Por Mathias Lengert*
“Entramos em 2020 com a Terra em transe, já com vistas para 2030”. A afirmação do primeiro editorial do ano da revista Época Negócios não falava da pandemia, mas o transe antecipado retrata acertadamente os atuais acontecimentos.
O momento é de mudança brusca de planos. A propagação do novo Coronavírus, organismo invisível a olho nu, mas com impactos nas dimensões humana e econômica, colocou o planeta em transe. Neste momento crítico, a física e ativista Vandana Shiva direciona a nossa busca por compreensão, lembrando a partir da nossa humanidade que “somos membros da família planetária”.
O relatório do Fórum Econômico de Davos, publicado em janeiro, apontou que os cinco principais riscos globais à prosperidade estão relacionados às questões ambientais. O documento sinalizou o tom das discussões no evento e não poupou o próprio capitalismo de receber a culpa sobre o aumento de catástrofes climáticas.
A urgência climática enfatizada no Fórum de Davos se refletiu na edição de março da Época Negócios, onde também foi destacado o capitalismo em transe. A revista expressa a preocupação que transpassa todas as páginas, afinal, em suas palavras, “a crise é grave. Gravíssima. E exige intervenção imediata”.

As pautas da revista transitam da energia renovável à alimentação vegetariana, da mobilização de Greta Thunberg ao mercado de carbono. O enriquecimento narrativo do jornalismo aprofundado remonta satisfatoriamente à complexidade ambiental, e assim, expressa que a mudança climática nos impacta de diferentes maneiras. Época Negócios é crítica, considerando que é uma publicação voltada à empresários e empreendedores, que ao elucidar o atual sistema econômico insustentável e as ações individuais brandas, indica alternativas e respostas para às questões ambientais.
A narrativa sobre a possibilidade de enfrentamento da revista sugere que monetizar bens naturais e coletivos é uma atitude viável – o que é problemático se considerarmos que estamos em déficit de recursos naturais, visto que consumimos mais do que a Terra consegue repor, o correspondente a 1,75 planeta. É especialmente na reportagem que explora os créditos de carbono, que a emissão de gases de efeito estufa é apresentada como item de compra e venda, como produto de um nicho de mercado.
Outro ponto discutível é a presença de uma promoção demasiada de organizações e startups que se autointitulam ecológicas nas reportagens. Fico com a sensação de que só há interesse da revista na sustentabilidade porque as organizações têm manifestado entusiasmo (ou até mesmo conveniência) em incorporar a questão às marcas.
Segundo esta publicação, o capitalismo precisa enfrentar “o mais árduo dos desafios” para permanecer viável: sair do seu transe. É possível mudar paliativamente o sistema econômico e adequar o consumo às tendências iminentes, no entendimento da revista. Penso que o jornalismo pode ir além, avaliando em profundidade esse ideal da sustentabilidade que prioriza a economia em detrimento das dimensões ambiental e social. As funções do jornalismo contemplam ações mobilizadoras e catalizadoras para um amplo debate público em torno de temas essenciais e pautas como essas que vimos aqui.