O jornalismo de imersão de Eliane Brum

Patrícia Kolling*

Ela queria “cobrir” o mundo a partir do local que entende ser o centro do mundo, a Amazônia. Para tal, em 2017, fez as malas e mudou-se de São Paulo para Altamira, no Pará. Estamos falando da jornalista e colunista Eliane Brum, que ao participar recentemente do programa Córtex, da mídia independente Estúdio Fluxo , justificou a mudança dizendo: “eu queria inverter o lugar de onde eu olho mundo e o Brasil. Eu intui que isso ia me permitir entender as coisas de uma outra forma, melhor talvez”. Após dois anos morando na Amazônia, ela destaca que já se sente de outro jeito e entende outros jeitos de ser. “A cidade é uma camisa de força de concreto sob a natureza. A gente se desconectou de tal maneira, que não se sente parte de um organismo que é vivo, que é esse planeta. Quando você começa a viver aqui, e eu fico muito na floresta, você começa a se sentir de um outro jeito, entender um outro jeito de ser. Hoje me sinto parte deste planeta de forma orgânica, carne do planeta, o meu jeito de estar nesse planeta já mudou. Mudou até a linguagem. Não tenho palavras, língua, para falar das coisas que eu percebo. Estou buscando aprender outras línguas que possam dar conta desse novo jeito de habitar esse planeta”.

Em tempos em que o jornalismo é cada vez mais produzido em frente ao computador, com o uso da internet, em salas fechadas com ar condicionado, em que a maioria das fontes são entrevistas por telefone, e-mail ou whatsApp; a jornalista Eliane Brum quebra paradigmas para ver, ouvir e sentir no corpo e na alma o que os povos da floresta vivem e tem a dizer no olho no olho. Eliane Brum tem a sensibilidade de fazer um jornalismo que valoriza a história das pessoas e famílias que são suas fontes, ou seja, a subjetividade de cada uma delas. Em Altamira ela acompanha a história de muitas famílias que foram expulsas das suas casas na beira do rio, das ilhas onde viviam, ou seja, dos espaços em que haviam constituídos suas histórias de vida, devido a construção da hidrelétrica Belo Monte. “Na minha experiência de repórter as subjetividades são tão ou mais importantes que as objetividades para produzir o que acontece”, destaca a jornalista. Essas famílias hoje moram em casas construídas pela empresa Norte Energia, administradora do projeto da hidrelétrica, em bairros isolados da cidade, distantes do rio, em casas construídas sem valorizar sua cultura e seus costumes. “A cultura daqui é de receber as pessoas e amarrar a rede. Eles fizeram casas onde não tem espaço para a rede. Casa de ribeirinho sem espaço para rede é mesma coisa que não ter cozinha”, destaca Eliane, que ao viver próximo dessas famílias e com elas conviver frequentemente consegue compreender detalhes das suas vida, que um repórter que não vivencia situações semelhantes jamais perceberia.

Entre as contradições que ela aponta estão a que essas pessoas que viviam junto ao rio e dele tiravam seu sustento, hoje não tem água nem nas torneiras. “A água das caixas d´águas não tem pressão para chegar as torneiras. Elas foram expulsas para construir uma hidrelétrica e pagam uma das energias mais cara do Brasil. Eles tinham água, luz, peixe. Eles tinham a floresta, a roça. Eles tinham os amigos, os parentes, tinham a felicidade. Eles tinham vida. E agora foram jogados aqui.”, lamenta a jornalista

No vídeo em conversa com o jornalista Bruno Torturra, Eliane faz uma reflexão sobre o que é ser rico e pobre, a partir das subjetividade de cada povo. Ela explica que para os indígenas, quilombolas, ribeirinhos ser rico é não precisar de dinheiro. “Viver na floresta é ser rico. Eles eram ricos, porque não precisavam de dinheiro. Agora precisam de dinheiro para pagar luz, água e não tem. Hoje eles são pobres urbanos”, evidencia. Neste sentido, ela ressalta a dificuldade da sociedade de visualizar diferentes tipos de povos, costumes e culturas. “A forma como as pessoas se veem e acham que o mundo é só de um jeito, torna esses povos sempre invisibilizados” destaca. Ela evidencia a necessidade de enxergar e valorizar essas “outras humanidades”

Eliane nos dá uma aula de jornalismo ambiental, com a sua capacidade de compreensão dos fatos de maneira contextualizada e conectada. Ela consegue relacionar fatos políticos, sociais, ambientais e econômicos com muita rapidez e eficiência em vários momentos da conversa.
Ao citar o cientista da terra, Antônio Nobre, ela ressalta que uma árvore grande coloca na atmosfera mil litros de água por dia. Então, ela nos chama a refletir que ao encontrarmos na rodovia Transamazônica caminhões com dezenas de toras de árvores (segundo ela são muitos transitando): “Cada árvore daquelas são mil litros de água por dia a menos na atmosfera. A floresta inteira coloca 20 trilhões de litros de água por dia. A floresta transpira e salva o mundo todos os dias. Se esta floresta acabar, e ela está neste processo, vamos viver num planeta hostil. E quem pode impedir isso são os povos da floresta, porque se existe floresta em pé é onde estão os povos da floresta. Parte desta floresta foi plantada por estes povos. Os povos são a floresta. Ao matá-la, matamos eles também”.

Ao final ela explica que considera a Amazônia como o centro do mundo, “pois em época de emergência das mudanças climáticas, não tem como controlar o aquecimento global sem ter a floresta viva”. Ao lermos os textos ou ouvirmos as falas de Eliane Brum somos tocados, porque compreendemos o todo, e qual a nossa importância no contexto da preservação ambiental, como as perspectivas teóricas do jornalismo ambiental propõe.

*Patrícia Kolling é jornalista, doutoranda em comunicação pela UFRGS e professora da UFMT

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