiliza jovens, ativistas e cientistas em diferentes países.

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Imagem: Reprodução/Twitter

Poderíamos esperar uma grande repercussão do jornal acerca da afirmação sobre Greta? Talvez não. Mas a proposta é ver aqui outro viés. O “diz” e o “afirma” acompanham, recorrentemente, as manchetes sobre os chamados negacionistas, a quem o jornalismo resolve, em intervalos regulares, conceder espaço e mostrar que o aquecimento global não existe, ou não é fruto da intervenção humana. Isso porque todo jornal ainda insiste em se denominar “imparcial” e “comprometido com a verdade”, tendo de ouvir os “dois lados”.

“É impressionante a imprensa dar espaço para uma pirralha dessa aí”, foi a frase de Bolsonaro na terça. Poderíamos fazer um jogo de inversão? Melhor não, pois cairíamos no mesmo preconceito. O insulto proferido contra Greta ecoa a desconsideração da criança e de que a infância seja um lugar de saber. Então, a luta de Greta é uma pirraça infantil. E não sendo nada mais do que gritos de uma criança, por que haveriam de ser considerados? Apareceram charges retratando Bolsonaro como um bebê diante de Greta. Mas soam na mesma direção, a criança que faz pirraça diante do adulto. A luta geral vai em outro sentido.

O “impressionante”, nos parece, é que mesmo diante de pilhas de dados científicos, produzidos por diferentes correntes acadêmicas, os que negam a interferência humana no ecossistema tenham suas afirmações amplificadas em nome da encenação de pluralidade jornalística. Sobre esse tema, merece leitura o texto de Herton Escobar na ComCiência (Dar voz à mentira não é imparcialidade, é irresponsabilidade). Basta verificar, são atores que nunca participaram de um debate científico sério sobre o tema. Só dizem. Isso inclui o presidente e o ministro do Meio Ambiente brasileiros.

Na semana em que as mudanças do clima foram um dos assuntos mais comentados no Twitter, diante da COP25, a Conferência da ONU sobre o clima, o Brasil dos já crescidos segue sem entender de futuro. Na crítica de Greta, que incomodou Bolsonaro, estava a evidência da culpa pública e coletiva pelo extermínio dos indígenas e pela falta de proteção ao território da Amazônia. E como escreveu Eliane Brum no El País, se a COP 25 não frear a destruição da Amazônia, seria melhor nem ter saído de casa. Greta não diz ao vento. A despeito de críticas direcionadas a ela, que aparecem a todo momento, Greta sabe: nada foi feito efetivamente pelos senhores tão adultos, nós aí incluídos.

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Imagem: Reprodução/Greta é eleita pela Time a personalidade do ano

Para ampliar: Crise climática e justiça ambiental

*Reges Schwaab é jornalista, professor da Universidade Federal de Santa Maria e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).
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