*Eutalita Bezerra
Tem cara de jornalismo, está onde deveria estar o jornalismo. Mas é publicidade. Nos últimos dias, diversos informes publicitários a respeito da sustentabilidade tomaram espaço em páginas de jornais conhecidos. Um conceito que, muitas vezes, tem cara de preocupação com o meio ambiente, está onde deveria estar a preocupação com o meio ambiente. Mas também é só publicidade.
Não é novidade que o conteúdo de marca tem se apropriado da construção discursiva típica do jornalismo a fim de disseminar publicidade como se fosse notícia. Admitimos publicações dos últimos dias sobre o assunto como temática desta análise por se tratar de momento em que alargar as discussões sobre sustentabilidade é imperativo.
Em conteúdo patrocinado, que questiona “Como sustentabilidade e o agronegócio podem ser aliados?” , a Chevrolet sugere que está interligação beneficia tanto os consumidores, com alimentos mais saudáveis, como os produtores, que podem cobrar mais caro e “acessar mercados mais exigentes”. O material publicado no G1 no último dia 19 de junho, oferece como exemplo fazendas que unem a preservação do meio ambiente com a sua produção – que inclui pecuária extensiva, sabidamente problemática do ponto de vista ambiental. É claro que o informe não poderia desprezar a citação à produção orgânica, assunto que já está, de certa maneira, cristalizado no conhecimento do leitor médio como sendo, de fato, benéfico. A empresa se utiliza deste discurso para reforçar que é possível conectar a agricultura em larga escala com a sustentabilidade, levando a crer que aquela é a lógica que recorre no setor.
O Correio da Bahia também publicou material publicitário sobre o assunto poucos dias depois. O texto “sustentabilidade: um compromisso de todos”, foi produzido pelo Estúdio Correio, braço do jornal voltado à publicidade. Embora inicie se referindo à Sociedade Brasileira de Arborização Urbana, se percebe rapidamente que a proposta é apresentar as ações da Multinacional Bracell, produtora de celulose solúvel que cultiva eucalipto em 31 municípios baianos. A empresa, segundo a publicação, “busca preservar, manter e estudar a biodiversidade das áreas onde atua”. Recorde-se que a produção de celulose é altamente poluente do ar, da água, e que a plantação de eucalipto é deveras danosa à terra. Nenhum desses assuntos, por certo, aparece num conteúdo patrocinado, que se assemelha ao discurso jornalístico na sua feitura, mas nada tem em comum com os preceitos que regem está atividade.
Destacamos tais passagens para reforçar a necessidade de se tomar o discurso sobre sustentabilidade a partir do jornalismo, questionando empresas e instituições sobre aquilo que o discurso publicitário – que há tantos anos abraça esse conceito como maquiagem para as suas campanhas – tem apagado. Que pensemos sobre este conceito – o da sustentabilidade – tal como o mundo pede que ele seja: referente à proteção do meio ambiente como sujeito, interligando-se a questões como bem-viver e as perspectivas dos povos originários, afastando-se do ponto de vista mercadológico em que, em geral, a palavra é empregada. Somente então falaremos de sustentabilidade que não é publicidade.
* Jornalista, doutoranda em Comunicação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul com bolsa Capes. Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). Eutalita@gmail.com*