Acerca do cavalo no telhado: circulação e desinformação noticiosa

Crédito: GloboNews/Reprodução

Por Ada C. Machado da Silveira* e Mauricio de Souza Fanfa**

A cobertura noticiosa sobre os eventos extremos envolvendo o clima no Sul do Brasil no período de 30 de abril até o presente momento é expressiva. A emoção que acompanha os relatos considera as enchentes, responsáveis por desalojar milhares de pessoas, produzir mortes e desaparecimentos, além de abalar infraestruturas públicas (como prédios diversos, inclusive hospitais, pontes e estradas). Em meio a tudo, despontou o acontecimento da localização através de um sobrevoo de cobertura noticiosa, de um cavalo imobilizado sobre um telhado em meio à enchente que o rodeava por todos os lados.

Durante vários dias, observou-se a mobilização de agentes públicos e privados que foi deslocada para o acompanhamento da situação do cavalo, nomeado Caramelo, como uma testemunha do drama que perdura por semanas. Ela foi acompanhada pelo espanto geral em torno da contingência que fez com que um cavalo fora parar no telhado, dado que “cavalo não sobe escada”. Noticiaram o resgate o Correio Braziliense, o Correio do Povo, o g1, entre outros portais de notícias, como a CNN Brasil.

Em um mundo que pode dar adeus ao cavalo, tendo em vista a proliferação de meios de transporte abastecidos por derivados de petróleo, despontou a comoção midiática por um cavalo em meios às águas.

Como referente afetivo da liberdade, honra e galhardia, o cavalo possui a simpatia dos habitantes do Estado do Rio Grande do Sul, uma vez que está presente na iconografia e na memória popular. Caberia ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, manifestar o caráter emblemático da cena do cavalo Caramelo no telhado.

Sua resiliência, após dias ilhado e em pé, sem água ou comida, animou a resistência à intempérie. O diário Zero Hora de Porto Alegre registrou a manchete mencionando o caráter aguerrido e resiliente da população afetada.

O Portal g1 evidenciou a particular relação do Rio Grande do Sul e de seus habitantes com os cavalos. O jornal O Tempo igualmente dedicou-se a frisar o caráter emotivo do resgate de Caramelo. O cavalo Caramelo gerou a disputa de influencers, políticos e instituições.

Como relíquia afetada em meio a tragédia colossal, e que ainda segue em curso, não permitiu esquecer a perda de outros cavalos. O Portal do Holanda registrou a morte de um animal preso e submerso com água até o pescoço no mesmo município de Canoas.

Tais referências, uma com pequena repercussão, e a outra com impacto geral, remetem à condição popular desta espécie junto aos gaúchos. O IBGE registra em 2022 que há 492 mil cavalos vivendo no Rio Grande do Sul, fazendo do estado o terceiro com o maior número absoluto do Brasil.

O resgate de Caramelo surge como um lembrete de que um desastre atinge todos os seres que vivem no espaço, não apenas os humanos. Tal aspecto, no entanto, foi motivo para debates, como a posição sustentada por muitos de que haveria sensacionalismo na exploração da condição do cavalo, em detrimento da condição dos seres humanos. Esta foi a opinião expressa pelo líder do Partido Comunista Operário, Rui Costa Pimenta, no Canal 247.

Inicialmente o debate estabeleceu-se na definição de gênero do cavalo, se macho ou fêmea. Posteriormente, após o resgate pelo Corpo de Bombeiros e seus veterinários do Estado de São Paulo, houve a definição de ser um macho e, daí, o nome de Caramelo ficou estabelecido.

A propriedade do cavalo foi requisitada por muitos e, igualmente, várias celebridades dispuseram-se a adotá-lo. Foi o caso da revista Quem e do Portal Terra.

A circulação noticiosa envolvendo a presença do cavalo no telhado ganhou o mundo, registrando-se tanto na mídia corporativa como nas mídias sociais. Foi igualmente notável a repercussão na plataforma X (antigo Twitter), especialmente a presença de celebridades e figuras públicas como o presidente Lula, a primeira dama Janja e os youtubers e empresários Felipe Neto e Whindersson Nunes.

A lista com o número de tweets que podem ser filtrados da plataforma X  é longa. Apresentamos a repercussão mais numerosa:

  • 176 mil (meme brincando com como o programa Fantástico da Tv Globo mostraria o cavalo)
  • 108 mil (felipe neto querendo adotá-la)
  • 68 mil (meme sobre demonstrar emoção com o resgate)
  • 60 mil (repercutindo Janja e Lula)
  • 58 mil (“esse cavalo será símbolo da determinação do estado do rio grande do sul”, podcast sobre o Grêmio)
  • 56 mil (Janja)
  • 55 mil (republicando charge)
  • 45 mil (Janja x Whindersson)
  • 43 mil (“se você não fica feliz em ver um animal sendo salvo também, você não aprendeu nada nessa vida”)
  • 37 mil (Lula)

O vídeo mostrando Janja indo até Lula durante uma coletiva de imprensa para comunicá-lo sobre o resgate do cavalo recebeu 60 mil curtidas. Outro vídeo postado pela primeira-dama, comunicando em seu perfil o resgate do cavalo, recebeu 56 mil curtidas, agradecendo a Deus e aos voluntários envolvidos. Ele foi replicado pelo diário da capital nacional Correio Braziliense.

O Portal Poder 360 expressou seu desagrado à manifestação da primeira dama do Brasil. E foi repercutido pela revista Veja.

Outros tweets expressam a emoção com o resgate: “Tem gente achando ruim de ver essa operação pra salvar ele. Se você não fica feliz em ver um animal sendo salvo também, você não aprendeu nada nessa vida”, afirma Matheus, com 43 mil curtidas. “O cavalo Caramelo de Canoas é um guerreiro! Será patrimônio histórico brasileiro! Esse cavalo será o símbolo da determinação do estado do Rio Grande do Sul” expressa Camargo, recebendo 58 mil curtidas.

Felipe Neto mobilizou esforços para o resgate e demonstrou disposição em adotá-lo.

A repercussão internacional ganhou espaço entre a calamidade social e ambiental. O acontecimento igualmente convocou a mídia brasileira a reconhecer, como o Portal Terra ou o Portal g1. A Tv 247 dedicou-se a comentar o caso, assim como a CNN Brasil.

Até a Suécia, onde a mobilização climática conta com a figura de Greta Thunberg, dedicou-se a registrar, no diário de maior circulação, o Dagens Nyheter, o depoimento do coronel Claudio Goggia, da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, sobre o resgate de Caramelo.

A preocupação com os animais nos faz lembrar de nossa responsabilidade com tais formas de vida: ainda que precárias, as operações montadas têm condições de resgatá-los. Caramelo converteu-se, assim, em ícone da crise climática a partir do drama no Rio Grande do Sul.

* Professora titular da Universidade Federal de Santa Maria. Integra seu Programa de pós-graduação em Comunicação e colabora no Mestrado profissional em Comunicação e Indústria Criativa da Universidade Federal do Pampa. Pesquisadora do CNPq. Lidera o Grupo de pesquisa Comunicação, identidades e fronteiras. E-mail: ada.silveira@ufsm.br.

** Graduado em Comunicação Social – Produção Editorial, com mestrado e doutorado em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria. Realizou pós-doutorado na Sodertorn University, Suécia. E-mail: maufanfa@gmail.com.

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