Estamos à mercê de qual cobertura?

Imagem: Print do topo da notícia publicada pelo G1 em 09.03.2022.

Por Clara Aguiar*

No dia 9 de março de 2022, artistas, lideranças indígenas, movimentos sociais e parlamentares da oposição se reuniram em frente ao Congresso Nacional para protestar contra o chamado “Pacote da Destruição”, um conjunto de projetos de lei proposto pelo governo de Jair Bolsonaro que prevê a flexibilização do licenciamento ambiental, a ampliação do uso de agrotóxicos e a liberação da mineração em Terras Indígenas. Idealizado pelo cantor Caetano Veloso, o “Ato pela Terra” contou com a participação de 17 mil pessoas, segundo estimativas da Polícia Militar. Apesar da multidão, minutos após o encerramento do ato, a Câmara dos Deputados aprovou o requerimento de urgência do PL nº 191/2020, que regulamenta a exploração de minérios em terras indígenas, inclusive em territórios habitados por povos isolados.

A aprovação do requerimento de urgência do PL foi título de matérias em diversos jornais do Brasil. No G1, a notícia Câmara aprova urgência para votação de projeto sobre mineração em terras indígenas, em um primeiro momento, parece se destacar ao adotar uma abordagem contextualizada que apresenta a proposta do projeto, os argumentos a favor e contra e o que o PL representaria na prática. No entanto, a matéria não é capaz de explicar ao leitor a complexidade socioambiental que envolve o PL 191/2020. Embora a proposta do projeto tenha como objetivo regulamentar uma prática que gera consequências nocivas para o meio ambiente e que possivelmente colocaria em riscos à vida de povos originários, esse aspecto parece ter sido esquecido. Em nenhum momento, o texto traz uma análise mais aprofundada de fontes especialistas em relação aos impactos que ocorrem na atividade de mineração.

Nesta notícia, observa-se um jornalismo declaratório devido ao predomínio de fontes oficiais, já que somente personalidades políticas foram consultadas: o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o líder do governo na Casa, Ricardo Barros (PP-PR), o líder da Oposição, Wolney Queiroz (PDT-PE) e a deputada indígena Joenia Wapichana. Quando o meio ambiente está em pauta, Wilson Bueno defende que é preciso “ter compromisso com o interesse público, com a democratização do conhecimento, com a ampliação do debate. Não pode ser utilizado como porta-voz de segmentos da sociedade para legitimar poderes e privilégios” (2008, p.111).

Apesar do PL estar intrinsecamente ligado às questões socioambientais, o enquadramento não foi além do político. A matéria se limitou a abordar de forma jurídica o projeto em si e não explicou as problemáticas por trás de sua proposta. “Ele [jornalista] precisa ter uma visão mais abrangente do tema porque caso contrário, irá fechar o seu foco, restringir as suas fontes e ficar à mercê de informações ou dados que servem a determinados interesses” (BUENO, 2007, p. 377). Sob a ótica do jornalismo ambiental, a abordagem empregada pelo G1 não incorporou uma visão sistêmica que induz o leitor a relacionar a dimensão ambiental e social com o fato noticiado. A cobertura poderia ter investido em uma maior apuração que buscasse uma leitura crítica, com o emprego de conhecimento especializado e maior representatividade de fontes não governamentais que colocasse em perspectiva a problemática socioambiental.

Referências:

BUENO, Wilson da Costa. Comunicação, Jornalismo e Meio Ambiente: teoria e pesquisa. São Paulo: Mojoara Editorial, 2007.

BUENO, W. C. Jornalismo Ambiental: explorando além do conceito. In: GIRARDI, I. M. T.; SCHWAAB, R. T. (Orgs.). Jornalismo Ambiental: Desafios e Reflexões. Porto Alegre: Dom Quixote, 2008. pp.105-118.

*Aluna da disciplina Jornalismo e Meio Ambiente da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: claraaguiar14@hotmail.com.

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