Fonte: Captura de Tela do site de Zero Hora
Há cerca de um mês, a palavra ciclone-bomba tornou-se comum nas conversas cotidianas dos brasileiros da Região Sul e no repertório do jornalismo. No dia 30 de junho, 12 pessoas morreram em Santa Catarina, Paraná, e Rio Grande do Sul, e outras milhares ficaram desalojadas devido ao vendaval que alcançou 168 km/h em alguns locais.
Uma semana depois, no dia 7 de julho, outro ciclone extratropical, mas de ventos menos intensos, provocou chuvas fortes no Estado gaúcho. Rios, já cheios do fenômeno anterior, transbordaram. No dia 11 de julho, 7,1 mil gaúchos estavam desalojados ou desabrigados e, até 20 de julho, 194 pessoas permaneciam fora de suas casas.
No centro do debate sobre a tragédia gerada por ambos os fenômenos – uma amostra de quadros que poderão ser cada vez mais comuns no futuro e que não podemos dissociar dos eventos que atingiram o Rio Grande do Sul – deveriam estar as mudanças do clima. Cabe lembrar que, há poucos meses, uma estiagem, abordada por Ângela Camana neste Observatório, impactava, ao menos, 70% dos municípios do Estado.
Embora não haja consenso científico sobre esses fenômenos meteorológicos decorrerem das mudanças climáticas, sabe-se que a alternância de situações extremas, da falta de chuva ao seu excesso, é um dos sinais que cientistas apontam estar relacionados às alterações do clima. Essa é uma das conclusões da reportagem de Zero Hora que indicou propostas possíveis para mitigar os efeitos desses desastres ambientais, como promover ações integradas entre prefeituras, construir estruturas públicas de absorção de água, oferecer programas de habitação para moradores de áreas de risco e usar tecnologias eficientes.
Inspirado na noção de jornalismo de soluções, que busca resoluções para problemas sociais, o texto de Zero Hora oferece ideias de caminhos que a gestão pública pode trilhar. Mas o problema é complexo e, sobretudo, humano. Os habitantes de áreas de risco, não têm suas vozes ecoadas na reportagem. O destaque coube a pesquisadores e autoridades da Defesa Civil. A falta de espaço aos atingidos pelas enchentes não se restringiu a essa matéria, mas pôde ser notado de modo reincidente na cobertura de diversos jornais da imprensa gaúcha.
Fonte: Lauro Alves para Agência RBS
Em notícia de 02 de julho, o Jornal do Comércio tratou dos impactos do ciclone-bomba com base nas informações da Defesa Civil, sem, no entanto, ouvir pessoas que presenciaram os momentos de pânico. No Correio do Povo, a cobertura da enchente na Capital Gaúcha foi mais ampla que a realizada no Vale dos Sinos. Ao passo que uma notícia sobre o desalojamento de famílias do arquipélago de Porto Alegre realizou entrevistas com as pessoas atingidas, outra matéria, também sobre famílias que sofreram com a inundação, agora em São Leopoldo, usou apenas as informações disponibilizadas pela secretaria municipal.
Desastres como esses, provam a necessidade de o jornalismo ver humanidade em cada número da Defesa Civil. Especialmente considerando a constância das enchentes nas bacias hidrográficas que abastecem o Guaíba, os dois ciclones não devem ser tratados como fenômenos traumáticos já superados, ou já saturados. São exemplos da necessidade de empenho da gestão pública quanto à mitigação, e de uma discussão mais aprofundada, no âmbito das notícias locais, que possibilite conectar a maior seca dos últimos anos, seguida, semanas depois, de uma enchente histórica, com as alterações climáticas que aí se manifestam.
As milhares de pessoas fora de casa no estado perderam bens, passaram frio, sofreram medo de saques em suas residências, sem esquecer, é claro, dos riscos em função da pandemia do Coronavírus. O jornalismo pode, mais do que contar a tragédia, se deixar impregnar pelos narrares de quem sofreu com a força dos ventos ou a invasão das águas em seus lares, ouvindo as suas demandas, e pautando, com maior complexidade, os desafios que esses fenômenos climáticos geram.