Velhas promessas e novas questões: a Baía de Guanabara e a privatização do saneamento

Imagem: Baía de Guanabara. Fonte: Pixabay

Por Michel Misse Filho*


Importante cartão-postal brasileiro e recorrente pauta jornalística ambiental, não é novidade dizer que a Baía de Guanabara padece de um processo de poluição que vem de décadas. Desde 2001, o 18 de janeiro é o Dia Estadual da Baía de Guanabara, ocasião menos celebrativa do que reflexiva, que remonta ao crime ambiental decorrente do vazamento de um duto da Petrobrás, com graves consequências para o ecossistema — sobretudo no fundo da baía, longe dos bairros turísticos.


A data deste ano vem acompanhada de “velhas novidades” para a região. A concessão do saneamento básico para a iniciativa privada promete a resolução do histórico problema nos municípios do entorno da baía, como São Gonçalo e cidades da Baixada Fluminense, na periferia metropolitana, que contam com alguns dos piores índices de tratamento de esgoto do Brasil¹; junto às favelas, elas também detêm as maiores concentrações de pessoas pobres e negras da região metropolitana.


Ao longo das últimas semanas, a baía foi assunto em três matérias publicadas pelo jornal Folha de S. Paulo. A primeira, “Baía de Guanabara ‘fura fila’ e vê nova promessa de despoluição”, faz uma boa retrospectiva das muitas promessas fracassadas de despoluição e apresenta dados sobre saneamento e qualidade da água. Mas a notícia, de fato, é a implantação de um sistema emergencial (o “coletor de tempo seco”), ao longo dos próximos cinco anos, antes do sistema tradicional de esgoto (o “separador absoluto”). Para que se diminua o passivo ambiental da baía de forma mais rápida e com menor custo, o esgoto seguirá sendo escoado nas redes pluviais, mas será coletado e tratado antes do despejo nos rios — nos dias de chuva, todavia, o sistema não dá vazão, as comportas se abrem e a poluição segue o curso. Ficam adiadas, assim, as obras definitivas de saneamento de residência por residência; e permanecem os valões de esgoto na porta das casas e os riscos à saúde da população. A controvérsia é bem colocada e trabalhada pelo jornalista, com bons argumentos de ambos os lados: no fundo, estaria a despoluição de um ambiente sendo priorizada em relação à saúde das pessoas?


A resposta não é trivial, o assunto não é leviano e o consenso mais palpável é que os dois sistemas, em algum momento, precisam ser concretizados de forma complementar num modelo duplo. A segunda matéria da Folha, no entanto, dá pistas sobre interesses privados e alertas à sociedade. Numa entrevista com o presidente da concessionária, a promessa de limpar a Praia de Botafogo em cinco anos intitula a matéria, jogando luz sobre o principal cartão-postal da cidade. A recuperação da baía é tratada como oportunidade de projeção internacional da empresa; e, por que não, podemos supor, de avalizar e justificar a privatização do saneamento Brasil afora. Um olhar atento ainda deve questionar as implicações imobiliárias do empreendimento, sobretudo pela dificuldade — admitida na entrevista — de tornar balneáveis as praias da periferia, próximas à Ilha do Governador.

Longe de uma discussão que contraponha pessoas e ambiente em polos distintos, é preciso garantir que os benefícios de lazer, econômicos, sanitários etc. de uma eventual despoluição contemplem toda a população da desigual baía. A terceira e última matéria, por fim, retoma pontos já conhecidos da população, como a triste constatação de que os botos-cinza, presentes no brasão municipal, tendem ao desaparecimento; e o bom exemplo da preservação e recuperação de manguezais da região. Que desenterremos, do fundo da lama dos mangues do recôncavo, a esperança de uma baía economicamente indutora, ambientalmente rica e socialmente igualitária.

¹O Ranking de Saneamento 2021 do Instituto Trata Brasil coloca quatro cidades do entorno da baía entre as dez piores do Brasil em tratamento de esgoto — as únicas fora da região Norte.

* Jornalista, doutorando em Sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) e mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: michelmisse93@gmail.com

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