
Por Débora Gallas Steigleder*
Notícias sobre acontecimentos que ameaçam ecossistemas e o bem-estar das populações humanas, em plena pandemia, deveriam ser recebidas com preocupação e suscitar o debate público sobre as estratégias políticas para o enfrentamento de crises que se sobrepõem. Assusta, por exemplo, que fatos como o crescimento de registros de supressão da vegetação nativa na Amazônia soem repetidos diante da recorrência de crimes ambientais incentivados pelo próprio governo federal.
Publicada em 19 de agosto, um ano após os incêndios criminosos na Amazônia dominarem o noticiário nacional com a chegada da nuvem de fumaça à cidade de São Paulo, reportagem de Carolina Dantas para o G1 informa sobre as queimadas que têm ameaçado os biomas Pantanal e Amazônia nas últimas semanas. A produção contextualiza o impacto do fogo de acordo com o ecossistema afetado. Também recorre a infográficos para auxiliar na visualização dos dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Especiais e recupera informações veiculadas em outras emissões da Rede Globo, como Jornal Nacional e Fantástico. A relação entre os efeitos das queimadas na saúde humana também apareceu em G1 nesta semana, mas através de conteúdos produzidos por agências, como esta notícia da Reuters, assinada por Pedro Fonseca. O texto destaca estudo da Fundação Oswaldo Cruz sobre a probabilidade de aumento das doenças respiratórias na Amazônia, região já castigada pela Covid-19. O conjunto dos materiais de fato evidencia a gravidade da situação às leitoras e leitores do site.

No entanto, sentimos falta de um chamado à ação na cobertura. O que resta ao público além de lamentar o acúmulo de catástrofes? A menos de três meses do pleito que elegerá novos representantes nas Prefeituras e Câmaras de Vereadores, como o jornalismo pode pautar iniciativas ambientalmente responsáveis, de caráter preventivo, frente às campanhas políticas que estão por iniciar? Observando os conteúdos também publicados na editoria Natureza de G1 na mesma semana, uma possibilidade seria dar espaço às reivindicações dos indígenas Kayapó Mekrãgnotire, que realizam protesto na BR-163, no Pará. Afinal, a motivação dos ativistas indígenas tem a ver com os direitos negados a seu povo enquanto o incentivo ao progresso prioriza a construção de rotas para o escoamento de grãos produzidos em áreas com histórico de desmatamento e queimadas.
E, para evidenciar as conexões intrínsecas entre as questões ambientais, é necessário ir além do factual em matérias como a que reporta a liberação de novos agrotóxicos pelo Ministério da Agricultura em 20 de agosto. Aqui no Observatório, já falamos sobre o uso de venenos estar relacionado à lógica produtiva das monoculturas para exportação de commodities, atividade agroindustrial que motiva a degradação dos biomas brasileiros. Falta à cobertura jornalística destacar tais relações e evidenciar soluções, muitas das quais já emergem das próprias comunidades. Iniciativas como o cultivo de soja orgânica no Mato Grosso do Sul, conforme reportado por Brasil de Fato em 20 de agosto, poderiam ser abraçadas pelo poder público, mesmo que em pequena escala, a fim de garantir uma produção ecológica de alimentos, que respeite os ecossistemas e garanta e comida de qualidade para a população.
Entendemos que o papel do jornalismo é cobrar ações mais contundentes dos governantes na resposta à pandemia e aos problemas sociais, ambientais e educacionais que a partir dela se intensificam. Mas também acreditamos que o jornalismo pode catalisar mudanças sociais ao visibilizar alternativas para um planeta em crise.
*Jornalista, doutoranda em Comunicação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul com bolsa Capes. Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).