Por Eutalita Bezerra*

Em 2019, neste observatório, Carine Massierer abordou a nova fronteira da mineração no Rio Grande do Sul. De lá até aqui, muitos passos foram dados em relação aos projetos citados em sua análise. O Mina Guaíba, de extração de carvão, foi arquivado em março deste ano. Também arquivou-se o Projeto Caçapava do Sul, que propunha a implantação de uma mina de Chumbo, Zinco e Cobre às margens do rio Camaquã. O projeto Retiro, de extração de Titânio, ainda está em discussão. Atualmente, mais de 150 plantas de mineração manifestam interesse de se instalar no estado. Dentre estes, o Projeto Fosfato Três Estradas, em Lavras do Sul, que teve suas Licenças de Instalação (LI) liberadas pela Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) e Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), no início deste mês.
O projeto que prevê a extração, beneficiamento e comercialização de minério de fosfato destinado à elaboração de fertilizantes para a agricultura, em Lavras do Sul, já havia sido trancado anteriormente por constarem vícios no processo de licenciamento, causando prejuízos ao meio ambiente e às comunidades e povos tradicionais do Pampa. Para esta análise, tomamos notícias publicadas sobre o assunto no momento da liberação da LI, a fim de entender como o contraponto à posição da empresa interessada, a Águia Fertilizantes, foi apresentado.
Em 1º de novembro, o Diário de Santa Maria divulgou online e, também, em sua edição impressa, que “Lavras do Sul terá a primeira mina de fosfato da região sul do Brasil”. O texto foi uma reformulação de release enviado pela prefeitura de Lavras do Sul, também publicado pelo jornal Minuano, de Bagé, maior cidade da Campanha Gaúcha, região na qual Lavras está inscrita. Neste, com o título “Águia Fertilizantes obtém licença de instalação de mina de fosfato em Lavras do Sul”, o texto descreve os participantes do evento, do que consta o empreendimento e quanto material será extraído, além da geração de empregos e vida útil da mina. Destaque para a perspectiva de dobrar a produção inicial entre oito a dez meses. Nada sobre os perigos dessa extração para o meio ambiente foi citado. A liberação foi destaque na capa do referido jornal.
Até o momento, no mês de novembro, apenas duas publicações foram feitas no Jornal Minuano sobre o assunto. Além da matéria já citada, mais uma inserção sobre o Projeto Fosfato Três Estradas foi feita pelo Minuano na edição de 5,6 e 7 de novembro, sob o chapéu “Política”, também em sua capa. No texto intitulado “BRDE firma termo para financiar mina de fosfato”, são destacados os R$15 milhões de aporte para as obras. Novamente, trata-se de texto exclusivo sob a perspectiva da empresa, sendo o CEO da Águia Fertilizantes a única fonte a se pronunciar.
Ainda em 1º de novembro, o Correio do Povo publicou “Licença para minerar fosfato em Lavras”, texto que mescla as mesmas informações do release da prefeitura de Lavras com fala do secretário da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, Domingos Velho Lopes, para quem “[…]esse empreendimento não se afasta um centímetro do ambientalmente correto”. O texto aponta, ainda, que o estudo recebeu atenção de um grupo técnico multidisciplinar da Fepam e do Departamento de Recursos Hídricos da Sema. Nenhuma menção é feita aos povos tradicionais do Pampa ou mesmo aos perigos da exploração de fosfato.
A Zero Hora publicou sobre o assunto em 8 de novembro apostando na proposta de que a exploração de fosfato no estado ajude a reduzir a dependência nacional de importação de fertilizantes, com a expectativa de que o projeto de Lavras impulsione a produção noutras regiões. Do mesmo modo, o jornal não ofereceu uma linha para tratar das ameaças da exploração para o meio ambiente e para os povos tradicionais.
Com tantas plantas de mineração buscando instalação no estado e a falta de interesse do jornalismo em abordar quaisquer outras perspectivas da questão que ultrapassem a economia, o Bioma Pampa, bem como os povos tradicionais, seguem em perigo. Do lado de cá, propomos criar espaços em que se possa ouvir e multiplicar as perspectivas dissidentes, de modo que a pressão popular traga efeitos, como os vistos na Mina Guaíba e no Projeto Caçapava do Sul. A Licença de Operação para o Projeto Fosfato Três Estradas ainda não foi concedida. Pode haver tempo.
Referência:
Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa: https://comitepampa.com.br/
* Jornalista, mestra e doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS. Membro do grupo de pesquisa Jornalismo Ambiental. Email: eutalita@gmail.com