A política da mudança do clima: do internacional ao local

Imagens: Pixabay

Por Michel Misse Filho*

Enquanto é discutida a viabilidade de se realizar os Jogos Olímpicos de Tóquio em meio à maior crise sanitária desde o último século, outro “comitê” esportivo nos chamou a atenção recentemente aos efeitos do aquecimento global. Trata-se da candidatura simbólica para a Olimpíada de verão de 2032, no lugarejo de Salla, que conta com 3.400 moradores no Ártico finlandês. A ideia, exposta nesta matéria da Folha de São Paulo, é denunciar a emergência climática e seus efeitos em uma cidade com modo de vida ligado ao frio e à neve, daí o motivo de ser “possível” a realização do evento com modalidades tipicamente de verão.

Se o exemplo desta iniciativa cumpre um importante papel elucidativo através da alegoria, causa apreensão, em todas as sociedades, o descompasso de atividades simbólicas, acordos e promessas políticas em relação às efetivas atuações, no mundo real, para a redução das emissões. Ao mesmo tempo, uma notícia do início de fevereiro informa que o Tribunal de Paris declarou a responsabilidade do governo da França pela inércia no combate às mudanças climáticas. Conforme explica a Revista Época, a ação foi movida por ONGs que reuniram mais de dois milhões de assinaturas. E Jorge Abraão enfatizou, em sua coluna na Folha de São Paulo, a relevância e o pioneirismo do resultado ao criar jurisprudência e referência, além de encorajar ações contra governos que não cumprem os compromissos assumidos. 

Já no Brasil, sabemos que o melhor caminho para alcançarmos nosso compromisso é pela redução e eliminação do desmatamento ilegal na Amazônia. Desafio necessário e viável, torna-se, no entanto, mais difícil de ser realizado à medida que o governo federal move mundos (e poucos fundos), desde 2019, para impedir a devida repressão a este crime ambiental. Como um agravante, a política local também é, em geral, grande aliada dos inimigos da floresta. A “desamazonização da Amazônia”, coluna de Fabiano Maisonnave na Folha, aborda a hegemonia do discurso antiambientalista na região, caracterizado pelo ínfimo contrapeso de políticos amazonenses de perfil socioambiental. Cabe questionarmos aí, além da forma de atuação da mídia local, também o papel que cumpre a abordagem da grande mídia nacional sobre aquela região, por vezes tratada como exótica e distante — a Amazônia vista com o olhar do Sudeste do Brasil.

A ação da mídia é fundamental para além das denúncias de crimes ambientais, mas mobilizando uma ampla e complexa visão socioambiental da região. Deve envolver, ainda, o estímulo às políticas de criação de maior valor agregado em atividades econômicas sustentáveis, que não deixem a população economicamente à mercê de um discurso ecologicamente suicida. A composição deste dilatado cenário de combate à emergência climática é complexa, mas certamente abrange mais que a atuação de organismos globais e das esferas federais. Tendo em vista o emaranhado de interesses em conflito na região amazônica, o cerne da questão parece mesmo requerer uma atuação direta em nível local.

* Jornalista e mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: michelmisse93@gmail.com.