Por Alberto Luiz Silva Ferreira*
A narrativa das queimadas na Amazônia brasileira por parte da mídia hegemônica tem despertado as atenções de uma forma quase sempre alarmista. Mesmo considerando apenas a área de território do estado do Amazonas, estamos falando de uma extensão de terras fabulosas, que até mesmo pela sua localização central no continente sul-americano torna difícil o acesso e a exploração dos recursos naturais existentes nas terras, águas e florestas.
A matéria de Matheus Castro trata sobre as queimadas acontecidas no estado do Amazonas em setembro de 2022 apresenta o fenômeno de forma alarmista, sem levar em consideração que a população local necessita preparar áreas para a agricultura visando a produção de alimentos. Segundo Matheus Castro, somente em quatro dias – de 21 a 24 de setembro – foram registrados 1.043 focos de queimadas, totalizando 7.286 focos de calor somente no mês de setembro. O consolidado para o ano de 2022 seria de 17.798 incêndios, o pior cenário desde 1998, quando o INPE começou a fazer o monitoramento das queimadas. Esse seria o pior mês de setembro desde 1998. Matheus Castro apenas cita que os focos de queimadas se concentram nos municípios periféricos do do Amazonas: Lábrea e Boca do Acre, ambos no sul do Estado do Amazonas.
Ainda que o autor da matéria cite como fonte o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, a generalização das queimadas pelo estado do Amazonas oculta a finalidade do uso do fogo. Do total de 17.198 focos de incêndio, o autor não apresenta o total da área queimada, muito menos o porquê do uso do fogo.
Não estou aqui negando a destruição que se vem fazendo há décadas, principalmente no chamado círculo de fogo, no sul do estado do Pará, chegando já a atingir terras do sul do Amazonas. Contudo, a generalização, como consta ma matéria do G1/AM citada, é levar a opinião pública ao erro.
Caso o autor, Matheus Castro, consultasse dados existentes no site do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (IDAM), poderia concluir que praticamente toda a agricultura praticada no estado do Amazonas é desenvolvida por agricultores familiares, que para a limpeza do terreno e o preparo do solo para o plantio, necessariamente lançam mão do fogo como mecanismo de preparo da área tanto no ecossistema de terra firme quanto no de várzea.
Segundo o Instituto, nesse ano o total de hectares trabalhados com agricultura no estado do Amazonas foi de 38.571 hectares, cultivados com as culturas de milho, feijão, arroz, mandioca, malva, guaraná, banana, açaí, abacaxi, cupuaçu e laranja, distribuídos por 33.778 produtores. Na terra firme o porte das árvores e a dureza das madeiras dificultam a retirada das galhadas e o arranquio dos tocos de porte avantajado; já no ecossistema de várzea, mesmo sendo a vegetação de menor porte ou rasteira, quase sempre gramíneas, ainda assim faz-se necessário o uso do fogo.
Levando em consideração o tamanho das áreas cultivadas por cada família, geralmente variando de meio a dois hectares percebe-se logo que o impacto ambiental, levando-se em conta o tamanho da região amazônica, é possível de ser absorvido pela floresta. Normalmente na terra firme é cultivada a mandioca para a produção de farinha, uma das bases da alimentação das famílias que residem na zona rural, a proteína é obtida dos peixes e já bem pouco da carne de caça.
No ecossistema de várzea são cultivadas as culturas de ciclo curto, como melancia, milho, jerimum, feijão caupi, hortaliças de várias espécies – o agricultor aproveita a riqueza natural dos solos de várzea. Na área de influência da região metropolitana da cidade de Manaus já se pratica uma agricultura de porte comercial, com o plantio de fruteiras como a laranja, o abacaxi, coco e maracujá.
No estado do Amazonas mesmo a pecuária também é praticada em propriedades de pouca extensão territorial, diferentemente do Pará, que possui criatórios que ocupam milhares de hectares cultivados com capim. Conclui-se que a matéria foge dos princípios do jornalismo ambiental, já que este, segundo Wilson da Costa Bueno (2007), “deve ter compromisso com o interesse público, com a democratização do conhecimento, com a ampliação do debate. Não pode ser utilizado como porta-voz de segmentos da sociedade para legitimar poderes e privilégios”.
Referências:
INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO AGROPECUÁRIO E FLORESTAL SUSTENTÁVEL DO ESTADO DO AMAZONAS. Disponível em: http://www.idam.am.gov.br/ater/producao-vegetal/. Acesso em: 27/09/2022.
BUENO, Wilson da Costa. Comunicação, jornalismo e meio ambiente: teoria e pesquisa.São Paulo: Mojoara Editorial, 2007.
*Doutorando pelo PPGCOM, DINTER UFRGS/UFAM. E-mail: ferreiraalberto2009@gmail.com