PEC do laudêmio: extinção de cobrança, aumento da especulação?

Imagem: Captura de tela do site UOL

Por Eutalita Bezerra*

Assistimos assustados à enxurrada que ceifou vidas e levou um pedaço da história brasileira ao atingir Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, há poucas semanas. O assunto trouxe à tona a discussão sobre o pagamento do laudêmio, valor cobrado em transações imobiliárias no município e integralmente repassado aos descendentes do imperador Pedro II. O pagamento do laudêmio tornou a ser pauta alguns dias depois, quando a Câmara aprovou a Proposta de Emenda à Constituição 39/2011 que, dentre outras atribuições, extingue a cobrança dos impostos de foro e laudêmio aos donos de áreas consideradas como terreno de marinha. Em análise para este Observatório, admitimos que as publicações sobre o assunto, no caso de Petrópolis, ficaram apenas no campo da curiosidade. Já no segundo, e sobre o qual nos ateremos adiante, as implicações ambientais foram pouco exploradas.

Para entender a movimentação, convém reforçar que, atualmente, proprietários de imóveis em terrenos de marinha — descritos na lei como aqueles situados numa faixa de 33 metros a partir da preamar média de 1831, ano em que foi instituída a cobrança — devem arcar com 0,6% do valor do imóvel, anualmente, referente ao pagamento do foro e outros 5% em caso de transferência onerosa do bem, ao que se chama laudêmio. O projeto aprovado na Câmara dos Deputados e que segue para o Senado prevê a extinção dessas cobranças por meio da transferência dos terrenos aos seus ocupantes.

Além dos textos que linkamos acima, publicados em seguida da aprovação, uma curta pesquisa utilizando como palavras-chave “PEC 39/2011 Notícias” nos retornou outros textos que nos ajudam nessa discussão. Dentre eles, destacamos a publicação d’A Gazeta, do Espírito Santo. Nele, ao citar os impactos das mudanças previstas pela PEC para o dono do imóvel, o jornalista destaca pontos como maior facilidade de comercialização, desoneração, valorização e aumento da liquidez do imóvel. Já na publicação do Estadão, o assunto ganha diferentes vieses com a apresentação dos argumentos levantados por deputados de duas correntes distintas: o presidente da Câmara, Arthur Lira, que considera “sem sentido” manter a posse dos terrenos com a União e a deputada do PSOL, Sâmia Bomfim, que votou contrária à matéria, admitindo que ela não beneficia a todos, além de ser prejudicial ao meio ambiente.

Analisando os caminhos tomados pelo jornalismo nesses primeiros dias após a aprovação da pauta pela Câmara, entendemos que ainda se fala sobre o assunto de modo superficial e exclusivamente baseado em aspas dos deputados. Nenhum dos textos aos quais tivemos acesso trouxe especialistas ou mesmo comunidades envolvidas para tratar sobre o assunto, tampouco se desdobrou o tema para além do texto oficial. A propósito, conforme o texto da PEC, mais de 500 mil imóveis serão afetados pela mudança. Admitindo que boa parte destes são muito valorizados dada a sua localização privilegiada, nos perguntamos – e provocamos – como o jornalismo, ao explorar as nuances presentes nessa questão, estará disposto a abordar o aumento da especulação imobiliária – já predatória – nesses locais? E, a partir disso, a abordagem jornalística sobre o assunto nos mostrará de que modo a extinção da cobrança, bem como a transferência não onerosa de parte desses terrenos a estados e municípios, incentivará a privatização de áreas de beira-mar, afetando sobremaneira o meio ambiente?

Temendo que não, mas não podendo deixar de propor essa abordagem, destacamos a necessidade de dar um passo além na cobertura, considerando o que foi levantado pela professora Patricia Alves-Melo em artigo para UOL. A coluna expõe potenciais consequências socioambientais da PEC, classificando o caso como uma ação de racismo ambiental,  uma vez que “a iniciativa de permitir a ocupação particular dessas terras abre uma possibilidade real de pressão de grandes interesses imobiliários sobre comunidades de pescadores, marisqueiros, quilombolas e povos indígenas que habitam em tais zonas”. Alerta, ainda, para o risco de fragilizar a adaptação às mudanças climáticas em zonas costeiras sujeitas ao avanço do mar — aumentando a vulnerabilidade destas regiões e de suas populações.

Considerando que, com a matéria seguindo para o Senado, ainda há espaço para pressão popular, a nossa expectativa é por um olhar mais amplo, mais atento e questionador na cobertura do tema, não apenas dando espaço em colunas de opinião, mas abordando com profundidade e diversificando as vozes dentro das próprias reportagens.

*Jornalista, servidora pública, doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS e membro do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Meio Ambiente.

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