Imagem: Reprodução retirada da matéria do Uol de 22/06/2020.
Por Eloisa Beling Loose*
O ano de 2019 foi um ano repleto de grandes tragédias ambientais no Brasil. Começou com o rompimento da barragem de rejeitos de mineração em Brumadinho-MG e seguiu com aquelas já há anos conhecidas desencadeadas pelas fortes chuvas (porém, provocadas por uma série de problemas de gestão e ausência de políticas públicas), especialmente no Sudeste. Depois disso, o vazamento de óleo na costa nordestina, as queimadas e o avanço do desmatamento na Amazônia – só para citar os acontecimentos de maior envergadura. Em razão do alto impacto negativo, número de afetados, conflitos e dramaticidade envolvida em todos os casos, tais eventos permaneceram por muito tempo sob os holofotes da imprensa, sobretudo o vazamento de óleo, que ainda somava aos valores-notícia já citados o fator de ineditismo. Contudo, não basta que haja um acompanhamento da imprensa durante a tragédia. É preciso pensar no que está sendo dito, de que forma e por quem.
Na última semana voltaram a aparecer fragmentos de óleo em praias de diferentes estados do Nordeste. Conforme análises preliminares, aparentam ser do mesmo tipo daquele que se alastrou na costa do Nordeste no ano passado, decorrentes uma fase pós-vazamento, acarretada por fatores meteorológicos que revolveram o material que estava sedimentado no fundo do mar ou preso em corais. De acordo com informações divulgadas em março pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o vazamento de óleo tinha atingido até então 1.009 localidades, de 11 estados e 130 municípios brasileiros – mas, como podemos perceber, os efeitos do vazamento não cessaram. O Ministério Público Federal (MPF) afirmou que esse foi o maior desastre ambiental da história no litoral brasileiro em termos de extensão.
As notícias recentes foram dadas por vários veículos, como G1, CNN Brasil e JC. O Uol publicou uma matéria mais extensa, na qual trata do aparecimento de restos de borracha também, lembrando que o ambiente afetado ainda não se recuperou. O reaparecimento das manchas é, no âmbito do jornalismo, um novo gancho ou gatilho, uma oportunidade para retomar esse assunto que, embora tenha sido foco de atenção da mídia por um longo período, ainda não tem respostas quanto ao volume e à origem do petróleo vazado, e nem quanto aos prejuízos e danos gerados a médio e longo prazo. Mesmo sendo uma tragédia sem precedentes por aqui, após a retirada da parte visível do problema e a falta de algum aspecto novo na investigação, suas consequências pararam de ser noticiadas.
Em levantamento feito sobre a cobertura ambiental do Jornal Nacional em 2019, o Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (GPJA) verificou que a primeira matéria sobre o assunto é de 27 de setembro, quase um mês depois do seu surgimento, quando as manchas já atingiam nove estados, e que o assunto permaneceu na agenda até 30 de dezembro, totalizando 63 notas ou reportagens sobre o tema ao longo dos quatro meses em análise, em 44 edições, totalizando pouco mais de duas horas de cobertura sobre o assunto. O gráfico abaixo mostra que em outubro há um volume maior de reportagens que são, aos poucos, substituídas por notas cobertas (com imagens da tragédia) e notas peladas (quando apenas os apresentadores narram alguma informação):
Fonte: GPJA (2020).
Em dezembro de 2019 há apenas duas notas de 20 segundos sobre o assunto, uma sobre o auxílio-emergencial destinado aos pescadores (13.12) e outra sobre o retorno das manchas no Ceará (30.12). O arrefecimento da atenção da imprensa se dá porque inexistem novos fatos sobre a situação e as narrativas sobre os processos e fenômenos de duração lenta (como a contaminação que persiste nas águas e na cadeia alimentar, por exemplo) são ainda desafios que se impõem, cada vez mais, à lógica jornalística de reportar o que pode é palpável.
Uma análise mais específica sobre o derramamento de óleo em questão, coordenada pelo Intervozes e denominada “O Vozes Silenciadas – a cobertura do vazamento de petróleo na costa brasileira” (2020), foi realizada a partir de veículos de abrangência nacional e regional, e corrobora com nossa análise preliminar. O estudo identifica que o tema demorou quase um mês para receber visibilidade, deixou de ser coberto mesmo quando havia questões em aberto, fez uso recorrentes de fontes oficiais (não dando voz às comunidades locais e povos tradicionais, os mais afetadas pela contaminação) e pouco discutiu as versões. Mesmo tratando do tema diariamente, as informações não tinham contraponto ou aprofundamento e se baseavam no dito “jornalismo declaratório” – alimentado por um governo descomprometido com a questão ambiental.
O reaparecimento de fragmentos de óleo é uma nova chance para que o jornalismo trate daquilo que, no calor do momento, não foi possível abordar. Mais do que atualizar o contexto do desastre, é possível ouvir todas e todos que podem narrar suas experiências diante dos sinais, às vezes, vagarosos de degradação do ambiente e das mudanças geradas em suas vidas. As considerações do estudo do Intervozes destacam que o jornalismo, em seus diferentes formatos e alcances, deve se reinventar, pois “[…] ao darem espaço privilegiado a tais atores, os veículos reforçam o seu lugar de poder e, ao não promoverem, como deveriam, o confronto de ideias com outros segmentos sociais, com igual espaço de fala, legitimam as declarações oficiais como a verdade dos fatos”.
Diante disso, seguimos acreditando que as análises científicas sobre o trabalho da imprensa possam contribuir com outras formas de registro jornalístico; que o retorno das manchas de óleo possa servir agora para uma leitura menos apurada e mais plural dos efeitos da tragédia; e que o jornalismo possa se pautar mais sobre critérios de relevância e cuidado com a vida do que com a dramaticidade ou o apelo de uma imagem.
* Jornalista, mestre em Comunicação e Informação, e doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: eloisa.beling@gmail.com.