O raso debate sobre veganismo

Imagem: IPEAS Report – The Politics of Protein, 2022

Por Matheus Cervo*

Nas últimas décadas, o debate sobre os impactos do consumo de carne tem avançado para mostrar que a escolha em aderir uma dieta vegana vai muito além de optar pela libertação animal.

Segundo a FAO-ONU, o consumo de carne vermelha gera 14,5% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e é responsável por inúmeras infrações trabalhistas nos setores frigoríficos. Além disso, mais de 60% das doenças infecciosas humanas são causadas por agentes patogênicos partilhados com animais selvagens ou domésticos. Por isso, são utilizados antibióticos de forma excessiva na indústria da carne, o que contribui enormemente para o surgimento de agentes resistentes aos mesmos.

Os impactos são ainda mais gritantes quando pensamos de forma sistêmica e percebemos que esse tipo de produção gera desafios críticos à sustentabilidade, como perda de biodiversidade, poluição química, degradação da terra, dificuldade de manter um meio de subsistência e pobreza nutricional nas dietas familiares. Não é trivial notar dados alarmantes que mostram que 80% das terras agrícolas globais são destinadas à produção de soja e milho para fabricação de ração, algo que é extremamente ineficiente para resolver o problema grave da insegurança alimentar.

Ainda assim, existe uma quantidade enorme de matérias jornalísticas que não se comprometem em buscar fontes sérias, gerando desinformação e rejeição sobre o tema. Como exemplo disso, o Metrópoles publicou uma matéria chamada “Entenda por que alguns vegetarianos e veganos voltam a comer carne”. A escrita traz posições de nutricionistas que ainda não se atualizaram no debate científico, já que falam que veganos tendem a voltar a comer carne por ficarem subnutridos (pela suposta falta de proteína) ou por perceberem que estavam em um “surto” por pressões sociais absurdas. Por fim, traz uma série de argumentos de psicólogos para legitimar o processo de reconversão a uma dieta com carne, uma vez que esses profissionais da saúde afirmam a necessidade de autoconhecimento para se “desvincular de crenças que geram sofrimento”.

Um meio que faz um trabalho muito mais sério é O Joio e O Trigo, um projeto de jornalismo investigativo sobre alimentação, saúde e poder. Recentemente, publicaram uma matéria sobre o crescente mercado das caríssimas “carnes vegetais” industriais. Logo de início, partem de inúmeras fontes de informação que pautam a importância do debate sobre a mudança alimentar, como o relatório do Painel Internacional de Especialistas em Sistemas Alimentares Sustentáveis (IPES-Food), que foi publicado no dia 6 de abril de 2022. Contudo, é com base nesse relatório que a matéria mostra que as soluções não são simples e que muitas alternativas industriais como as mencionadas não são sustentáveis e, inclusive, são patrocinadas pela própria indústria da carne.

O texto termina como uma aula ao jornalismo que se debruça ao veganismo e às mudanças alimentares, já que traz um discurso de que esse debate sobre carnes e proteínas precisa de uma dimensão antropológica. Ou seja, se sabemos que a redução ou a eliminação dos produtos de origem animal são necessárias, precisamos fazer esse debate junto da diversidade cultural de práticas para e com a natureza, com agricultores familiares, povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas e mesmo grupos urbanos em situação de insegurança alimentar. Não se trata de criar matérias repudiando ou adorando o veganismo, mas, sim, de o debater de forma societária e complexa.

* Graduado em Ciências Sociais, mestre em Comunicação e atual doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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